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Despejo de esgoto nas praias de João Pessoa: quem é responsável pela crise ambiental?
20/05/2024 / 18:16
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Foto: Praia do Seixas

O descarte inadequado do esgoto e a ausência de uma fiscalização mais intensa desses serviços nas praias: de quem é a culpa pelo descaso com a preservação do meio ambiente?

Um problema que afeta toda a sociedade, e quando fazemos um recorte para a falta de olhar das autoridades para esses serviços nas praias, o assunto fica ainda mais sério. Isso porque esse é um problema que não afeta apenas os banhistas, mas impacta diversos setores.

Diante dos recentes casos de poluição ambiental registrados pela população e divulgados pela imprensa nas duas últimas semanas deste mês de maio, o Portal F5 Online conversou com o chefe da divisão de controle da poluição da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), Rhafael Cainã, para entender quais os impactos ambientais causados pelo descarte incorreto de esgoto em praias e rios e de quem, afinal, é a responsabilidade?

Foto: Reprodução

Operação Praia Limpa

Desde a quinta-feira (9), uma operação conjunta realizada pela Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), em parceria com a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Secretaria Municipal de Infraestrutura de João Pessoa (Seinfra) e a Polícia Federal da Paraíba, revelou a existência de novas irregularidades em estabelecimentos da orla de João Pessoa. Até a manhã de quarta-feira (15), já haviam sido embargados e autuados pela Sudema oito estabelecimentos suspeitos de despejar esgoto em praias da capital. Eles foram alvos da Operação Praia Limpa.

Foto: Reprodução/Sudema

Só na sexta-feira (10), foram autuados e embargados (fechados temporariamente) o Bar do Cuscuz, que pagou multa de R$ 20 mil, e os Quiosques Olho de Lula e Capitão Lula. Na segunda-feira (13), foram autuados e embargados o Quiosque das Frutas e o Hotel Nord Easy, ambos no bairro Cabo Branco. O quiosque pagou multa de R$ 5 mil e o Hotel, R$ 20 mil. No dia 14 , numa nova fiscalização da Operação Praia Limpa, também foram autuados e embargados o Quiosque dos Atletas e o Quiosque Rei do Coco. Na quinta-feira (16), foi embargado e autuado o Praiô, que, segundo a Sudema, foi flagrado despejando esgoto na praia do Seixas. Todos os responsáveis pelos estabelecimentos irão responder na Justiça, criminalmente, por dano ao meio ambiente.

Leia também: Bar do Cuscuz é fechado temporariamente em João Pessoa

Foto: Reprodução

‘Esgotei’

Essas descobertas se somam à primeira manifestação do movimento “Esgotei”, realizada no sábado (11) no Busto de Tamandaré, em João Pessoa, contra o despejo de esgoto em praias e rios do litoral paraibano. Faixas e crucifixos foram colocados no letreiro da cidade alertando para a ameaça que sofre o meio-ambiente.

“Infelizmente, ficamos tristes por empresas que ganham e sobrevivem do turismo, jogando esgoto no mar. Espero que eles revejam este problema”, afirmou Marcos Túlio, um dos organizadores do movimento, em conversa com o Portal F5 Online.

Marcos se disse ainda ser a favor de punição para os estabelecimentos flagrados despejando fezes no mar de João Pessoa, com o pagamento de multas, mas defendeu a continuidade dos serviços por conta dos empregos gerados.

A Sudema, responsável pela operação, afirmou que os locais autuados durante a ação estão lançando esgoto nas galerias pluviais, o que contribui para a contaminação das praias. A pergunta é: por que só agora o problema veio à tona?

Segundo o chefe da divisão de controle de poluição da Sudema, Rhafael Cainã , existem 64 pontos de coleta de resíduos na Paraíba, sendo cinco deles em João Pessoa. Isso abrange todo o litoral. Durante dois dias da semana, os técnicos vão ao mar, sempre no mesmo local, para fazer essa coleta. Eles entram no mar com água até a cintura, onde coletam uma amostra com um frasco esterilizado, vedado e armazenado sob refrigeração, levando-a para o laboratório.

“Quanto mais contaminada estiver a amostra, mais a praia é classificada como imprópria. Isso geralmente ocorre devido ao despejo de esgoto. O principal fator é o esgoto doméstico, embora eventos excepcionais, como o tombamento de um caminhão com produtos químicos, também possam classificar um trecho como impróprio. Outros parâmetros também podem indicar a impropriedade, mas geralmente é através da medição de coliformes fecais, que indicam o despejo de esgoto doméstico”, disse Rhafael Cainã.

Foto: Praia do Seixas

Trechos impróprios para banho

O que chama atenção é o aumento de trechos de praias consideradas impróprias para banho. Só para se ter uma ideia, no fim de semana do dia 11 de maio, a Paraíba apresentou 39 trechos de praias impróprias para banho, segundo o relatório de balneabilidade divulgado pela Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), sendo 19 áreas somente em João Pessoa. No mesmo período do ano passado, o litoral paraibano tinha oito trechos de praias impróprios para banho. Seis deles, em áreas localizadas em João Pessoa. Essa disparidade, segundo o técnico da Sudema, já vinha chamando a atenção da superintendência, que comparou os resultados de um levantamento feito em 2019 e no ano seguinte, durante a pandemia.

