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Entenda os fatores que pesam no preço final dos combustíveis no Brasil
18/03/2022 / 08:46
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O reajuste na gasolina e no diesel anunciado na semana passada pela Petrobras jogou palha na fogueira e aumentou a pressão política sobre a estatal. O presidente Jair Bolsonaro intensificou as críticas ao presidente da petroleira, Joaquim Silva e Luna, seguido de parlamentares da oposição e situação – que cobram uma redução imediata dos preços.

Os combustíveis passaram a ser assunto diário da agenda política, num debate muitas vezes poluído. Na tentativa de elucidar alguma das questões, o Valor propõe a seguir, com base em dados e análises, trazer luz ao debate com esclarecimentos sobre o funcionamento do mercado brasileiro.

O Brasil tem uma das gasolinas mais caras do mundo?

Não. A inflação dos combustíveis é uma realidade global, diante da valorização recente do petróleo, e o Brasil está no meio da tabela no ranking dos países com preços dos derivados mais altos. Levantamento do “GlobalPetrolPrices”, site de pesquisa de mercado, mostra que o país tem, hoje, o 85º diesel mais caro do mundo e a gasolina 82ª mais alta, entre 170 países.

De acordo com o “GlobalPetrolPrices”, o litro do diesel no Brasil, em dólar, custa US$ 1,135, patamar cerca de 9% abaixo da média mundial. Já o litro da gasolina é negociado, no mercado doméstico, a US$ 1,305, praticamente em linha com a média dos demais países.

O levantamento leva em conta a média de preços em cada país, convertida para dólar. Os números mais atualizados são de 14 de março e não refletem integralmente o reajuste nas refinarias anunciado pela Petrobras na semana passada, de 24,9% para o diesel e 18,7% para a gasolina. Os dados não incluem, contudo, a paridade de poder de compra, ou seja, não refletem o custo de vida nos países.

O ICMS é o vilão do aumento dos preços?

Historicamente, o ICMS sempre ajudou a intensificar a inflação dos derivados para o consumidor final, mas não é o principal responsável pelo fato de preço médio do litro da gasolina ter ultrapassado os R$ 7. “O ICMS é um componente do aumento dos preços, mas os grandes vilões são o câmbio e o preço do barril.

O ICMS, no Brasil, tem um caráter pró-cíclico, uma vez que os Estados cobram o imposto com base num percentual sobre a tabela de preços dos derivados nas bombas – atualizada, por sua vez, a cada 15 dias. Com isso, toda vez que o preço sobe nos postos, devido à alta do petróleo, sobe também o tributo cobrado.

Esse mecanismo foi recentemente alterado pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 11, de 2020, aprovado no Senado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. O texto prevê a unificação das alíquotas estaduais – hoje, cada ente da federação possui uma alíquota própria, o que cria algumas distorções no mercado. O ICMS único valerá para o diesel, biodiesel, gasolina, etanol anidro e o gás liquefeito de petróleo (GLP).

Além disso, os governadores poderão optar por uma alíquota “ad rem”, quando a cobrança do ICMS é feita a partir de um valor fixo por litro, retirando, portanto, o caráter pró-cíclico do tributo. As novas alíquotas ainda serão definidas por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

O principal componente dos preços dos combustíveis, no país, no entanto, é o preço cobrado pela Petrobras e outros produtores nas refinarias. A estatal, desde 2016, adota uma política de preços que associa os preços internos ao comportamento da commodity no mercado internacional.

Segundo dados da própria Petrobras, o preço cobrado pela companhia nas refinarias equivale a cerca de 55% do preço final do diesel, enquanto o ICMS responde por 13%. No caso da gasolina, o peso do preço na refinaria é de 35%, contra 26% do ICMS.

A Petrobras pode subsidiar preços dos combustíveis?

Sim, contanto que seja ressarcida pela União por isso. Uma eventual orientação do governo para a petroleira congelasse os preços feriria o estatuto social da própria companhia.

Nos últimos anos, a Lei das Estatais, de 2016, e a própria governança da Petrobras criaram mecanismos de proteção contra os excessos que no passado comprometerem a saúde financeira da empresa. Entre 2011 e 2014, no governo de Dilma Rousseff, a petroleira controlou preços para conter a inflação e, em todo o período, operou com fluxo de caixa livre negativo.

O estatuto da petroleira passou, então, a estabelecer que, nos casos em que a União oriente a companhia a assumir eventuais projetos e preços de combustíveis “em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado”, a estatal seja ressarcida pelo Tesouro por isso. Já a Lei das Estatais diz que, nesses casos, as obrigações assumidas pela empresa estejam claramente definidas em lei ou regulamento e que haja transparência nos custos envolvidos. Ou seja, um pedido do presidente da República para que a empresa subsidie os preços não encontra respaldo na lei, a não ser que seja oficializado por lei.

Afinal, o Brasil é autossuficiente em petróleo?

