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Grifes da SPFW apostam em moda sem gênero e refletem as saudades de flanar por aí
25/06/2021 / 14:43
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PEDRO DINIZ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O que ficou evidente nos dois primeiros dias de desfiles desta 51ª São Paulo Fashion Week é que as marcas do calendário de desfiles querem extirpar de vez a ideia de uma moda baseada em tendências. Não houve uma unidade visual de cores, ideias sobre a “peça da estação” -porque nem dividido por estações o evento é mais- ou tentativas de impor o que as pessoas devem vestir.

O novo desenho do estilo para um futuro próximo é não ter desenho definido, mas sim uma perspectiva solta sobre as regras do passado e uma imagem vinculada aos gostos pessoais de quem espera poder voltar a se vestir para andar livre pelas ruas.

É sintoma desse entendimento que a apresentação de abertura da temporada virtual de desfiles tenha sido do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Maior nome de uma corrente de designers que prega o resgate dos traços culturais autênticos do Brasil, suas roupas são inspiradas no detalhismo gráfico do Cariri, região que compreende parte do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí.

Em parceria com rendeiras locais e com o cearense Mestre Espedito Seleiro, lenda viva do artesanato em couro no país, ele produziu peças coloridas, algumas delas vazadas, com linhas sinuosas vistas nos gibões e sandálias dos vaqueiros.

Referências à religião, expressas em cruzes feitas de acessórios, e ao folclore não dão pistas sobre qualquer vínculo com os relatórios de tendências que enchem o mercado de moda rápida. E é para ser assim mesmo, porque, para Fraga e boa parte das novas marcas nacionais, o discurso e o propósito antecedem o aspecto funcional da roupa. O dele é o de valorização da cultura local, da grife baiana Meninos Rei, do resgate das religiões ancestrais do país.

Apoiados na imagem e no significado de Exú, o orixá da comunicação e da linguagem nas religiões de matrizes africanas, os irmãos Céu e Victor Rocha mostraram uma alfaiataria refinada, feita com tecidos de Guiné-Bissau, ricamente coloridos e estampados com padrões gráficos do país.

Assim como Fraga fez em sua coleção, a marca, que se apresentou dentro do novo Projeto Sankofa -que passa a integrar a semana de moda com oito marcas de estilistas negros- costura um patchwork imagético em roupas bem cortadas e afinadas às demandas de clientes que procuram reconhecimento por meio do que vestem.

No lado oposto do turbilhão gráfico, a Aluf da estilista Ana Luisa Fernandes mimetizou a clausura imposta pela pandemia em peças limpas, de cartela neutra, como os dias parados de quem acompanha de casa os raios de sol entrando pela janela. Tecidos crus, detalhe em madeira e cortes que remetem à invasão das luzes pelas frestas de casa compõem a sinfonia costurada da designer paraense.

Sua apresentação foi como uma pausa no espiral de ideias ligadas à moda urbana que toma essa temporada. O discurso da roupa sem gênero, por exemplo, parece onipresente na mesa de corte da nova geração de marcas desta década.

Na ÀLG, o estilista Alexandre Herchcovitch continua a reter os aspectos da moda “street” na confecção de blusões, parcas ampliadas, shorts e uma variedade de peças esportivas pensadas de forma que tanto podem ser usadas por garotos quanto por garotas.

Especialista em licenciamentos, desta vez ele usou os personagens dos Looney Tunes, como Pernalonga, Patolino e Piu-Piu, numa parceria que divulga o filme “Space Jam: Um Novo Legado”, a ser lançado no próximo mês.

Os desenhos fofos são contrapontos à estética carregada de elementos e detalhismo do uniforme urbano apresentada numa quadra de basquete. Herchcovitch sabe como poucos o quanto a cultura pop pode seduzir uma geração de clientes saudosa de alguma diversão.
Esse pendor nostálgico permeou a coleção da grife pernambucana Another Place, que foi atrás da cervejaria Beck’s para patrocinar seu filme e buscar elementos que compõem a série de roupas sem gênero aparente, em que o verde da garrafa e as linhas irregulares que as estampam lembram os dias de festa interditados.

Por meio de conjuntos de segunda-pele, tops, meia-calças e peças que remetem à moda íntima, o estilista Rafael Nascimento pareceu costurar uma moda performática para notívagos em busca do bate-estaca e do brilho das boates. As jaquetas perfecto e os aviamentos são lembranças de um espaço no guarda-roupa hoje tomado pela naftalina.
Mesmo tipo de ideia que teve Samuel Cirnansck, que ao voltar ao calendário de desfiles, oferece seus vestidos de festa lânguidos, um brilho ofuscado pelas noites esvaziadas e um glamour vinculado aos bailes de outrora que soa como reza para dias melhores. É um discurso otimista, apoiado em roupas do passado feitas para um futuro que ainda se mostra incerto, assim como é a moda do novo tempo.