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Entre homens, afetos e preconceitos: por que precisamos de amigos que desafiem nossas certezas
24/08/2025 / 15:10 / Matheus Melo
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Do silêncio ao afeto: o que amizades fora da bolha ensinam sobre ser homem. Na foto, o Psicólogo Clínico Jhonatan Felipe, Especialista em Psicanálise e Psicologia Fenomenológica, Mestrando em Direitos Humanos pela UFPB – Imagem: arquivo pessoal

Em um episódio recente do podcast IMO, apresentado por Michelle Obama e seu irmão Craig Robinson, o ex-presidente Barack Obama disse algo que ficou latejando no meu ouvido por dias. Segundo ele, homens héteros deveriam ser mais amigáveis com homens gays (bis, trans, etc.) para desenvolver empatia, gentileza e uma visão mais ampla do mundo. A declaração reverbera porque toca em um ponto sensível da masculinidade contemporânea: afinal, como homens aprendem a lidar com sentimentos, afetos e diversidade desde cedo?

A fala de Obama não é apenas uma opinião pessoal. É fruto de uma trajetória marcada pelo contato com pessoas que desafiaram os estereótipos de sua época, como Lawrence Goldyn, seu professor abertamente gay no Occidental College nos anos 1970. “Você precisa dessas pessoas no seu grupo de amigos para demonstrar empatia e gentileza”, disse o ex-presidente. “Assim, se um garoto gay ou não binário tiver alguém por perto, ele vai perceber que não está sozinho nisso.”

Mas por que, de fato, ter amigos que rompem nossas bolhas sociais e identitárias é tão transformador? Para responder a essa pergunta, vale olhar para o que a psicologia e a vivência clínica nos revelam — e aqui a experiência do psicólogo e arteterapeuta Jhonatan Felipe, mestrando em Direitos Humanos pela UFPB, especialista em Psicanálise e Psicologia Fenomenológica, se mostra fundamental.

O que os traumas fazem de nós

Jhonatan trabalha com pessoas que enfrentam traumas, vivências abusivas, depressão e ansiedade. Ele explica que experiências de violência, rejeição ou desaprovação durante a infância ou adolescência podem deixar marcas profundas. “Quando, em vez de acolhimento, recebemos desaprovação ou violência, nosso ‘eu’ se torna vulnerável”, afirma. “Muitos homens crescem com uma lacuna de carinho e afeto, o que dificulta vivenciar empatia e cuidado na vida adulta.”

Essas feridas emocionais não apenas moldam a percepção sobre si mesmo, mas também afetam relacionamentos: alguns homens desenvolvem dificuldade em acolher o outro; outros buscam agradar constantemente para compensar a falta de validação que tiveram

Para Jhonatan, o contato com pessoas LGBTQIAP+ é uma oportunidade de reaprender a olhar o mundo com mais abertura e humanidade, justamente porque desafia preconceitos internalizados e expõe o indivíduo a experiências emocionais fora da sua zona de conforto.

Estereótipos de masculinidade, barreiras para o afeto

A fala de Obama sobre amizade e diversidade dialoga diretamente com a construção de masculinidades no mundo ocidental. Muitos meninos crescem ouvindo que ser homem é ser forte, competitivo e não demonstrar sentimentos — ideias reforçadas por gerações. 

A espontaneidade é essencial para um ser humano saudável. Se não foi possível ser livre, chorar ou pedir ajuda na infância, isso repercute na vida adulta”, observa Jhonatan.

Ele lembra que a rigidez desses estereótipos contribui para inseguranças, autocobrança e dificuldades na comunicação emocional. “Essa ideia de homem forte, que não chora, reforça violências do patriarcado. A convivência com diversidade é uma forma de quebrar esse ciclo e ensinar a meninos e homens que vulnerabilidade não é fraqueza, mas força.”

A convivência com a diversidade como escola de empatia

Jhonatan explica que o preconceito é aprendido socialmente, assim como a empatia pode ser cultivada. “Estar aberto à diversidade e reconhecer que a sexualidade é múltipla permite às pessoas desenvolverem mais empatia e reduzir conflitos internos. Cada pessoa tem sua forma de expressão e desejo, e conviver com isso amplia nossa visão de mundo”, ressalta.

Essa ideia vai muito além do politicamente correto: trata-se de formação emocional e social, de aprender a se colocar no lugar do outro, de reconhecer experiências distintas das nossas e de valorizar conexões humanas genuínas.

Arte e terapia: ferramentas para homens se conectarem consigo mesmos

Na clínica, Jhonatan combina psicanálise, arteterapia e psicologia fenomenológica para criar espaços onde homens podem se expressar de formas não convencionais. Filmes, músicas, mandalas e pinturas são recursos para desbloquear emoções reprimidas e lidar com traumas do passado.

Quando um homem não aprendeu a lidar com suas emoções, a arte oferece meios indiretos de expressão. Pintar, desenhar ou discutir uma obra de arte permite acessar sentimentos difíceis de colocar em palavras”, afirma. Esse processo, aponta ele, é transformador: além de aumentar a inteligência emocional, ajuda a desconstruir padrões de masculinidade tóxica e estimula uma postura mais empática e consciente nas relações.

Construindo uma masculinidade saudável

Ao falar sobre a formação de homens mais plenos, Jhonatan enfatiza a importância do afeto, do cuidado e da validação.

“Visões rígidas como ‘menino veste azul e menina veste rosa’ são prejudiciais. Cada pessoa precisa ter autonomia para entender o que sente e respeitar isso sem se sentir ameaçada. Figuras de cuidado, limites claros e educação respeitosa são essenciais para construir autoestima e masculinidade saudável.”

Em outras palavras, a amizade com pessoas que rompem padrões de gênero e sexualidade, como sugere Obama, não é apenas um gesto social, mas um catalisador psicológico: permite que homens aprendam empatia, reconheçam vulnerabilidades próprias e transformem suas relações afetivas.

A mensagem do presidente encontra eco na psicologia contemporânea e na prática clínica de Jhonatan Felipe: conviver com a diversidade não diminui a masculinidade, mas a expande

É na troca com experiências diferentes da nossa que surgem oportunidades de autoconhecimento, compreensão do outro e construção de relações mais saudáveis.

Nesse aprendizado, ter amigos que desafiam nossas certezas e nos mostram outras formas de existir é, talvez, o passo mais importante para desenvolver empatia, gentileza e humanidade.

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