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João Pessoa 438 Anos: Mulheres Empreendedoras e inovação impulsionam o desenvolvimento
02/08/2023 / 08:35
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Uma cidade é feita de pessoas. Gente que carrega sentimento, história, sonhos, potencial e importância. É no ato do dia a dia e da vida, das relações pessoais, urbanas e políticas que a teia social se desenvolve e ajuda a moldar a si própria.

João Pessoa, capital da Paraíba, faz aniversário e celebra 438 anos neste sábado, 5 de agosto, dia de Nossa Senhora das Neves, sua padroeira. Com uma população de 833.932 pessoas (Censo 2022), a cidade mais populosa do estado é hoje uma das mais visitadas no país e fonte de potencialidades, turismo, gastronomia, belezas naturais, cultura, arte e identidade. Cenário para reflexões sobre os desafios do futuro e a sustentabilidade. Mãe e residência de quem movimenta a cena empreendedora e criativa, impulsiona os negócios e o desenvolvimento econômico e social.

Marcela Fujiy nasceu em São Paulo, mas passou a infância e adolescência em Campina Grande onde cresceu em um meio empreendedor, trabalhando desde muito jovem em empreendimentos da família, como no hotel que pertencia ao pai. Formada em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), trabalhou em alguns órgãos públicos, mas não chegou a trilhar a vida jurídica.

Ao longo de sua trajetória no Brasil, foi trainee da ABN Amro-Bank, mas foi em sua experiência na Suécia que ela fez carreira como gerente de projetos em empresas de segmentos como ABB e Alstom. Depois de 12 anos, Marcela tomou a decisão de voltar com a família para o Brasil trazendo na bagagem acumulada o aprendizado sobre o sistema de política social sueco, referência nas discussões e avanços sobre igualdade de gênero. Além de estar à frente de operações no varejo na capital paraibana, a empresária também cofundou a Be.Labs, a primeira aceleradora de negócios femininos do Nordeste.

“Escolhi João Pessoa para morar quando decidi voltar para o Brasil”, diz Marcela.

A empresária, que afirma acreditar no “varejo brasileiro como força motriz da nossa economia”, vê em seu papel de empreendedora uma “obrigação de não apenas empregar pessoas, mas sim formar cidadãos para que eles consigam enxergar o mundo da forma que eu enxergo”.

“Eu costumo dizer que só vai estar bom de verdade quando estiver bom para todo mundo. A desigualdade social está intimamente ligada ao conceito da meritocracia que é tão difundido e muito enraizado na nossa sociedade. A meritocracia é cruel. Ela reforça o pressuposto de que ‘se eu consegui, eu assim o fiz porque sou melhor do que você’. ‘Ela’ é de uma arrogância sem precedentes e aprofunda ainda mais as desigualdades sociais. Fato é que eu deixei de acreditar na meritocracia e convido a todos também repensá-la. A minha mudança está ligada a minha experiência de morar 12 anos na Suécia, um dos países mais igualitários do mundo (tanto no âmbito social quanto de gênero) e ao voltar para o Brasil me deparei com o abismo socioeconômico que me separava da maior parte da população brasileira”.

Empreendedorismo para liberdade financeira e impacto social

Para Fujiy, impacto social é sobre mudanças significativas e positivas que resolvam ou pelo menos enfrentem injustiças e desafios sociais.

“E quando colocamos o impacto social na perspectiva do empreendedorismo isso significa que você tem um objetivo que é ganhar dinheiro, mas tão importante quanto o lucro é o impacto que o seu negócio causa na sociedade resolvendo ou enfrentando injustiças e desafios sociais. Para fazer isso é necessário se incomodar. Sair do lugar de espectador e agir”.

Pioneira em acelerar negócios liderados por mulheres no Nordeste

Em 2018, Marcela criou a Be.Labs, primeira aceleradora de empreendimentos femininos do Nordeste, que atua como laboratório e consultoria desenvolvendo metodologias para acelerar negócios de mulheres empreendedoras na região, além de elaborar soluções tecnológicas com o objetivo também de reduzir os desafios relacionados a questões de gênero, como violência doméstica e equidade.

Marcela Fujiy comenta que a jornada de pré-aceleração é intensa e visa não só aspectos técnicos do empreendedorismo, “mas muito na transformação pessoal”.

EU COSTUMO DIZER QUE A BE.LABS NASCEU DE CICLOS QUE FORAM SE ENCERRANDO NAS NOSSAS VIDAS (MINHA E DE CHRISTIAN, MEU SÓCIO E TAMBÉM FUNDADOR DA BE.LABS). NA VERDADE MUITAS INQUIETAÇÕES FORAM RESPONSÁVEIS POR ISSO. COM ELAS, A OPORTUNIDADE DE MERGULHAR NA VIDA DE CENTENAS DE MULHERES PELO NORDESTE AFORA E CONSTATAR QUE ASSIM, PODÍAMOS FAZER DIFERENTE E ACIMA DE TUDO A DIFERENÇA.

