Quando o Pilsen Food Pantry — projeto que distribui alimentos para moradores vulneráveis de Chicago, em Illinois, nos Estados Unidos — abriu em uma manhã recente, Ulysses Moreno já estava lá havia duas horas, com uma fila de pessoas atrás dele que dobrava o quarteirão.
— Isso é uma tábua de salvação para mim — disse Moreno, 39 anos. Ele havia perdido o emprego na construção alguns dias antes e, com três adolescentes em casa, queria garantir que pudesse se abastecer. — Nosso orçamento para comida não rende mais como antes.
A poucos quilômetros dali, na badalada Magnificent Mile de Chicago, os hotéis de luxo estão movimentados. Joalherias e boutiques de grife fazem bons negócios. Os restaurantes estão lotados de clientes tomando coquetéis de 20 dólares enquanto esperam por uma mesa.
Para Evelyn Figueroa, médica de família que fundou e dirige a despensa de alimentos em Pilsen, o contraste é marcante.
— Para pessoas como eu, que são proprietárias de casa, que têm emprego, a economia vai muito bem — ela disse. — Como está a economia? Depende de quem você está olhando.
A divisão entre ricos e pobres está longe de ser novidade — em Chicago ou no resto do país. Mas ela se tornou mais acentuada nos últimos meses. Americanos mais ricos, impulsionados por um mercado acionário que continua batendo recordes, continuam gastando livremente. Famílias de baixa renda, atingidas por uma inflação persistente e enfrentando um mercado de trabalho que vem perdendo fôlego, estão reduzindo os gastos.
Os 10% mais ricos dos lares norte-americanos agora respondem por quase metade de todos os gastos, segundo estimativa recente da Moody’s Analytics — a maior fatia desde o fim dos anos 1980. A confiança do consumidor aumentou entre os que ganham mais, mas vem caindo de forma constante entre os demais grupos.
— Isso não é apenas uma história sobre desigualdade, é uma história macroeconômica — disse Lindsay Owens, diretora-executiva do Groundwork Collaborative, um grupo de políticas públicas progressista. — À medida que os ricos continuam consumindo, isso mascara cada vez mais a insegurança e a instabilidade da economia por baixo do capô.
A divisão é evidente em vários setores. Passageiros de alta renda estão comprando assentos caros nas classes executiva e primeira classe, enquanto as companhias aéreas enfrentam dificuldades para preencher os assentos mais baratos no fundo do avião.
As operadoras de cartão de crédito competem para oferecer cartões cada vez mais caros a pessoas de alta renda, dispostas a pagar anuidades em troca de benefícios exclusivos — enquanto famílias de baixa renda lutam para pagar o valor mínimo de suas dívidas.
Mesmo executivos de empresas voltadas ao grande público estão observando essa tendência — e, em alguns casos, preocupados com suas implicações.
“As visitas de consumidores de baixa renda em todo o setor voltaram a cair dois dígitos em relação ao mesmo período do ano anterior”, disse Christopher J. Kempczinski, CEO do McDonald’s, em uma recente teleconferência de resultados. “Essa base de consumidores dividida é o motivo pelo qual continuamos cautelosos em relação à saúde geral, no curto prazo, do consumidor americano.”
A desigualdade diminuiu sob várias medidas durante a pandemia, quando trilhões de dólares em ajuda do governo foram direcionados a famílias e empresas, e muitas companhias ofereceram pagamentos extras a funcionários que não podiam trabalhar de casa. Quando a economia começou a reabrir, a intensa competição por trabalhadores levou a um rápido aumento dos salários, especialmente em setores de baixa remuneração, onde a demanda por mão de obra superava em muito a oferta.
Mas, à medida que o mercado de trabalho esfriou, os trabalhadores de baixa renda perderam boa parte desse poder de barganha. Segundo dados do Federal Reserve Bank de Atlanta — um dos bancos regionais que compõem o Federal Reserve (FED), o banco central dos EUA — os salários por hora estão subindo mais lentamente para os empregados com menores remunerações, revertendo a tendência da pandemia.
O crescimento mais fraco dos salários, combinado à inflação persistente, está pressionando as finanças de muitas famílias. Os americanos estão recorrendo cada vez mais a cartões de crédito e outras formas de endividamento para pagar as contas — e mais pessoas estão atrasando os pagamentos de empréstimos de automóveis e faturas de cartão.
Essas pressões ainda não resultaram em uma onda de inadimplência, falências ou execuções hipotecárias. Mas o alto nível de endividamento significa que, mesmo aqueles que conseguem manter os pagamentos em dia, têm pouca margem para contrair novas dívidas caso os custos aumentem ou a renda caia. E dados da empresa de pesquisa de consumo Numerator mostram que famílias de baixa renda reduziram os gastos discricionários, ficando com pouca folga no orçamento.
— As pessoas ainda estão consumindo o básico, mas cortaram todas as outras coisas extras que conseguiam fazer depois da pandemia — disse Leo Feler, economista-chefe da Numerator. — É uma situação mais precária porque, se já cortamos toda a gordura, o que resta cortar são os itens essenciais.
