FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Jair Bolsonaro planeja privatizar ou conceder áreas públicas em praias do país para estimular o investimento de grupos hoteleiros e o recebimento de cruzeiros internacionais.
Internamente, fala-se que é possível construir no litoral brasileiro diferentes Cancúns —destino mexicano famoso pelos resorts.
O projeto prevê o lançamento de uma fase piloto voltada a Angra dos Reis (RJ), Maragogi (AL), Cairu (BA) e região de Florianópolis (SC).
O objetivo é privatizar imóveis à beira-mar para a construção de hotéis e resorts e também conceder à iniciativa privada ativos inalienáveis —como faixas de areia, áreas de ilhas e espelhos-d’água para a construção de infraestruturas como píeres e marinas.
No município baiano de Cairu, está nos planos até mesmo a concessão do forte do Morro de São Paulo —construção de 1630 protegida pelo Patrimônio Histórico Nacional.
O programa vem sendo chamado inicialmente de Praias do Brasil e seria liderado pelo Ministério da Economia em parceria com as pastas do Turismo, Meio Ambiente e Infraestrutura.
Na pasta liderada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), o tema está a cargo da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados e da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (Seppi).
O envolvimento de diferentes pastas é visto como necessário para criar segurança jurídica aos investidores.
O Meio Ambiente, por exemplo, seria responsável pelo diálogo com as esferas estadual e municipal para liberar entraves no setor. O Ministério da Infraestrutura ficaria a cargo de alinhar o projeto à legislação existente no setor logístico.
Apesar de estar em fase inicial, o cronograma previsto atualmente prevê avanço ainda neste ano. O lançamento de editais públicos de chamamento para estudos está previsto para até o mês que vem.
Até dezembro, estão previstos a assinatura de acordos de cooperação técnica, a conclusão dos estudos, a publicação de normativos para o andamento do projeto e o lançamento dos editais para as quatro regiões analisadas.
As licitações para venda ou concessão de áreas em Angra, Maragogi, Cairu e região de Florianópolis estão previstas para o primeiro semestre de 2022.
A justificativa do projeto é promover o turismo no litoral brasileiro por meio da atração de investimentos privados, com geração de emprego e renda.
Os membros do governo querem aproveitar também o interesse dos investidores com o ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança) a fim de atrair recursos, apresentando a eles o projeto com um mote sustentável.
Elimar Nascimento, cofundador do Laboratório de Estudos de Turismo Sustentável da UnB (Universidade de Brasília), afirma que são bem-vindas iniciativas de atração de investimento ao setor.
Por outro lado, ele tem uma série de ressalvas à ideia de construir as chamadas novas Cancúns e diz acreditar que a proposta não seria tão eficaz para atrair turistas.
“Você desembarca do avião e entra em um resort. É um turismo glamourizado e artificial, com hotéis internacionais todos iguais. São coisas conhecidas e padronizadas, sem contato com novas culturas, sem experiências diferenciadas. Fica perto da piscina, do mar, é um lugar de rico. Não muito mais que isso”, afirma Nascimento.
Ainda na visão de limar Nascimento, grandes complexos hoteleiros à beira-mar já existem em outros lugares —como na região do Caribe, nos EUA e na própria Europa—, e, portanto, oferecer o mesmo tipo de experiência em um lugar mais distante para esse público, como o Brasil, pode não atrair tantos turistas como se pensa.
Segundo ele, há uma tendência no turismo internacional nos últimos anos de busca por opções mais sustentáveis e com imersões mais profundas em culturas locais.
“A tendência não são essas coisas padronizadas, mas um turismo que procura dar a experiência do contato com a cultura, com a terra”, diz.
Ele cita como bom exemplo a estratégia usada nas últimas décadas pelo Peru, que escolheu cerca de dez locais no país —como a capital, Lima, e Cusco (próximo a Machu Picchu)— para investir na infraestrutura e atrair turistas.
Segundo Nascimento, a chave é fornecer a infraestrutura adequada e integrada ao ecossistema local.
A vontade de construir uma Cancún em Angra já foi expressa por Bolsonaro em mais de uma ocasião.
Essa é uma das frentes em que o governo tenta avançar com a privatização de imóveis. O governo já disse haver potencial próximo a R$ 1 trilhão em receitas com as vendas, mas o plano ainda não decolou.
Também está sendo planejada a reunião dos imóveis da União em um fundo ou uma empresa que teria potencial até de abrir seu capital em Bolsa de Valores. Investidores poderiam comprar cotas do fundo, em vez de somente terem possibilidade de comprar os imóveis em si.