No ano de 2002 publiquei meu primeiro livro – Marketing Político: o poder da estratégia nas campanhas eleitorais. Duas décadas se passaram e, como dizemos lá em Minas Gerais, muita água passou debaixo da ponte.
Mas a pergunta que eu me fazia naquela época ainda permanece: qual a essência do marketing político? Parece que a resposta de vinte e um anos atrás ainda se mantem viva:
“A estratégia é o núcleo da prática do marketing político. Se a competição é uma das marcas da democracia representativa, o comportamento estratégico parece ser o mais adaptado ao objetivo principal colocado pelas campanhas eleitorais, qual seja, a conquista do poder, através da vitória nas urnas.”
Dizia, então, que a estratégia é o direcionamento coerente do marketing político aplicado em uma campanha, o plano geral de ação que coordena e traz coerência para as ações táticas (Clausewitz). A estratégia seria o eixo ordenador, a percepção clara dos objetivos a atingir, uma visão de onde se quer chegar e as principais formas de percorrer o caminho. A estratégia define, também, o adversário prioritário a se combater.
Nestes mais de vinte anos algumas inovações de base tecnológica introduziram mudanças profundas no comportamento dos cidadãos-eleitores. Não há como se pensar o mundo de hoje sem a internet, os smartphones, as redes sociais, etc. Surgiu o que alguns estudiosos chamam da “economia da visibilidade”.
Contudo, é o desenvolvimento da neurociência (e do neuromarketing) uma das mais importantes mudanças que ocorreram de lá para cá.
Resumidamente, a neurociência ensina que 90% das decisões são de base inconsciente e que as emoções (muito mais que a razão) têm um papel essencial nas decisões (inclusive de voto).
Escreve Drew Westen em O Cérebro Político: “contrariamente ao modelo de decisão racional, as decisões que tomamos e as analogias que usamos são impostas não apenas pelos dados disponíveis, mas pela forma como tais decisões e analogias nos fazem sentir. Em política, como na vida cotidiana, dois tipos de determinantes moldam nossas decisões: determinantes cognitivos, impostas pelas informações de que dispomos, e determinantes emocionais, impostas por sentimentos associados a uma ou outra conclusão. Na maioria das vezes, esta batalha em nossas mentes ocorre fora da consciência, deixando-nos como espectadores cegos dos nossos próprios psicodramas, prisioneiros das imagens em nossos cérebros.” Escreve Westen: “talvez em nenhuma circunstância a emoção introduza a distorção cognitiva mais óbvia – e potencialmente mais perigosa – do que nos assuntos políticos.”
Com a neurociência ficou evidente a importância dos “vieses cognitivos” (Amos Tversky e Daniel Kahneman). Um viés cognitivo é um erro sistemático de pensamento que ocorre quando as pessoas estão processando e interpretando informações no mundo ao seu redor e, assim, afetam as decisões e julgamentos que tomam. Os vieses cognitivos geralmente são resultado da tentativa do cérebro de simplificar o processamento de informações.
Esses vieses geralmente funcionam como regras práticas que ajudam a entender o mundo e a tomar decisões, são os “atalhos cognitivos”. Eles são utilizados com frequência, especialmente, em assuntos que mobilizam pouco interesse, como é o caso da política. Escreve Lindstrom em A Lógica do Consumo: verdade e mentiras sobre o que compramos: “(…) confiamos em atalhos quase instantâneos que nosso cérebro criou para nos ajudar a tomar decisões. Esses atalhos cerebrais têm nome: marcadores somáticos (Antonio Damasio), uma espécie de lembrete, ou atalho, em nosso cérebro. Unidos por experiências anteriores de recompensa e punição, esses marcadores servem para conectar uma experiência e uma emoção a uma reação específica.”
O neuromarketing vem confirmar que o marketing é uma disputa de imagens e percepções pré-existentes que acontece dentro da mente e que as decisões estão baseadas nas emoções e nos atalhos cognitivos. Estas conclusões confirmam, portanto, que o posicionamento, o núcleo da estratégia no marketing político, continua absolutamente essencial.
Em 2002 escrevi: “O marketing político lida com diferenciação, com o estabelecimento de uma posição estratégica exclusiva para o candidato, um lugar privilegiado na mente do eleitor, que potencialize a identificação e, consequentemente, a escolha e o voto. (…) “Se eleição é uma competição, um jogo em que todos buscam conquistar o poder, o posicionamento passa a ser fundamental, a ferramenta mais importante.”
Parece-me que hoje em dia, com a força que as redes sociais ganharam, prevalece em algumas operações de marketing político um certo “taticismo”, ou seja, um predomínio da tática sobre a estratégia. Falta um plano geral de ação que coordene e traga coerência para as ações táticas. Este erro pode custar muito caro a alguns políticos-candidatos que muitas vezes se deslumbram com a busca frenética por visibilidade que a sociedade atual induz. Já está mais que provado que números de seguidores não se traduz necessariamente em votos e que curtidas, likes e compartilhamentos não são a única medida para se avaliar performance na política. São importantes, mas precisam estar organicamente ligados a uma visão de médio e longo prazo de como o líder pretende se posicionar.
Realmente muita água passou por debaixo da ponte, mas a essência me parece intacta: “uma campanha eleitoral sem direcionamento, sem um eixo de referência, sem metas e objetivos, é transformada em uma nau sem rumo, com ações feitas na base do improviso. A campanha vira um exercício de experimentalismo, de acerto e erro, um jogo de azar, totalmente imprevisível, em que a sorte é quem determina a vitória ou a derrota.”