Começou neste sábado (27) a 19ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece virtualmente até 5 de dezembro na cidade histórica fluminense. Nesta edição, a literatura se entrelaça com pluriversalidade da floresta Nhe’éry — como o povo Guarani chama a Mata Atlântica — para discutir e traçar novas perspectivas sobre as relações entre humanos e outros seres e elementos que cohabitam o espaço.
Na abertura do evento, transmitida pelo canal da festa literária no YouTube, representantes guaranis da região conduziram uma cerimônia, com rezas e cantos, para abrir e proteger os caminhos da Nhe’éry (pronuncia-se nheeri) e dar permissão para a entrada da Flip em seu território sagrado. A celebração foi realizada na Praça da Matriz, onde havia uma aldeia indígena antes da fundação da cidade.
Este ano, pela primeira vez, a Flip tem curadoria coletiva (uma “floresta curatorial”, nas palavras da direção), formada pelos antropólogos Hermano Vianna e João Paulo Lima Barreto, pelo escritor Evando Nascimento, pela editora Anna Dantes e pelo crítico literário Pedro Meira Monteiro. Conforme divulgado em agosto, em vez de um único autor homenageado, a festa será dedicada a pensadores indígenas mortos pela Covid-19, como o escritor Higino Tenório, o artista plástico Feliciano Lana, o líder guarani Domingos Venite, e a guardiã das plantas de cura do povo Mura, Maria de Lurdes. O tema central da edição será o mundo vegetal e os saberes da floresta.
— A pandemia trouxe um sentido de urgência. É importante pensarmos que não é mais possível habitar o mundo como vinhamos fazendo. Talvez a literatura possa ter um papel singular nessa transformação — destacou o diretor artístico da Flip, Mauro Munhoz — As florestas são o novo centro do mundo e o Brasil é rico justamente por causa disso. Uma nova época se inicia agora.
Também participaram da mesa de abertura Carlos Papá, cineasta e liderança do povo Guarani Mbya, e a filósofa, educadora e artesã indígena Cristine Takuá.
— Nhe’éry é um território ancestral onde os espíritos se banham. Seres visíveis e invisíveis, que seguem dialogando, mesmo silenciosamente, em meio a essa sociedade da informação e desse mundo tecnológico que insiste em não enxergar o território em que vive. Respeitar a Nhe’éry é respeitar a própria existência — afirmou Cristine — A Flip traz esse ano a possibilidade de outras narrativas ancestrais.
Toda a programação da 19ª Flip será transmitida pelo canal no YouTube, com exibição ainda em telões espalhados por Paraty e região — não apenas no centro histórico. Em cada um desses pontos, haverá moderadores interagindo com o público. Quem assistir à programação on-line, poderá fazer perguntas aos autores convidados por meio do chat.
A segunda mesa do dia, “Literatura e plantas”, contou com a participação do botânico italiano Stefano Mancuso (“A revolução das plantas”) e do escritor e curador do evento Evando Nascimento (“O pensamento vegetal: a literatura e as plantas”) em uma conversa sobre a inteligência e sensibilidade dos vegetais.
— A inteligência é uma característica própria da vida. O fato de nós nos apropriamos disso como se fosse só nossa é uma das exemplificações mais imediatas da estupidez humana — apontou Nascimento, que explicou ainda o que chama de “fitofobia”: “Um horror às plantas. A necessidade humana de destruir as florestas e os campos para plantar monoculturas. É isso que a gente vê no Brasil e em diversos países”.
Ao falar sobre a importância de autores como Clarice Lispector e Fernando Pessoa para seu trabalho, Nascimento destacou ainda a divisão ocidental entre a curiosidade científica e a curiosidade artística:
— Esses escritores juntam tudo, tal qual os povos indígenas, para quem o saber das plantas é o saber que está em seus corpos.
Entre os autores convidados estão grandes estrelas da literatura, como a canadense Margaret Atwood, autora de “O conto da aia”, e Alice Walker, de “A cor púrpura”. Também estão confirmados nomes como a coreana Han Kang, a turca Elif Shafak e brasileiros como Leonardo Fróes, Ailton Krenak, Adriana Calcanhotto, Conceição Evaristo e Ana Martins Marques. Segundo os curadores, as plantas estão presentes, de um modo ou de outro, nas obras de todos os autores convidados.
Confira a programação da 19ª Flip deste domingo, 28/11
16h
MESA 3: Naturalismo e violência
Com Micheliny Verunschk e David Diop
Mediação: Milena Britto
18h
MESA 4: Folhas e verbos
Com Véronique Tadjo e Edimilson Pereira de Almeida
Mediação: Joselia Aguiar
Segunda, 29/11
18h
MESA 5: Plantas e cura
Com João Paulo Lima Barreto e Monica Gagliano
Mediação: Mônica Nogueira
20h
MESA 6: Árvores e escrita
Com Paulina Chiziane e Itamar Vieira Jr.
Mediação: Ligia Ferre
Informações: O GLOBO