BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Economia teve reuniões entre junho e agosto de 2020 com executivos de Pfizer e AstraZeneca para conversar sobre as vacinas contra a Covid-19 e disse às empresas que a compra não era uma responsabilidade da pasta -e sim do Ministério da Saúde.
As informações estão em documentos da Economia enviados à CPI da Covid que dão mais detalhes sobre como membros do governo agiram no processo de compra das vacinas -consideradas cruciais pela própria equipe econômica para a recuperação da atividade do país.
A primeira reunião do Ministério da Economia com as empresas foi feita em 16 de junho com Fraser Hall, então presidente da AstraZeneca para o Brasil. A fabricante apresentou um plano voltado ao país envolvendo testes clínicos e negociação de vacinas.
A equipe econômica -liderada no encontro por Carlos Alexandre da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade -, respondeu que a pasta não era a responsável pelas compras. “O Ministério reforçou [à AstraZeneca] que a competência para aquisição de vacinas era do Ministério da Saúde”, afirmou a Economia à CPI.
Em 7 de agosto, menos de dois meses após o encontro com a AstraZeneca, a Economia teve outra reunião -nesse caso, com a Pfizer. A fabricante foi representada por Carlos Murillo, gerente-geral da empresa no Brasil, e outros funcionários.
Foi a Pfizer, que já estava assinando contratos em outros países, quem procurou o ministério -que, novamente, não entrou em tratativas. “A empresa foi informada na reunião que não cabe ao Ministério da Economia decidir sobre a compra de determinada vacina, pois se trata de uma decisão de saúde pública”, afirma a Economia no documento enviado.
O Ministério da Economia tem defendido até hoje que a negociação pela compra de vacinas não era uma função do ministro Paulo Guedes (Economia) ou da equipe. Segundo essa visão, os integrantes já tinham diferentes funções ligadas a cinco antigos ministérios (agrupados no guarda-chuva da Economia) -inclusive relacionadas à pandemia e seus efeitos.
Mesmo assim, membros do governo afirmam nos bastidores que há um registro de agradecimento da Pfizer a Guedes (e, possivelmente, a outros integrantes do Executivo) pelo avanço na negociação das vacinas -o que poderia ajudar a rebater eventuais questionamentos sobre a conduta da pasta no processo.
“Não cabe ao Ministério da Economia decidir sobre a compra de vacinas, matéria afeta ao Ministério da Saúde”, voltou a dizer Costa em texto enviado à CPI na semana passada. Segundo ele, a pasta poderia atuar no auxílio ao governo -por exemplo, analisando discussões legais.
A Economia reforçava essa visão também dentro do governo, dizendo que seu papel se restringia a aconselhamento legal. A pasta sugeriu aquisições pelo instrumento das encomendas tecnológicas (baseado na lei 10.973, de 2004), que permite a compra pública para solucionar um problema por meio do desenvolvimento tecnológico ou para situações em que exista risco tecnológico.
A pedido da Casa Civil, a Economia chegou a produzir uma nota técnica em junho (pouco depois da primeira reunião, com a AstraZeneca) com uma análise sobre a lei das encomendas tecnológicas. No documento, membros do pasta reiteram não serem responsáveis pelas vacinas e chegam a afirmar que a compra envolvia incertezas.
“Até o momento, nao foi descoberta a vacina para o coronavirus. Isso faz com que a encomenda de uma vacina seja altamente incerta, tanto em termos de prazos quanto de especificacoes da solucao. Pois simplesmente nao se sabe, com um nivel minimo de certeza, se e possivel desenvolve-la e muito menos os exatos custos para tanto”, afirma o texto de 19 de junho enviado pela Economia à Casa Civil.
No mês seguinte, em julho, a Pfizer assinou contratos com Estados Unidos, Reino Unido e Japão. Em agosto, com o Canadá; em setembro, concluiu as negociações para assinar com a União Europeia.
Os países encomendaram, só com essas negociações, mais de 450 milhões de doses com cláusulas que permitiram compras adicionais de pelo menos 600 milhões nos meses seguintes. As informações estão nos balanços financeiros da Pfizer.
Enquanto isso, a empresa seguia sem resposta no Brasil. Em 12 de setembro, o presidente global da Pfizer, Albert Bourla, enviou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro -com cópia para ministros como Guedes -dizendo que a empresa havia contatado representantes da Economia e da Saúde e que uma proposta sobre vacinas para a Saúde ainda não havia sido respondida.
“Minha equipe no Brasil se reuniu com representantes de seus Ministérios da Saúde e da Economia, bem como a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Apresentamos uma proposta ao Ministério da Saúde do Brasil para fornecer nossa potencial vacina que poderia proteger milhões de brasileiros, mas até o momento não recebemos uma resposta”, afirmou o executivo da Pfizer na carta de setembro.
A carta da Pfizer levou mais de dois meses para ser respondida, segundo Fábio Wajngarten (ex-secretário de Comunicação do governo). Foi ele quem, após ser alertado por um empresário da comunicação, enviou um e-mail à empresa em 9 de novembro pedindo informações e recebeu no mesmo dia a ligação da empresa.
Wajngarten entrou no gabinete de Bolsonaro e colocou na linha o representante da Pfizer, o presidente da República e Guedes (que despachava com o mandatário naquele momento). “O ministro Paulo Guedes fala, abre aspas: ‘É esse o caminho. É esse o caminho. O caminho são as vacinas’, fecha aspas”, relatou Wajngarten à CPI.
Murillo (da Pfizer) confirmou a ligação e disse que o ministro indicou necessidade de mais doses. “Ele [Guedes] indicou que o Brasil precisava de mais quantidade. Eu respondi que nós vamos continuar procurando fornecer o maior quantitativo possível”, afirmou Murillo à CPI.
O Ministério da Saúde brasileiro só firmou acordo com o laboratório quatro meses depois, em março de 2021, quando adquiriu 100 milhões de doses -das quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e o restante até setembro deste ano.