A 16ª Vara Federal na Paraíba condenou um homem pelo crime de transfobia, em sentença proferida em 19 de setembro de 2025. A decisão atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF), que havia ajuizado ação penal com base na Lei nº 7.716/1989 (Lei do Racismo).
A condenação decorreu de comentários discriminatórios publicados pelo réu em seu perfil no Instagram, em 9 de dezembro de 2021, após o assassinato de uma mulher trans em João Pessoa (PB). Segundo a denúncia e a sentença, as manifestações configuraram discurso de ódio direcionado à comunidade LGBTQIA+, ao desqualificar a identidade de gênero da vítima e tratar sua morte como consequência de supostos comportamentos reprováveis.
Entre as mensagens reproduzidas na rede social estavam: “no mínimo estava com envolvimento em safadeza e coisa errada” e “Oxe e existe mulher trans? Nunca na face da terra. Ou você nasce mulher ou homem”.
A sentença destacou que os comentários publicados pelo réu em rede social tiveram como alvo a identidade de gênero da vítima. Conforme a decisão, o uso das expressões “safadeza” e “coisa errada”, no contexto em que foram empregadas, assumiram conotação de “indecência” ou “depravação” e traduziram desprezo e desumanização, como se a morte fosse uma punição pela condição da vítima.
A defesa alegou que o acusado teria feito referência à criminalidade comum na região de Tambaú e Manaíra (bairros da capital paraibana). O argumento, no entanto, foi rejeitado pela Justiça, que ressaltou não haver qualquer indicação nos comentários de que o réu se referia a crimes violentos em determinada localidade da cidade.
Em outro trecho, a sentença observou que o réu afirmou em juízo que a vítima teria vindo de outra cidade para realizar programas na orla da capital. A Justiça concluiu que, ao difundir essa versão, o acusado buscou reduzir a empatia em relação à vítima e associar sua morte a escolhas pessoais, sem dirigir qualquer reprovação ao autor do homicídio.
“Nenhuma palavra dirigida contra o homem que a esfaqueou e a deixou agonizando na calçada, afinal, em relação ao assassino, a identidade de gênero não estava posta”, consignou a sentença.
A decisão também registrou que o desprezo manifestado pelo réu decorreu do pertencimento da vítima a um grupo historicamente vulnerável. Esse tipo de manifestação, assinalou a Justiça Federal, contribui para a reprodução de estereótipos negativos sobre mulheres trans e reforça a sua exclusão social.
“Esse veneno, gota a gota, dissemina e reforça a subalternização, e dificulta que esse grupo seja compreendido como sujeito de iguais direitos”, afirma trecho da sentença.
No interrogatório, o réu reconheceu saber que o conceito de identidade de gênero vai além da biologia e que pessoas trans têm direito de se identificar de acordo com sua convicção pessoal. Apesar disso, no comentário publicado, ironizou e negou essa identidade, reforçando preconceitos dirigidos ao grupo.
A sentença ainda observou que a testemunha de defesa confirmou o bom convívio do acusado com pessoas de grupos vulneráveis, mas ressaltou que “não são incomuns os casos de pessoas que possuem bom convívio com amigos e familiares de grupos vulneráveis, mas que nas redes sociais, sentindo-se protegidas pelo distanciamento do mundo real, expressam intolerância e preconceito, de modo a revelar que a aceitação da diferença é superficial”.
Por fim, a Justiça Federal afastou a tese de desclassificação da conduta criminosa para injúria racial. Segundo a decisão, não há possibilidade de aplicação desse tipo penal porque pessoas falecidas não podem figurar como sujeitos passivos do crime. A conduta do réu, destacou a sentença, foi dirigida não apenas à vítima do homicídio, mas ao conjunto das mulheres trans, alvo de hostilidade em razão de sua identidade de gênero.
A sentença fixou a pena definitiva do réu em dois anos de reclusão e dez dias-multa, pela prática do crime de transfobia (artigo 20, caput e § 2º, da Lei nº 7.716/1989). A pena privativa de liberdade foi substituída por duas medidas restritivas de direitos: pagamento de R$ 3 mil e prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de serviço por dia de condenação.
O réu poderá recorrer em liberdade, uma vez que não foi decretada prisão preventiva.
O MPF recorreu da decisão para que a pena seja reavaliada à luz da gravidade do crime e dos objetivos previstos em lei.