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Do cariri da Paraíba ao sertão pernambucano: a caprinocultura e o café como molas de desenvolvimento
31/01/2023 / 10:17 / Matheus Melo
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“Eu costumo dizer que eu vou criar meus filhos aqui, com leite, com os produtos da caprinocultura”, diz Guilherme Freitas, de 28 anos, produtor e chefe de ovinocaprinocultura no município de Prata, a cerca de 300 km de João Pessoa, no Cariri paraibano.

Ele nasceu em Monteiro, cidade maior e vizinha, “mas a vida toda é na Prata”. Chamada de capital da cabra leiteira, o município tem se destacado na cultura da cabra e do bode entre as cidades do Cariri ocidental, onde a prática se agrega e alterna com a bovinocultura. Há cerca de quatro anos o jovem iniciou na caprinocultura com a Capril Freitas Cariri, empreendimento de bovinos, ovinos e caprinos, que atua na produção de leite e de genética animal.

“Nós vendemos reprodutores e matrizes para o Brasil inteiro. Teve uma época que vendi muitas matrizes cabritas, muito reprodutor pra fora, Ceará, Rio de Janeiro, Maranhão”, conta Guilherme, estudante de medicina veterinária. A criação do capril, afirma, veio de um despertar vendo amigos criadores e expositores se dedicarem aos seus rebanhos.

“A caprinocultura é a cultura mais explorada aqui na nossa região, que é o nosso Cariri. Eu acho que é uma das culturas mais exploradas do produtor, do agricultor, porque é um meio de viver no nosso Cariri sem precisar sair pras grandes metrópoles, pras grandes cidades […] A exploração dentro desse setor todo dia tem crescido muito, a genética, quando a gente parte pro artesanato, do couro, dos chifres, da cultura do bode, então é um setor que tem uma ampla gama pra ser explorada e bem explorada”, diz Guilherme, secretário executivo municipal de Agricultura.

Paraíba é líder na produção de leite de cabra

Os dados mais recentes da pesquisa Censo Agro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram a Paraíba como a maior produtora de leite de cabra no Brasil. O estado comercializou 72% do total de leite de cabra produzido, gerando um faturamento de R$ 7,6 milhões, segundo dados da pesquisa de 2017.

De acordo com o Boletim Técnico do Agronegócio Rebanhos da Paraíba, produzido pela Usina de Dados do Sebrae/PB, foi registrado entre 2016 e 2020 um crescimento de 30,7% na criação de caprinos no estado, chegando a 739.915 cabeças. A mesorregião da Borborema – que abriga as microrregiões do Cariri Oriental e Ocidental – é a que apresenta o maior número de animais do rebanho caprino.

Nessa região de clima semiárido, seco e baixa média de precipitação anual, a pecuária caprina se destaca como alternativa que pode ser explorada com mais facilidade de manejo em relação à bovinocultura. Dentro da cadeia produtiva, a carne e o leite são usados para consumo humano, enquanto o pelo e o couro na fabricação de objetos, roupas e artesanato.

O impulso no mercado passa, entre outras demandas, pelo investimento em melhoramento genético – animais com “mais qualidade” para um maior volume de produção. Também se mostram importantes o fomento à pesquisa e a assistência técnica aos pequenos criadores.

O gerente estadual do Banco do Nordeste na Paraíba, Keke Roseberg afirma que a
ovinocaprinocultura tem grande relevância econômica pelo nível de resistência e adaptação “quase que natural” ao clima do semiárido.

“Há um potencial ainda de expansão pra atividade e há um potencial também se a gente for olhar pelas perspectivas das possibilidades que existem, como por exemplo o melhoramento genético dos rebanhos aqui do nosso estado, e esse melhoramento genético também pode ser financiado pelo Banco do Nordeste”, explica.

Em 2022, foram financiados R$ 49 milhões pelo BNB para a ovinocaprinocultura nos municípios paraibanos, principalmente na região do Cariri e do Curimataú.

O gerente estadual ressalta que a instituição conta com ações e projetos voltados à ovinocaprinocultura, como por exemplo a participação do BNB nas ações relacionadas ao Agronordeste, do governo federal, e o Prodeter – Programa de Desenvolvimento Territorial do Banco do Nordeste.

“Essa atividade [a ovinocaprinocultura] é contemplada dentro desses dois programas, um do governo federal e um específico do Banco do Nordeste, pra que nós foquemos nossas ações de aplicação de crédito nessa atividade, reconhecendo ela como fundamental pra o desenvolvimento tanto da região do Cariri quanto do estado da Paraíba”, pontua Roseberg. Segundo ele, um dos desafios relacionados à prática é a comercialização. Nesse sentido, os produtores rurais podem contar com o suporte do Sebrae para estruturar suas cadeias de venda.

