MAYARA PAIXÃO
GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Os dados sanitários dos países se tornaram uma variável de peso —se não a principal— na equação que determina como ficam as viagens internacionais no pós-pandemia e quando será esse pós.
Como essas definições dependem de fatores que mudam com frequência, muitas das perguntas sobre o tema não têm respostas exatas. Mas já há um conjunto de informações que sugere os próximos passos.
Para os brasileiros, a crise no país atrapalha o reaquecimento do turismo internacional. Pouco mais de um ano e quatro meses desde que o primeiro caso de Covid foi identificado no Brasil, a média móvel de mortes segue superior a 1.500 e só cerca de 17% da população adulta está completamente imunizada.
Para quais países os brasileiros podem viajar hoje?
Hoje, turistas brasileiros são aceitos em cerca de 75 países, na maioria dos quais é preciso apresentar um teste negativo para a Covid feito 72 horas antes da chegada e cumprir quarentena, que varia de uma a duas semanas.
Mas essa é uma informação que muda com frequência, já que as autoridades sanitárias de cada país reveem periodicamente as autorizações concedidas para viajantes estrangeiros. Um dos fatores usualmente levados em conta é o número de novos casos de Covid-19 a cada 100 mil habitantes nos últimos 14 dias —que não deve ultrapassar 75. No Brasil, a proporção atual é 398/100 mil, segundo dados computados pelo consórcio de veículos de imprensa.
São poucos os bancos de dados confiáveis que unem essas informações. Uma opção é o mapa virtual da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), em que é possível, um a um, observar se os países aceitam brasileiros e o que exigem para a viagem. Esse tipo de informação também costuma ser disponibilizado pelas companhias aéreas e nos sites das autoridades locais de cada país.
Quando podemos esperar uma volta da normalidade das viagens?
Esse horizonte depende de diferentes fatores relacionados à saúde pública. Na balança, encontram-se o avanço da vacinação, os índices de transmissão no país de origem e de destino do viajante e o eventual surgimento de novas variantes.
Caso os calendários estaduais de imunização sejam cumpridos, o Brasil deve observar maior abertura internacional para viagens em dezembro —supostamente, brasileiros com comorbidades e os maiores de 18 anos já estarão completamente imunizados, seja com as duas doses da vacina ou com a dose única.
Além do cenário interno do Brasil, há um fator externo que deve dar elementos para a tomada de decisão dos países de abrirem ou não suas fronteiras: o fim da temporada de verão na Europa, em meados de setembro. O avanço da vacinação no continente vinha dando bons sinais, mas agora o panorama é de cautela. “A gente estava muito otimista, mas duas situações acenderam o sinal amarelo: o índice de contaminação entre os jovens durante a Eurocopa e a chegada da variante delta, especialmente no Reino Unido”, explica a pesquisadora e professora da USP (Universidade de São Paulo) Mariana Aldrigui.
O diretor-geral da Iata no Brasil, Dany Oliveira, diz trabalhar com a estimativa de que, em 2022, o número global de passageiros atinja 88% dos níveis pré-pandêmicos. Em 2023, esses níveis seriam ultrapassados.
A carteirinha de vacinação que recebi no posto servirá se eu quiser viajar para o exterior?
Por enquanto, sim. O turista brasileiro também pode acessar o app Conecte SUS, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, e emitir a certificação digital de vacinação do coronavírus, disponível em português, inglês e espanhol.
O mais recomendável, em um momento no qual os protocolos ainda variam muito, é estar com os dois certificados em mãos —o recebido ao tomar a vacina e o emitido online—, observa a diretora global de publicidade e assuntos institucionais da empresa Decolar, Bruna Milet.
No caso de viagem para um país que exija que o turista esteja vacinado, também é fundamental checar se esse destino aceita o fármaco com o qual o turista foi imunizado, informação que pode ser verificada com as autoridades locais do país, agências de viagem ou companhias aéreas. Mas o uso desse tipo de comprovante deve ficar obsoleto à medida que o fluxo de viagens internacionais aumentar. “O mundo caminha para gerenciar os certificados e os resultados dos testes de maneira digital”, diz Oliveira, da Iata.
O Brasil discute ainda a criação do Certificado de Imunização e Segurança Sanitária, documento que permite a pessoas que tiveram resultado negativo no teste de detecção da Covid ou que estão vacinadas circular em espaços públicos e privados. Projeto sobre o tema foi aprovado no Senado e agora aguarda avaliação da Câmara dos Deputados. Mas atenção: teria impacto apenas no turismo doméstico.
Na Europa, há um certificado digital de vacinação. Qual a função dele?
A União Europeia padronizou um certificado digital que centraliza informações de cidadãos e residentes dos 27 Estados-membros do bloco e da zona Schengen, que inclui Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Ele passou a valer em 1º de julho.