Segundo o técnico, o levantamento constatou que o nível de poluição nas praias do litoral de João Pessoa aumenta muito no primeiro semestre do ano, quando a cidade recebe mais turistas, e o comércio de hotelaria, bares e restaurantes fica mais pungente.

“É interessante apontar que durante o ano da pandemia, a qualidade da água das praias melhorou significativamente. Isso sugere uma possível influência dos serviços nas praias. Durante a pandemia, com os serviços fechados, houve uma melhora, indicando que talvez houvesse ligações clandestinas na orla de João Pessoa. Isso motivou a operação em andamento”, disse.

Rhafael ainda aponta que a população precisa entender que não é a Cagepa quem faz essas ligações erradas.

“A Seinfra e a Cagepa possuem os equipamentos essenciais para identificar essas ligações de esgoto clandestinas, enquanto a Sudema possui o laboratório para identificar as amostras de esgoto. Quando vamos aos locais, levantamos as tampas das galerias pluviais para identificar o afluente ali presente, determinando se tem características de esgoto. Se identificamos a presença de esgoto e canalizações, criamos estratégias para interromper o fluxo, incluindo o uso de água pressurizada para identificar sua origem. Muitas vezes, a canalização vem de cozinhas ou de ligações clandestinas de esgoto de vizinhos. O duto é então obstruído e o estabelecimento é autuado e multado, mas é um jogo de gato e rato, estamos corriqueiramente fazendo essas fiscalizações e quando identificamos qualquer ligação de esgoto clandestina, interrompemos imediatamente”.

O chefe da divisão de controle da poluição esclarece ainda que a intenção é que a população se conscientize e tome medidas para impedir que isso continue acontecendo e que se cada residência tivesse uma ligação clandestina, o impacto seria enorme.

“É necessário um trabalho de educação e conscientização com a população, especialmente nas regiões como Cabo Branco e Manaíra, onde a coleta de esgoto já está consolidada. Identificamos situações estranhas, como ligações clandestinas ao lado de redes de esgoto corretas. É um trabalho minucioso, identificando caso por caso. Mesmo em áreas onde não há rede de coleta de esgoto, o descarte nas galerias pluviais não é permitido”.

Os impactos do descarte incorreto de esgoto

Para Rhafael, é difícil quantificar o dano que tudo isso pode causar à vida marinha e ao ecossistema, mas que, ao identificar essas ligações, as autoridades alertam a população para evitar esses trechos impróprios e minimizar os danos.

Ainda segundo ele, é importante destacar que quando um trecho é classificado como impróprio, não significa que toda a praia seja. A Sudema recomenda que uma distância de cem metros seja respeitada para banho naquele local.

“Temos 20 pontos monitorados em João Pessoa, e quando um deles é indicado como impróprio, recomendamos evitar o banho nesses trechos”.

Diante dos casos de poluição ambiental citados na reportagem, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) também instaurou um inquérito civil para investigar a situação. A promotora Cláudia Cabral, responsável pela defesa do meio ambiente, destacou a importância de uma atuação mais rigorosa dos órgãos fiscalizadores e a responsabilização adequada dos estabelecimentos poluidores. A investigação segue em andamento.

O que disseram os estabelecimentos citados na reportagem:

Em nota divulgada nas redes sociais, a assessoria do Bar do Cuscuz afirmou que “compartilha da preocupação da população quanto aos cuidados com o meio ambiente e à cobrança por ações do poder público, mas que não aceita que isso resulte em uma atitude drástica como a tomada durante a última fiscalização, em que foi decretado o embargo do Bar.”

Também em nota, a assessoria do Praiô reiterou o pacto pela preservação do meio ambiente e o compromisso com a sustentabilidade, afirmando que nunca lançaram dejetos no mar. “No que nos couber, o mar da Praia do Seixas continuará sendo conhecido por sua exuberância,” conclui a nota.

Os Quiosques Olho de Lula e Capitão Lula não se pronunciaram.

O responsável pelo Quiosque das Frutas não foi encontrado.

O Portal F5 Online também entrou em contato com o Secretário de Turismo de João Pessoa, dono da empresa Nord, que administra o hotel embargado pela Sudema. Daniel Rodrigues explicou que se afastou da gerência da empresa no dia 1º de janeiro de 2021, desde que assumiu o cargo público. Ele afirmou que não é o responsável pelo hotel, atualmente, e que a empresa só tem a responsabilidade de administrar o local e não foi responsável pela construção do sistema de esgoto do empreendimento.

Não conseguimos localizar o proprietário do hotel, administrado pela Nord. Até o fechamento dessa reportagem, não conseguimos contato dos Quiosques Atletas e Rei do Coco embargados, na terça- feira (14).