No estado, há ainda assistência técnica e capacitações por parte do Sistema Federação da Agricultura e Pecuária da Paraíba (Faepa)/Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), assistência técnica da Empaer ou de elaboradores privados que atuam no mercado. O Instituto Nacional do Semiárido (INSA), em Campina Grande, é outra entidade que fomenta o trabalho contra os desafios que existem na atividade.

O empreendedor Guilherme Freitas diz ter contado com financiamento de crédito no BNB e suporte do Sebrae, com acompanhamento de um agente de desenvolvimento por determinado período. “Há um incentivo e uma responsabilidade de nós reconhecermos, eu reconhecer que aquele meu negócio, aquele meu capril pode gerar renda, ele tem uma responsabilidade socioeconômica no município, sobre as famílias”.

Técnicos do Senar PB realizam aula prática do curso de sanidade e manejo reprodutivo em caprinos, no Capril Freitas Cariri – Foto: Arquivo pessoal/Guilherme Freitas

Palma forrageira: ouro verde no semiárido

Guilherme lembra da importância da palma forrageira para a prática da pecuária com caprinos. “Sem palma não tem condições de criar, hoje nós temos um período de estiagem no nosso município que quando seca tudo nós recorremos pra palma. A palma é nosso ouro verde. E até sem ser em tempo de estiagem nós também fornecemos palma para os animais, porque é fonte rica de energia, de fibras, aumenta a capacidade do leite, o animal gosta. A palma forrageira é um produto palatável para os animais. Sem a palma é difícil criar na nossa região”, comenta o produtor de leite e genética.

A Paraíba é o terceiro estado com maior produção de palma forrageira do país, conforme o Censo Agropecuário de 2017. Monteiro, no Cariri, é o município paraibano que se destaca, ocupando também o 8º lugar no país. O cultivo da palma é quase que exclusivo da região Nordeste, responsável por 99,61% do total.

O técnico de campo do Sistema Faepa/Senar-PB e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais do município de Juazeirinho, Humberto Gonçalves atua em projetos com palma há anos.

“A palma é responsável pelas produtividades de leite e a Paraíba é uma bacia leiteira, de leite de caprinos. Não existe um só produtor de leite de caprinos, e eu diria também de ovinos, que não tem a palma na base alimentar dos animais. É algo de fundamental importância para a pecuária da Paraíba”, destaca Humberto, que defende mais estudos voltados para essa cultura.

Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais do município de Juazeirinho e técnico do Sistema Faepa/Senar-PB, Humberto Gonçalves – Foto: Ascom Faepa/Senar-PB

Ele é o técnico responsável pelo projeto “Forrageiras para o Semiárido” na unidade do município de Tenório, na Paraíba. O Forrageiras tem realização da Faepa, instituto CNA e conta com pesquisa da Embrapa. O objetivo é desenvolver espécies forrageiras de plantas adaptadas ao clima seco como alternativas de alimentação e nutrição para a pecuária nordestina.

O técnico, licenciado em ciências agrárias, acredita que a caprinocultura é pouco explorada, tanto na questão do leite quanto do corte. “O Brasil ainda é deficitário na questão da produção de carne, principalmente de ovinos, e isso é um ponto fundamental também, essa cadeia precisa ser mais explorada, os produtores ainda precisam passar por um processo de aperfeiçoamento da atividade na questão de manejo sanitário, alimentar, reserva de alimentos. É uma cadeia extremamente importante pra economia dessa região, porém ainda precisa de muita coisa”.

Humberto Gonçalves defende uma maior participação da iniciativa privada na atividade, além de “desburocratização” e investimentos do estado sobre o setor. Destaca também a importância da exploração comercial sobre os produtos derivados, como o queijo e a carne. “Tem que buscar pontes que façam com que o produtor produza com a certeza de que vai vender todo seu produto”.

Paraíba é terceiro estado maior produtor de palma forrageira do país, de acordo com o Censo Agropecuário – Foto: Secom-PB

Os eventos voltados à caprinocultura na Paraíba evidenciam a força do negócio no estado. A Prata realiza anualmente a Exposição de Caprinos e Ovinos (Expoprata), destacando a maior produção leiteira caprina do país, realizada no Cariri. Cabaceiras tem a famosa e tradicional Festa do Bode Rei.

Guilherme Freitas, da Capril Freitas Cariri, afirma que um dos desafios principais é sobre onde escoar o leite caprino da região. “Hoje nós temos aqui só a venda governamental, nós vendemos ao governo do estado, governo federal, mas se amanhã acabar?”, questiona. Através do programa de aquisição Alimenta Brasil, do governo federal, o poder público compra alimentos produzidos por agricultores e os destina às famílias em situação de insegurança alimentar, escolas, unidades e demais redes.

O secretário acredita que uma das ações principais para continuar garantindo o avanço da caprinocultura é o governo e seus setores se manterem firmes nas parcerias e comprometidos com a categoria.