O Brasil hoje produz mais petróleo do que consome e vem se tornando um exportador relevante da commodity, mas nem por isso deixa de ser dependente das importações. Em 2021, foram importados 163 mil barris/dia de petróleo, o equivalente a 9% de todo o volume processado nas refinarias brasileiras, mesmo tendo o país vendido 1,3 milhão de barris diários no mercado externo.

O consultor Adriano Pires destaca que é preciso distinguir a posição de exportador da posição de autossuficiente em petróleo. A previsão da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) é que, em 2031, o Brasil estará exportando cerca de dois terços de sua produção e ainda assim continuará importando óleo.

Ele explica que isso acontece porque nem todo o petróleo produzido no país atende às especificidades da demanda das refinarias nacionais. O petróleo não é uma commodity totalmente uniforme. Existem correntes diferentes de óleo com características diferentes no mercado global: um petróleo pode ser mais pesado ou mais leve, mais ou menos viscoso, ter maior ou menor grau de enxofre, por exemplo.

As refinarias brasileiras são, em sua maioria, unidades antigas e projetadas para operar com óleo importado, em décadas passadas, num momento em que o país ainda não tinha desenvolvido os grandes campos da Bacia de Campos, na década de 1980, e do pré-sal, na década de 2000. Com o tempo, as refinarias foram sendo adaptadas para processar o óleo nacional, mas até hoje algumas delas guardam particularidades. A Reduc, de Duque de Caxias (RJ), por exemplo, importa petróleos parafínicos da Arábia Saudita e do Iraque, leves, para a produção de óleos básicos lubrificantes.

O Brasil produz toda a gasolina e diesel que consome?

Definitivamente, não. O Brasil é dependente das importações, sobretudo de diesel. Em 2021, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o país comprou do exterior cerca de 40 mil barris/dia de gasolina e 250 mil barris/dia de diesel. O órgão regulador calcula que o índice de dependência externa é de 26% no diesel em 2021. Na gasolina é mais baixo: 2%.

Para os próximos anos, de acordo com projeções da EPE, a situação de dependência não deve mudar para o caso do diesel ao longo de toda a década – embora a estatal de pesquisa não considere em suas contas, vale citar, o efeito da construção do segundo trem da Rnest, previsto para entrar em operação em 2027.

No caso do gás liquefeito de petróleo (GLP), o “gás de cozinha”, a expectativa é que o Brasil se torne um exportador do produto a partir do fim da década, diante da entrada em operação das novas unidades de processamento de gás natural. A EPE também estima que o país poderá se tornar um exportador líquido de gasolina, mas nem tanto devido ao aumento da oferta interna, mas por causa da expectativa de maior penetração do etanol hidratado no mercado nacional.

Por que, mesmo importando, a Petrobras opera as refinarias abaixo da capacidade?

A Petrobras vem operando seu parque de refino com taxas de ociosidade crescentes. Se na primeira metade da década de 2010 a companhia operava suas refinarias muitas vezes próximas de suas respectivas capacidades plenas, em meio ao aquecimento do mercado, nos últimos anos a estatal vem reduzindo o fator de uso de suas unidades para a casa dos 70%. Em 2021, houve uma melhora no quadro: 83%, contra 80% em 2020. A questão é que aumentar o fator de utilização do parque de refino para 100% pode não ser economicamente vantajoso.

O ponto de inflexão na gestão do parque de refino se deu na administração do então presidente Pedro Parente, dentro de uma estratégia de negócio que passou a priorizar mais a rentabilidade das operações do que os volumes de produção. Desde então, a Petrobras passou a buscar um “ponto ótimo” de operação que poucas vezes tem ultrapassado a marca dos 80% da capacidade.

A petroleira alega que, a partir desse “ponto ótimo”, o refino começa a gerar derivados de menor valor agregado e baixa rentabilidade em mercados muitas vezes distantes das refinarias – o que aumenta o custo de transporte dos produtos e, consequentemente, suas rentabilidades.

Operar a plena capacidade significa, por exemplo, produzir derivados de frações mais pesadas, como asfalto e óleo combustível – sem se traduzir, necessariamente, num crescimento substancial do diesel.

A Petrobras monopoliza o mercado de combustíveis do Brasil?

Não. O monopólio já foi uma realidade no passado, mas não mais. “A Petrobras tem uma posição dominante, mas isso não significa deter o monopólio”, afirma Pires.

Segundo os dados mais atualizados da ANP, a estatal brasileira respondeu em janeiro por 78,3% do abastecimento de diesel ao mercado nacional e por 79,9% das vendas de gasolina. O restante vem das refinarias e importadores privados.

Em 2021, houve um importante passo nessa diversificação, a partir da entrada do Mubadala no setor de refino. O fundo soberano de Abu Dhabi comprou a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), da Petrobras, na Bahia, por US$ 1,8 bilhão e assumiu cerca de 14% da capacidade de refino nacional.

