O dono da rede social X (antigo Twitter), Elon Musk, usou sua plataforma neste fim de semana para desafiar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ameaçando descumprir decisões judiciais e propondo sua renúncia ou impeachment.
Para Musk, Moares estaria praticando censura ao determinar a suspensão de contas do X. Já os que defendem as decisões do ministro dizem que contas foram tiradas do ar ao terem postado conteúdo criminoso, em contextos como os ataques antidemocráticos do 8 de janeiro.
Na noite de domingo (7/3), Moraes reagiu determinando que Musk seja investigado. O ministro decidiu incluir o dono do X no inquérito que investiga a existência de milícias digitais e também abriu um novo inquérito para apurar se o empresário cometeu crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
Além disso, estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil por cada perfil da rede social que venha a ser desbloqueado, em descumprimento de decisão do STF ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E frisou a possível responsabilização dos responsáveis legais pela empresa no Brasil caso isso ocorra.
“AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI! AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA DE NINGUÉM!”, escreveu Moraes, em caixa alta, na decisão.
A série de declarações contra o ministro levantou especulações de que a plataforma possa ser retirada do ar pela Justiça. Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, isso de fato pode acontecer caso a empresa deixe de cumprir decisões judiciais, embora a suspensão da plataforma seja uma medida inadequada na visão de alguns juristas.
Segundo Bruna Santos, gerente de campanhas global na Digital Action e integrante da Coalizão Direitos na Rede, a Justiça brasileira tem interpretado o Marco Civil da Internet de forma a entender que o descumprimento reiterado de ordens judiciais que falem sobre remoção de conteúdos ou requisições de dados de usuários pode sim legitimar um bloqueio de uma certa plataforma.
“O Musk age para provocar mesmo o Judiciário brasileiro. Ele tenta romper com o movimento de compliance (cumprimento) das normas brasileiras. Acho que a chance de bloqueio do X é real”, nota Santos.
O advogado especialista em liberdade de expressão e professor da PUC/SP André Marsiglia também considera possível um bloqueio temporário do Twitter, já que outras plataformas já foram suspensas no país por descumprimento de decisão judicial, como o Telegram e o WhatsApp.
Ele, porém, considera censura o bloqueio de uma plataforma. Na sua visão, a Justiça deve usar outros meios para punir quem descumpre decisões, como aplicar multas à empresa.
“No momento em que você suspende o serviço da plataforma, você pune o usuário também, inclusive o usuário que usa adequadamente a plataforma. Como as plataformas são canais de veiculação da expressão, (ao bloquear o serviço) você cerceia a liberdade de expressão e, portanto, comete censura”, avalia.
Moraes ganhou protagonismo nas decisões que restringem redes sociais no país por ser o relator de inquéritos que investigam ataques aos três Poderes e uma suposta tentativa de golpe de Estado. Entre os alvos dessas investigações estão o ex-presidente Jair Bolsonaro e apoiadores.
Além disso, também tomou decisões contra usuários das plataformas na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, com a justificativa de coibir a disseminação de notícias falsas durante as eleições.
Alguns dos bolsonaristas que já tiveram suas contas bloqueadas no antigo Twitter são a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), o ex-parlamentar Roberto Jefferson e o empresário Luciano Hang.
Essas decisões viraram alvo de críticas de Musk neste fim de semana após informações internas do antigo Twitter a respeito do cumprimento de decisões judiciais brasileiras terem sido divulgadas a partir de quarta-feira (3/4).
Essas informações foram liberadas pelo próprio Musk e estão sendo divulgadas pelo ativista e jornalista americano Michael Shellenberger, em artigos que acusam o Judiciário brasileiro de autoritarismo e censura.
Foi nesse contexto que Musk usou o X para responder, no sábado (6/4), uma postagem de janeiro de Moraes com a seguinte pergunta: “Por que vocês estão exigindo tanta censura no Brasil?”.
Na postagem em questão, Moraes parabenizava o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski pela nomeação como ministro da Justiça do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
No mesmo dia, Musk também compartilhou um post de Shellenberger com críticas a Moraes, acrescentando o seguinte comentário: “Esta censura agressiva parece violar a lei e a vontade do povo do Brasil”.
Na sequência, disse que sua empresa deixaria de cumprir as decisões.
“Estamos levantando todas as restrições. Este juiz aplicou multas pesadas, ameaçou prender nossos funcionários e cortou o acesso ao 𝕏 no Brasil. Como resultado, provavelmente perderemos todas as receitas no Brasil e teremos que fechar nosso escritório lá. Mas os princípios importam mais do que o lucro”, escreveu.
Já no domingo (7/8), Musk postou em sua rede social que, em breve, “𝕏 publicará tudo o que é exigido por @Alexandre e como essas solicitações violam a legislação brasileira”.
“Este juiz traiu descaradamente e repetidamente a constituição e o povo do Brasil. Ele deveria renunciar ou sofrer impeachment”, defendeu ainda.
As mensagens de Musk geraram intensa movimentação de bolsonaristas em seu apoio.
O próprio ex-presidente compartilhou na noite de sábado uma mensagem no X em que diz que “@elonmusk é o mito da nossa liberdade”, acompanhado de um vídeo de um encontro dos dois em maio de 2022.
Horas antes, Bolsonaro havia feito outra postagem na rede convocado um ato em seu apoio no Rio de Janeiro, em 21 de abril. Nesse vídeo, ele chama de “a maior fake news da história do Brasil” a minuta de golpe de Estado, em referência a acusação de que teria apresentado aos comandantes das Forças Armadas um documento com teor golpista no final de 2022, antes da posse de Lula.
