LÍVIA MARRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Repleta de história e belas paisagens, Istambul também é cidade de animais abandonados. Seus gatos já foram representados em estátua e filme. Mas, agora, o dia a dia -um tanto duro e solitário- é retratado pelos olhos de cachorros de rua.
O documentário “Vida de Cão” chegou ao streaming brasileiro neste mês e acompanha a jornada de três carismáticos vira-latas em busca de abrigo e alimentos. Zeytin, Nazar e Kartal mostram sua rotina ao atravessar uma via, brincar, descansar na porta de um comércio, revirar o lixo ou ao observar uma gaivota. Câmeras posicionadas na altura dos animais fazem o espectador imergir em aventuras solitárias e em interações com pessoas e outros bichos.
Mas, diferentemente de muitos filmes com pets, esses cães não falam como humanos -ao contrário, são muitas as cenas silenciosas. Também não há situações fofinhas, embora ver um cão correndo sempre faça sorrir. A emoção fica por conta da graciosidade genuína dos cachorros e da realidade enfrentada por eles para sobreviver.
O abandono não é exclusividade da Turquia, mas um problema pelo mundo. A diretora Elizabeth Lo, no entanto, considera a história e o relacionamento do país com os cães algo único. Se agora vira-latas podem vagar sob a promessa de que não serão capturados e sacrificados, em outros tempos foram alvo de perseguição. Em 1910, acabaram recolhidos das ruas de Istambul e levados para morrer em uma ilha no mar de Mármara. De acordo com relatos, o extermínio atingiu cerca de 80 mil cães, que ficaram isolados sem água ou comida, e seus uivos eram levados com o vento até o continente.
Os animais de rua se incorporam à cidade, transitam por todos os cantos e fazem amizade com quem se aproxima. Recebem elogios e carinhos, mas há quem tenha receio, desvie ou tente evitar contato de seu pet com um vira-lata em uma caminhada. Cães abandonados, no entanto, acabam quase que invisíveis e mantêm seu trajeto como ouvintes, entre pessoas que conversam sobre relacionamentos ou política.
A resistência nas ruas depende de alimento, que pode ser motivo de disputa com outros animais ou oferecida em um ato de solidariedade por humanos sensibilizados com a fome.
“Lembro quando eu fui a Istambul e vi a maneira como os cães estavam vivendo, pareceu que eles eram cuidados comunalmente e que podiam ter amizades transitórias com todas as pessoas ao seu redor, fiquei realmente maravilhada com aquilo”, disse a diretora em reportagem publicada pela agência Reuters no começo deste ano.
O elo entre cães e humanos é demonstrado a partir da relação de companheirismo e carinho de um grupo de jovens sírios que migraram para fugir da guerra e cuidam dos animais como podem. Também sem casa ou comida garantida, os garotos sempre dão um jeito de proteger e alimentar os cães, enquanto recorrem a um cigarro ou cheiram cola para enganar o estômago.
Filmado de 2017 a 2019, o longa deve conquistar apaixonados por cães e aqueles que simpatizam com a causa animal. Mas pode soar monótono e incomodar pela dureza da vida real.
Embora não discuta claramente guarda responsável, questões de saúde ou políticas para o controle de animais abandonados, o filme permite que o público reflita sobre essas questões ao mostrar a saga diária de seus personagens. Tudo sob o olhar sereno -que por vezes parece triste- e atento dos vira-latas, com alguns rosnados e latidos.
Com 72 minutos, o documentário é dirigido por Elizabeth Lo -de “Hotel 22”-, produzido em parceria com Shane Boris -produtor de “Democracia em Vertigem”- e distribuído pela Synapse Distribution.
Onde Claro Now, Vivo Play, Sky Play, Google Play e YouTube Filmes
Produção EUA, 2021
Direção Elizabeth Lo