Os mercados de matérias-primas ao redor do mundo foram sacudidos pela guerra na Ucrânia, e não se trata de uma consequência apenas das sanções ocidentais contra a Rússia, que agora incluem o gás e o petróleo.
Os preços de matérias-primas também dispararam devido às interrupções no fornecimento causadas pela invasão russa, que bloqueou o fluxo de grãos e metais vindos da região.
Tanto a Rússia como a Ucrânia têm papeis estratégicos nos mercados internacionais de produtos básicos. Ambos são grandes exportadores de produtos como trigo e cereais, petróleo, gás natural, carvão, ouro e outros metais preciosos.
A guerra afetou tanto a produção interna como as cadeias de distribuição cruciais para o resto do mundo, jogando os preços para cima. A situação tem sido descrita como “catastrófica” por muitos países, particularmente os mais pobres.
Especialistas advertem sobre as consequências do que chamam de “extrema volatilidade” dos mercados, como resultado da invasão russa da Ucrânia. Há também temores sobre o impacto na atividade econômica dos países que ainda estão se recuperando da pandemia de covid-19.
Abaixo, conheça os principais produtos de exportação vindos da Ucrânia e da Rússia cuja distribuição tem sido afetada pela guerra.
A economia da Rússia depende significativamente da exportação de petróleo e gás. O país é o terceiro exportador de petróleo do mundo (depois da União Europeia e da Arábia Saudita) e um dos maiores exportadores de gás.
Antes da invasão da Ucrânia, a Rússia fornecia 1 em cada 10 barris de petróleo que o mundo consumia. Agora, porém, com a guerra e o anúncio de Estados Unidos, Canadá e Reino Unido de proibir a importação de produtos de energia russos, o mercado internacional de petróleo enfrenta sua maior turbulência desde a década de 1970.
Os especialistas afirmam ser provável que os preços continuem subindo enquanto a guerra durar, já que há poucas alternativas para substituir as exportações russas de aproximadamente 5 milhões de barris por dia.
A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), da qual a Rússia não faz parte, indicou que não será fácil encontrar essas alternativas, como disse o secretário-geral da entidade, Mohammad Barkindo.
“Não existe capacidade no mundo” que possa substituir a produção russa, indicou Barkindo. Ele acrescentou que “não temos controle sobre os atuais acontecimentos, a geopolítica, e isso está ditando o ritmo do mercado”.
Até mesmo os países com baixas importações de produtos de energia russos sentirão o impacto, pois é provável que subam os preços de venda de combustíveis para atacadistas.
Tanto a Rússia como a Ucrânia são grandes exportadores de produtos alimentícios. Os dois países, conhecidos como o “celeiro da Europa”, representam 29% das exportações globais de trigo e 19% das de milho, segundo dados do banco JP Morgan. Os preços do trigo em algumas bolsas de futuro têm sido negociados nos maiores valores em 14 anos.
A Ucrânia é o maior produtor mundial de azeite de girassol, e a Rússia ocupa o segundo lugar, segundo a S&P Global Platts. Juntos, representam 60% da produção mundial.
Tanto o trigo como o azeite de girassol são matérias-primas importantes, utilizadas em muitos produtos alimentícios. Se a colheita ou o processamento são prejudicados, ou se as exportações são interrompidas, as nações importadoras precisam encontrar formas de substituir esse fornecimento.
Analistas alertam que o impacto da guerra na produção de grãos pode chegar a duplicar os preços internacionais do trigo. Isso poderia afetar gravemente vários países que dependem das importações de grãos vindas da região do Mar Negro.
Turquia e Egito recebem quase 70% de suas importações de trigo da Rússia e da Ucrânia, que é também o maior fornecedor de milho para a China.
O diretor do Programa Mundial de Alimentos, David Beasley, disse à BBC que o aumento de preços devido ao conflito na Ucrânia pode ter um impacto catastrófico sobre as nações mais pobres.
“No Líbano, cerca de 50% de seus grãos vêm da Ucrânia. Iêmen, Síria, Tunísia etc dependem da Ucrânia como fornecedor de grãos”, afirmou. “Rússia e Ucrânia deixarão de ser um celeiro para literalmente ter que repartir o pão. É simplesmente uma incrível reversão da realidade.”
A Rússia é um dos maiores fornecedores do mundo de metais utilizados em todo tipo de produtos, de latas de alumínio até cabos de cobre e componentes de automóveis.
O país é o quarto exportador global de alumínio e um dos cinco principais produtores mundiais de aço, níquel, paládio e cobre. A Ucrânia também é um fornecedor importante e possui uma importante participação na exportação de paládio e platina.
Isso significa que, devido à invasão da Ucrânia pela Rússia, poderemos ver um aumento de preços dos produtos enlatados e de cabos de cobre.
“Temos visto que o alumínio e o níquel subiram 30% desde o início do ano, e isso finalmente se transmitirá aos consumidores quando comprarem suas latas de bebidas feitas de alumínio ou quando fizerem reformas em suas casas e precisarem de cobre para seu cabeamento. Todos esses preços entram na pressão inflacionária geral”, disse à BBC Matthew Chamberlain, diretor da Bolsa de Metais de Londres (Reino Unido).
A Rússia é ainda o terceiro produtor mundial de ouro, depois da Austrália e da China. Segundo dados do Conselho Mundial, em 2021 o país abasteceu o mundo com 350 toneladas do precioso metal.
No início de março, o ouro alcançou seu preço mais alto desde agosto de 2020, sendo negociado a mais de US$ 2 mil a onça (uma onça corresponde a cerca de 28 gramas).
Isso ocorreu devido à entrada de capital de investidores que buscam um refúgio seguro em tempos de incertezas no mercado. Mas o preço de outros metais disparou por causa dos temores de interrupção do fornecimento vindo da Rússia e da Ucrânia.
No início de março, o níquel – utilizado em baterias feitas de lítio-ferro – disparou 76%, e o paládio – usado nos conversores catalíticos de automóveis para reduzir emissões de gases – alcançou níveis inéditos, informou a agência de notícias Reuters.
Qualquer interrupção na oferta de paládio, dizem analistas, poderia criar sérios problemas para os fabricantes de carros.
“A Rússia representa 38% da produção mundial de paládio. Como os cortes de fornecimento não podem ser compensados por outras regiões, o mercado corre o risco de cair em um déficit de oferta considerável”, disse à publicação Business Insider o estrategista do Commerzbank, Daniel Briesemann.
A Ucrânia é um dos principais provedores de gases raros purificados, como o criptônio e o néon (ou neônio), este último essencial para a fabricação de semicondutores.
Segundo dados da consultoria TrendForce, a Ucrânia representa quase 70% das exportações mundiais de gás néon purificado, usado para os lasers que gravam os padrões dos semicondutores.
Mais de 90% do néon utilizado pela indústria de chips dos Estados Unidos vem da Ucrânia. Qualquer alteração em seu abastecimento poderia agravar a escassez de microchips, que já foi um problema significativo em 2021.
“Como a Rússia fornece mais de 40% do abastecimento mundial de paládio, e a Ucrânia produz 70% do fornecimento mundial de néon, podemos esperar que a escassez mundial de chips piore se o conflito militar persistir”, escreveu Tim Uy em um relatório recente da Moody’s Analytics.
“Durante a guerra de 2014-15, na Ucrânia, os preço de néon subiram várias vezes, o que indica a gravidade para a indústria dos semicondutores. As empresas de semicondutores representam 70% da demanda total de néon, já que este é uma parte integral do processo litográfico para fabricar chips.”
Da BBC News Mundo