A pressão sobre famílias de baixa renda vinha crescendo muito antes de o presidente Donald Trump voltar à Casa Branca. Mas algumas políticas do governo agravaram esses desafios, especialmente em certas comunidades.
Os agricultores foram duramente atingidos pela guerra comercial de Trump com a China. Cortes na força de trabalho federal afetaram o norte da Virgínia e outras regiões que dependem fortemente do emprego público — efeitos agravados pela paralisação do governo. E as batidas de imigração estão pesando sobre setores que dependem de trabalhadores estrangeiros e sobre os negócios que os têm como clientes.
Em Pilsen, um bairro majoritariamente hispânico de Chicago, as ruas normalmente movimentadas ficaram mais vazias nas últimas semanas, em meio ao aumento da fiscalização imigratória. Placas nos jardins, em espanhol, lembram os moradores de seus direitos legais. Comércios locais dizem estar recebendo menos clientes, com famílias com medo de sair de casa.
As dificuldades têm ficado em grande parte ocultas nos dados macroeconômicos. O consumo ainda cresce mais rápido do que a inflação. Os níveis de endividamento das famílias aumentaram, mas continuam administráveis em relação à renda. Indicadores amplos, como o produto interno bruto, apontam para uma economia que desacelerou, mas permanece fundamentalmente saudável — para surpresa de muitos analistas.
Mas essa resiliência depende cada vez mais de um grupo relativamente pequeno de famílias abastadas. Economistas da unidade regional do Federal Reserve de Boston constataram recentemente que o crescimento do consumo desde 2022 “tem sido impulsionado pelos consumidores de renda mais alta”.
— Em contraste — observaram os pesquisadores — o crescimento dos gastos dos consumidores de baixa renda tem sido muito mais fraco.
Essa divergência cria duas fontes de fragilidade, alertou Dhiren Patki, um dos autores do estudo do Fed de Boston. Com tanto dependendo dos mais ricos, a economia pode sofrer se os preços das ações caírem ou se algum outro choque levá-los a reduzir seus gastos. E as famílias de baixa renda já estão financeiramente pressionadas, o que as deixa vulneráveis caso o mercado de trabalho enfraqueça ainda mais.
Esse cenário dividido é um desafio para autoridades do Fed. A forte demanda do consumidor pode manter a pressão sobre os preços, enquanto as tarifas alimentam preocupações com a inflação. Mas, se o banco central americano mantiver as taxas de juros elevadas para combatê-la, as rachaduras no mercado de trabalho podem se ampliar.
A taxa de desemprego subiu nos últimos meses, mas ainda está relativamente baixa — 4,3% em agosto, o dado mais recente disponível, já que a paralisação do governo federal atrasou a divulgação das estatísticas de setembro. As contratações desaceleraram drasticamente, mas, em sua maioria, as empresas têm evitado demissões.
Se as companhias começarem a fazer cortes generalizados, o quadro para o consumidor pode piorar rapidamente, alertou Michelle Meyer, economista-chefe da Mastercard.
— Se realmente virmos um aumento nas taxas de demissão, se a taxa de desemprego subir, se os salários começarem a desacelerar de forma significativa, então, mesmo que os balanços das famílias ainda estejam sustentados, a narrativa muda muito rapidamente — ela disse.
Para quem está desempregado, encontrar trabalho já ficou bem mais difícil. Quase 2 milhões de americanos são considerados desempregados de longo prazo — o maior número desde a pandemia. E o desemprego aumentou acentuadamente entre trabalhadores negros, recém-formados e outros grupos que costumam ser os primeiros a sentir os efeitos de um mercado de trabalho enfraquecido.
Neste mês, dezenas de candidatos a emprego lotaram uma sala de conferências sem identificação no bairro de Pilsen para uma feira de carreiras organizada pela National Able Network, uma organização sem fins lucrativos de desenvolvimento da força de trabalho com sede em Chicago.
Quando Joycelyn Saunders perdeu o emprego em uma empresa de serviços financeiros em dezembro de 2023, esperava encontrar uma nova ocupação rapidamente. Ela tinha diploma universitário e anos de experiência, e nunca havia ficado muito tempo sem trabalho.
Quase dois anos depois, Saunders, de 40 anos, compareceu à feira de empregos ainda em busca de uma vaga. Ela obteve certificações em análise de dados — que parecia ser uma área em expansão —, mas as empresas estão cortando vagas, e as que contratam buscam profissionais com experiência prévia no setor. Ela está dirigindo para a Uber enquanto se candidata a empregos — e comprando apenas gasolina e comida.
— Eu estou apenas conseguindo me manter, e só isso — disse. — Não consigo economizar. Não consigo pagar minhas dívidas.
Mas e os dados que mostram que a economia ainda vai bem? Isso pode ser verdade para as pessoas nos hotéis do centro, disse Saunders, mas não para quem está lutando para pagar as contas.
— Boa para quem? — ela questionou. — Ouça as pessoas e o que elas estão dizendo sobre o que está acontecendo agora. Até as famílias de classe média estão sofrendo.
*Por Ben Casselman e Colby Smith, em The New York Times, via Jornal O Globo