Com o certificado, os residentes começaram a transitar com mais facilidade pelas fronteiras internas. Os países-membros devem permitir a entrada daqueles que, com o documento, comprovarem que tiveram resultado negativo para o coronavírus ou, então, estão completamente vacinados com imunizantes aprovados pela agência regulatória europeia (EMA) —neste momento, as vacinas desenvolvidas por Moderna, AstraZeneca, Pfizer e Janssen. Como é de praxe dos acordos firmados no bloco, cada país tem soberania para impor ou retirar quaisquer restrições de acordo com sua situação doméstica. Até o momento, Suíça e Croácia anunciaram que aceitarão os imunizados com a Coronavac, desenvolvida pela chinesa Sinovac e fabricada também no Brasil.
Estrangeiros não têm acesso a esse documento. Mas atualmente a União Europeia permite a livre entrada de turistas de 26 países, como EUA, Austrália e Japão. O Brasil não está na lista.
Existem planos de ter esse certificado em nível mundial?
Ainda não há sinalização sobre um certificado internacional de vacinação contra a Covid validado por organismos como a OMS (Organização Mundial da Saúde). Mas a simplificação e a integração dos comprovantes estão no horizonte. Por ora, esse tipo de iniciativa tem partido de entidades privadas.
A Iata, por exemplo, atua ao lado da Organização de Aviação Civil Internacional e da OMS para padronizar os certificados de vacinação e de testes e promover o reconhecimento mútuo entre países. A associação desenvolve o Iata Travel Pass, um aplicativo em fase de testes que, entre outras informações, deve reunir o certificado de vacinação, o resultado de testes para o coronavírus e se a pessoa já teve ou não a doença.
Qual o papel da OMS nesse assunto? Como a organização tem se manifestado?
A OMS tem o papel de fornecer orientações e endossos, e os países podem ou não acatar. Em relação à abertura de fronteiras, a decisão depende muito mais da situação sanitária e de relações bilaterais entre as nações, ou entre os países que formam blocos (como União Europeia e Mercosul).
A organização tem sido pressionada, mas pouco se manifestou sobre os certificados ou os chamados passaportes de vacinação. No início de fevereiro, divulgou uma posição provisória sobre o assunto, na qual disse ser contrária à introdução de requisitos de vacinação para viagens internacionais. A posição era fundamentada em dois argumentos científicos e éticos: 1) é preciso mais tempo para entender a eficácia das vacinas para reduzir a transmissão de novas variantes; 2) esse tipo de iniciativa poderia aprofundar a desigualdade na distribuição de vacinas pelos países.
Na última quinta (1º), o consórcio global Covax Facility, liderado pela OMS, pediu que “todas as autoridades nacionais e locais, no momento de abrir suas fronteiras, reconheçam como completamente imunizadas todas as pessoas que tenham recebido uma vacina aprovada pela OMS”. A declaração foi dada no mesmo dia em que a organização aprovou a vacina Coronavac.
Qual o impacto da política doméstica para acelerar ou retardar um maior volume de viagens internacionais dos brasileiros?
Assim como a economia nacional dita, em partes, o fluxo de turismo do país —a valorização da moeda, por exemplo, pode facilitar a demanda por viagens—, as decisões sanitárias de um país também são importantes, ainda mais no contexto pandêmico. O andamento da imunização e as políticas de controle da doença, além de passarem mensagens positivas para outras nações, controlam o avanço do vírus e tornam os habitantes mais propensos a serem aceitos como turistas.
O caso brasileiro tem entraves. O avanço do vírus, com altas cifras, e as recentes investigações sobre a omissão do governo federal no combate à pandemia prejudicam o país. “Necessitamos urgentemente de uma revisão das políticas e de mensagens mais claras para a comunidade internacional”, diz Mariana Aldrigui, da USP. “Isso aceleraria o retorno ao normal.”
O perfil das viagens deve mudar no pós-pandemia?
Para os três especialistas ouvidos pela reportagem, isso é pouco provável. Bruna Milet, da Decolar, diz que as viagens terão caráter de celebração, já que há grande demanda represada por parte dos brasileiros. É possível projetar, diz ela, viagens mais prolongadas e com gasto per capita maior, mas é difícil estabelecer por quanto tempo isso se manterá.
Aldrigui, da USP, diz que 2022 deve apresentar uma explosão do consumo (o que engloba o turismo) e que, apesar de nas viagens domésticas os turistas terem buscado maior bem-estar e controle dos protocolos sanitários, é possível que o alto preço dessas demandas em viagens internacionais seja determinante. “Quando o exclusivo fica caro, a gente retrocede para o que é coletivo.”