Por outro lado, integrantes do atual govervo fizeram duras críticas à Musk.
Usando sua conta no X, o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, disse que “nossa soberania não será tutelada pelo poder das plataformas de internet e do modelo de negócio das big techs”.
“Não vamos permitir que ninguém, independente do dinheiro e do poder que tenha afronte nossa Pátria. Não vamos transigir diante de ameaças e não vamos tolerar impunimente nenhum ato que atende contra a democracia”, disse também.
Na decisão que determina a investigação de Musk, Moraes frisou que as atividades nas redes são regulamentadas pelo Marco Civil da internet, o que permite, por exemplo, a quebra de sigilo de dados e até solicitação para deixar determinado conteúdo considerado ilícito indisponível a pedido da Justiça.
“O ordenamento jurídico brasileiro prevê, portanto, a necessidade de que as empresas que administram serviços de internet no Brasil atendam todas as ordens e decisões judiciais, inclusive as que determinam o fornecimento de dados pessoais ou outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, ou ainda, que determinem a cessação da prática de atividades ilícitas, com bloqueio de perfis”, escreveu o ministro.
Moraes pontuou ainda que existe uma “instrumentalização criminosa” nas redes sociais por parte das milíciais digitais para divulgar, propagar, organizar e aplicar práticas ilícitas, “especialmente no gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito e na tentativa de destruição do Supremo Tribunal Federal, Congresso Nacional e Palácio do Planalto, ou seja, da própria República brasileira”.
Moraes ressaltou também que, “após a tentativa golpista de 8 de janeiro de 2023”, houve uma reunião presidida por ele, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em março de 2023, com a presença das principais plataformas, incluindo representantes do X (ex-Twitter), para falar sobre a necessidade de apresentação de propostas para evitar que esses crimes ocorressem novamente.
Segundo Moraes, posteriormente um grupo de trabalho sobre o tema, que incluía um representante do X, participou de outras cinco reuniões no TSE, entre 6 de março e 4 de abril de 2023.
O ministro ressaltou, então, em sua decisão, que não havia qualquer evidência de “dolo” (intenção) criminosa por parte dos provedores de redes sociais, até o momento em que Musk “iniciou uma campanha de desinformação sobre a atuação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, (…) instigando a desobediência e obstrução à Justiça, inclusive, em relação a organizações criminosas”.
Moraes destacou ainda a declaração do dono do X de que “a plataforma rescindirá o cumprimento das ordens emanadas da Justiça Brasileira relacionadas ao bloqueio de perfis criminosos e que espalham notícias fraudulentas, em investigação nesta SUPREMA CORTE”.
Na visão do ministro, essas mensagens seriam “fortes indícios” do dolo de Musk na instrumentalização criminosa de sua rede social.
“A flagrante conduta de obstrução à Justiça brasileira, a incitação ao crime, a ameaça pública de desobediência as ordens judiciais e de futura ausência de cooperação da plataforma são fatos que desrespeitam a soberania do Brasil e reforçam à conexão da DOLOSA INSTRUMENTALIZAÇÃO CRIMINOSA das atividades do ex-TWITTER atual ‘X’, com as práticas ilícitas investigadas pelos diversos inquéritos anteriormente citados, devendo ser objeto de investigação da Polícia Federal”, reforçou ainda o ministro.
A BBC News Brasil tentou contato com a assessoria do Twitter no domingo, mas recebeu a seguinte resposta: “Ocupado agora, volte mais tarde”.
Apesar da ameaça de Musk de deixar de cumprir as decisões de Moraes, o perfil oficial da empresa X divulgou em nota que as decisões seriam questionadas judicialmente.
“A X Corp. foi forçada por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil. (…) Somos ameaçados com multas diárias se não cumprirmos a ordem”, disse a empresa.
“Não acreditamos que tais ordens estejam de acordo com o Marco Civil da Internet ou com a Constituição Federal do Brasil e contestaremos legalmente as ordens no que for possível”, continuou a nota.
O embate entre Musk e Moraes tende a reativar o debate sobre regulamentação das redes sociais no país, proposta que está travada no Congresso, devido ao receio de parte da sociedade com risco de censura.
O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, usou sua conta no X, no sábado, para defender a medida.
“É urgente regulamentar as redes sociais. Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A Paz Social é inegociável”, postou.
No entanto, a proposta que tramita no Congresso — o projeto de lei 2630, conhecido como PL das Fake News — é alvo de controvérsias.
“Eu não sou contra a regulação, mas eu sou contra a regulação ruim”, afirma o professor da PUC/SP André Marsiglia.
“Hoje, o que nós temos no PL 2.630 é uma série de fragilidades conceituais a respeito do que é desinformação, o que é fake News e de como isso deve ser ou não punido. É preciso um debate mais aprofundado”, defende ainda.
Já a Coalizão Direitos na Rede, que reúne organizações da sociedade civil em defesa dos direitos humanos na Internet, é favorável ao PL das Fake News.
“Essa proposta traz um conjunto mínimo e equilibrado de regras para as plataformas no Brasil”, defende a integrante da coalizão Bruna Santos.
“A gente de fato precisa de um novo nível de exigências para as plataformas, em função de coisas como a moderação de conteúdo, que é praticamente inexistente em plataformas como o X hoje em dia, e também essa tentativa de evasão do cumprimento das leis locais que algumas empresas têm feito”, disse ainda.
Da BBC News