Keke Roseberg, gerente estadual no Banco do Nordeste, conta que o agronegócio foi muito importante nos últimos três anos, mesmo com a pandemia, e na Paraíba não foi diferente. “Aqui na nossa superintendência, nossas aplicações de crédito rural cresceram”. Além do crédito para financiamento, Roseberg destaca os editais de recursos não reembolsáveis do BNB, relacionados a projetos de inovação ligados à atividades agrícolas.

“A caprinocultura ela tá avançando, ela não tá minguando, ela tá alimentando”, diz o caprinocultor Guilherme.

O gerente executivo estadual da superintendência do Banco do Nordeste na Paraíba, Keke Roseberg comenta sobre os mecanismos de estímulo da instituição e o uso da tecnologia no relacionamento com o cliente do setor agro:

 

Barista e cafeicultor Gabriel Althoff em meio ao plantio do Café do Brejo em Triunfo, Sertão de PE – Foto: Arquivo pessoal

A ascensão dos cafés especiais em PE, do Sertão a Recife

Na cidade pernambucana de Triunfo, a cerca de 405 km da capital Recife, uma outra atividade ligada ao agronegócio movimenta a economia e o empreendedorismo: a produção de cafés especiais.

O barista, torrador e produtor Gabriel Althoff trabalhava na construção civil e começou a entrar no mundo do café especial por querer mudar de estilo de vida. Circulando por cafeterias, entre uma xícara e outra, “terminei me encontrando com o café gourmet, que me chamou muita atenção, e o café gourmet de certa forma ele é abaixo ainda do café especial… e eu falando com a dona, perguntei que café era aquele e tal, ela me explicou e foi onde começou o interesse sobre cafés, mesmo tendo uma família que já produz café desde 1800 e bolinha, mas eu nunca tinha pensando em trabalhar na parte de cafeicultura, e aí foi onde eu comecei a pensar sobre a possibilidade de trabalhar com café, foi na parte sensorial”, relembra.

O Café do Brejo é uma empresa de propriedade da mãe e do padrasto de Gabriel, Dona Têca e seu Bel, e desde 2014 conta com o empresário, que entrou focado na parte de cafeicultura e cafeteria com a proposta de levar o produto local ao público de Recife, já numa pegada de linhas especiais.

A sede principal do Café do Brejo fica em Triunfo, no Sertão de Pernambuco, onde a família cuida de uma pousada/restaurante. O espaço, próximo à cidade, também abriga alguns pés de café, que são utilizados para consumo próprio do estabelecimento.

Uma segunda propriedade da empresa fica perto do Pico do Papagaio, roteiro turístico de Triunfo e um dos pontos mais altos do estado. Lá ficam os plantios da família, com sete variedades de café, em que é realizado todo o processamento de colheita, pós-colheita e fermentações.

Gabriel inaugurou uma loja da Café do Brejo em Recife, onde ficam as torrefações e o produto é apresentado ao público. Na unidade em Recife, também são palestrados cursos e realizadas reuniões de vendas.

Situado a 1.004 metros de altitude, Triunfo tem uma clima de montanha favorável ao plantio de café arábica e chama atenção, junto com a cidade de Taquaritinga do Norte, na produção de cafés especiais. Outros municípios pernambucanos referência no café são Garanhuns e Brejão, com uma produção mais tradicional e comercial. 

Gabriel durante evento Agrinordeste – @meuladocafe/Instagram

A família do barista é envolvida na produção de café na cidade desde cerca de 1889. Segundo o cafeicultor, que carrega no DNA a tradição do café, o uso da tecnologia é primordial hoje em dia.

“Se você não utilizar as ferramentas que o mercado está oferecendo em termos de gotejamento, a parte nutricional da planta e tudo que oferece pra gente fazer um plantio. Fora um agloflorestamento que ajuda bastante em algumas épocas do ano aqui pra o café. Eu acredito que o café sem isso ele não consegue sobreviver dentro do estado não”, pontua Gabriel, um dos fundadores do Festival Recife Coffee.

O produtor e empreendedor avalia que o café ainda é tímido para refletir com força na parte econômica do estado, mas vê potencialidade nas novas cafeterias que estão popularizando o consumo da bebida e seus derivados, especialmente na região metropolitana de Recife.

“A cafeicultura em Pernambuco perdeu um pouco de força na década de 1970 e a retomada não tá sendo suficiente. Tem alguns produtores que tão fazendo o trabalho de melhoramento de qualidade, mas acredito que não reflita isso economicamente pro estado de Pernambuco. O que tá refletindo pro estado são as cafeterias em Recife que recebem cafés do país todo, tanto daqui de Pernambuco, quanto os cafés vindo de fora, da Bahia, do Espírito Santo, Minas Gerais. Mas eu acredito que essa retomada da cafeicultura, de cafés especiais em Pernambuco ela tá acontecendo no processo natural né, acho que com mais alguns anos vá ganhar um pouco mais de força, isso pode ser que chame atenção do poder público”, diz Gabriel Althoff.