Na época em que a Petrobras praticava preços subsidiados, no governo PT, a estatal era responsável por abastecer praticamente 100% do mercado. “Justamente por causa do controle de preços, a iniciativa privada não importava. Mas isso mudou nos últimos anos”, disse Pires.

Em artigo intitulado “O peso morto do monopólio da Petrobras”, publicado no O Globo nesta quinta-feira (17), Edvaldo Santana, professor titular aposentado do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirma, no entanto, que o aumento dos custos dos combustíveis no país não é apenas reflexo do alinhamento ao mercado.

Ele questiona se, ao invés de discutirem medidas “ineficazes e eleitoreiras”, o governo e Congresso não deveriam se concentrar em aumentar a concorrência no setor. Santana diz que, onde o mercado é pulverizado, a competição amortece os aumentos de preços. E defende a separação da petroleira em várias companhias menores, seguindo o exemplo histórico da quebra de monopólio da Standard Oil, nos EUA.

A Petrobras tem o poder de controlar preços dos combustíveis no Brasil?

O preço que a Petrobras cobra nas refinarias é o item de maior peso na composição final do preço dos derivados no país. É natural, portanto, que as variações da estatal ditem as tendências: um aumento expressivo nas refinarias tende a pressionar os preços nas bombas. O mesmo racional vale para os momentos de queda dos preços.

Até chegar ao consumidor, contudo, os preços ainda são influenciados por outros fatores, como os impostos, margens das distribuidoras e postos, e o custo de adição do biodiesel e etanol no diesel e gasolina, respectivamente. Esses componentes podem contribuir para retardar ou acelerar o ritmo do repasse do aumento ou da queda nas refinarias para o consumidor final.

Em alguns momentos, no passado, reduções feitas pela Petrobras nas refinarias chegaram ao bolso do consumidor final numa intensidade menor. É comum que pequenas variações nas refinarias sejam absorvidas nas margens dos demais agentes do elo da cadeia. Os preços no mercado brasileiro, vale lembrar, são livres.

Em 2020, ano marcado pela queda dos preços internacionais, por exemplo, a Petrobras reduziu em 13% o diesel, no acumulado do ano. Nas bombas, por sua vez, a queda foi de 3,4%.

É por isso que o professor do Instituto de Energia da PUC-Rio Edmar Almeida questiona a eficácia do congelamento de preços da Petrobras ou de se adotar programas de subsídios focados no produtor e importador (como ocorrido em 2018, no governo Michel Temer). Como os preços são livres nos demais elos da cadeia, existe o risco de as subvenções se diluírem e não atingirem o fim proposto. Almeida defende que o melhor caminho para atenuar movimentos de alta de preços é a partir de desonerações e, eventualmente, programas de subsídios voltados diretamente para o consumidor.

Construir novas unidades vai baratear preços? E privatizar o refino?

Atingir a autossuficiência nos derivados pode ser um dos caminhos desejados para reduzir estruturalmente os preços no país – embora, não haja garantias de preços baratos. A lógica é que, a partir do momento em que o Brasil deixe de depender das importações, o mercado local abandonará o preço de paridade de importação (PPI) como referência e passará a trabalhar com a paridade de exportação (PPE).

Resumindo, o PPI que a Petrobras segue como referência em sua política de preços reflete os custos totais para internalizar um produto. É uma referência calculada com base no preço de aquisição do combustível (no caso do Brasil, geralmente o preço negociado em Houston, nos EUA), acrescido dos custos logísticos até o polo de entrega do derivado – o que inclui fatores como o frete marítimo, taxas portuárias e o transporte rodoviário – mais margens para remunerar riscos inerentes à operação.

Por ter uma estrutura integrada, a Petrobras se alinha ao PPI para garantir a sua sustentabilidade financeira. Há que se pensar na complementaridade dos negócios de produção e refino de petróleo. Se a companhia deixa de praticar o PPI nos seus preços de venda de combustíveis, dentro de uma lógica econômica, em tese passa a ser mais vantajoso para a empresa deixar de destinar o óleo bruto para suas refinarias e vender o seu petróleo bruto para o exterior. Isso cria sinais econômicos distorcidos para o mercado.

No momento em que o Brasil se torne um mercado exportador, dentro de um ambiente de mercado mais aberto, a referência tende a ser o preço de paridade de exportação – mais baixo que o PPI, por desconsiderar os custos logísticos para internalização do produto.

É importante ter em mente que, dentro dessa lógica, porém, não significa que os preços estariam alheios ao comportamento do mercado internacional, mas sim que a precificação interna deixaria de ter como referência os custos adicionais inerentes à internalização do produto.

O aumento da concorrência, por meio da privatização das refinarias, também poderia se refletir em preços mais competitivos. Isso não quer dizer, necessariamente, contudo, preços baratos – e sim mais competitivos. Num mercado mais aberto, a tendência é que os preços internacionais sejam a referência: em momentos de baixa do petróleo, preços mais baixos internamente e, em momentos de valorização, a tendência é de alta.

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