A ayahuasca, bebida sagrada de origem indígena amazônica, atravessou séculos como elo entre mundos visíveis e invisíveis. Hoje, diante da expansão global do mercado psicodélico e das tensões entre ciência, espiritualidade e os direitos dos povos originários, novas pontes estão sendo construídas — e uma delas é o Fórum Mundial da Ayahuasca, previsto para 2026 em Girona, na Catalunha (Espanha).
O evento propõe um espaço inédito de diálogo entre saberes ancestrais e científicos, articulado por lideranças e organizações indígenas do Brasil, sob a coordenação do Instituto Yorenka Tasorentsi, em parceria com o ICEERS (Centro Internacional para Educação, Pesquisa e Serviço Etnobotânico), sediado em Barcelona.
A proposta é discutir como preservar as tradições ligadas à ayahuasca e outras plantas sagradas diante do avanço do mercado global dessas substâncias.
O tema chega ao Brasil neste mês, durante o Festival Híbrido 2025, que acontece nos dias 11 e 12 de outubro, no Komplexo Tempo, em São Paulo. No sábado (12), o painel “Das conferências indígenas ao Fórum Mundial da Ayahuasca” vai reunir lideranças indígenas, pesquisadores e comunicadores dentro da programação do Psychedelic Talks, espaço dedicado a debates sobre psicodélicos.
Participam da mesa a liderança Ashaninka Raine Piyãko, vice-presidente do Instituto Yorenka Tasorentsi; o indigenista Jairo Lima, conselheiro do Yorenka e coordenador da conferência indígena e do fórum; Benjamin De Loenen, fundador e diretor executivo do ICEERS (de forma online); e a jornalista Caroline Apple, colunista do Brasil de Fato e colaboradora do Yorenka na comunicação do fórum.
Em entrevista exclusiva à revista Psicodelicamente, De Loenen destacou que o fórum vai além de um simples evento.
“Estamos falando de um processo coletivo que vem sendo tecido há anos, em diálogo com lideranças indígenas. A ideia é criar um espaço global de encontro, onde diferentes mundos possam dialogar em pé de igualdade, sem extrativismo, construindo relações pautadas pela humildade e pela escuta”, afirmou.
A escolha de Girona, na Espanha, como sede da primeira edição, também carrega um simbolismo importante. Segundo De Loenen, a decisão busca ressignificar antigas rotas coloniais e envolver atores estratégicos — como governos, instituições de pesquisa e organizações internacionais — em um momento em que as discussões sobre o uso e a regulamentação de plantas psicodélicas ganham força.
“Foi uma forma de ressignificar antigas rotas coloniais. Levar essa mensagem à Europa é também ampliar o público e envolver atores estratégicos, como governos e organizações internacionais, num momento crítico”, afirma.
Apesar de a Espanha concentrar o maior número de casos legais envolvendo ayahuasca no mundo, o fórum não prevê cerimônias com a bebida. A proposta é construir um espaço de diálogo intercultural, com oficinas, debates, atividades artísticas e apresentações culturais.
O Fórum Mundial da Ayahuasca foi anunciado oficialmente durante a conferência da MAPS (Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos), em Denver, nos Estados Unidos, em junho deste ano. De Loenen observou que, embora o evento tenha grande relevância, ele expôs os desafios de um campo cada vez mais marcado pela mercantilização e fragmentação.
“Vivemos um ponto crucial: é preciso construir processos que evitem a mercantilização das plantas sagradas e fortaleçam relações respeitosas com os povos que preservaram esses saberes por milênios”, destacou o diretor do ICEERS.
O encontro em Girona pretende consolidar um movimento que nasceu nas conferências indígenas da ayahuasca no Acre, transformando-se em uma articulação global de proteção dos saberes tradicionais e dos direitos dos povos originários.
O Fórum Mundial da Ayahuasca será realizado em 2026, em Girona, na Espanha. Já o Festival Híbrido 2025 acontece nos dias 11 e 12 de outubro, em São Paulo, reunindo arte, cultura, debates e experiências em torno da inovação e da consciência.