Marca pessoense leva acessórios autorais de conexão com a Paraíba para o Brasil

A Soé nasceu em 2019, criada pelas jornalistas Maria Livia Cunha e Ellyka Gomes. A ideia do negócio surgiu, originalmente, após uma conversa entre a pernambucana Maria Livia e o seu pai, Vinicius. Ele – que é um artista plástico e já trabalhava com acrílico há algum tempo, mas para outras finalidades – sugeriu que Livia fizesse brincos com o material. No mercado de Recife, já havia algumas marcas de excelente performance que fabricavam acessórios com o acrílico e, partindo dessa observação, a Soé foi a primeira marca a fazer o mesmo em João Pessoa.

No entanto, conta Livia, não bastava vender design, era preciso contar histórias, trazer, para o primeiro plano, um propósito maior do que somente a beleza.

“Conversando com as pessoas, nós percebemos que havia muito carinho e identificação com a Paraíba, mas quase nenhum trabalho que fizesse essa conexão de maneira contemporânea e acessível. Então a Soé iniciou um trabalho cuja missão é conectar pessoas à Paraíba. E, para o primeiro momento da marca, fez isso por meio de acessórios com design não convencional, que unem moda, identidade e tradição. Começamos com 16 peças, numa mesinha, num café aqui na Capital e, a cada mês, o retorno era tão positivo que já somamos mais de 2.500 acessórios fabricados e vendidos por nós, um por um”.

A Paraíba, pontua a jornalista e empreendedora, é celeiro de criatividade “e João Pessoa é a nossa fonte mais próxima”.

“Há inspiração e assuntos super profundos e relevantes em todos os lugares. Mesmo os temas mais populares – a exemplo da renda renascença – ainda são desconhecidos, nas minúcias, pela maioria. Então, sim, quando falamos de histórias, saberes populares, paisagens, sobre a natureza, sobre as pessoas da Paraíba e de João Pessoa…a lista de inspirações é imensa e a conexão acontece em diferentes níveis”.

 

 A avaliação em relação ao mercado empreendedor e economia criativa é de que há uma longa estrada pela frente. “O ecossistema de inovação da Paraíba ainda está muito fechado para a economia criativa tradicional e João Pessoa não avançou muito nesse segmento. Há iniciativas aguerridas de empreendedores independentes, mas ainda faltam ações mais robustas por parte do ente público – mentorias, incubações, mas, sobretudo, dinheiro e espaço para que a gente possa empreender e crescer com os nossos negócios. Esperamos que a potência desse mercado inspire ações nesse sentido muito em breve. E, quando acontecer, a Soé vai estar pronta. Nós acreditamos muito na Paraíba”, reflete Maria Livia Cunha.

Autenticidade, empoderamento e consumo consciente

Todos os processos da Soé são feitos pessoalmente por Maria Livia e por Ellyka – desde a criação, passando pela produção majoritariamente artesanal, chegando à comunicação, venda e pós-venda dos produtos.

A loja tem um recorte de trabalho visivelmente voltado para o público feminino. Livia explica que isso acontece não necessariamente porque esse é o público que compra mais, mas porque esse é o público que mais precisa pensar antes de consumir.

“NÓS, MULHERES, ESTAMOS PASSANDO POR UMA MUDANÇA PROFUNDA NO NOSSO COMPORTAMENTO CONSUMIDOR, PORQUE QUEREMOS NOS EXPRESSAR – A NÓS MESMAS, NOSSO ÍNTIMO – POR MEIO DAQUILO QUE USAMOS. ESPECIALMENTE APÓS OS 30, NÃO SUPORTAMOS MAIS UMA IMAGEM PASTEURIZADA QUE NÃO COMUNICA AS NOSSAS PREFERÊNCIAS, PERSONALIDADE, IDENTIDADE, AQUILO QUE ACREDITAMOS”

Por isso, a Soé tem um trabalho alinhavado nesse sentido: “emoldurar pessoas reais, as belezas reais, as mentes inteligentes, críticas e complexas, que compartilham dos nossos valores e desejos. Serão elas que sairão (e saem) usando as nossas peças por aí. E, por comprarem melhor, compram menos também, porque um brinco da Soé é algo especial para elas, além de serem feitos para durarem por muito tempo”, afirma a empreendedora.

 A marca tem uma linha de produtos feitos da recriação criativa da matéria-prima que iria para o desperdício. A Linha Ecoar tem o mesmo padrão de qualidade das demais peças da Soé, mas, por ter design menor e minimalista, “reduz em mais de 20% o nosso desperdício de acrílico”.

“A Soé tem um portfólio bem extenso para uma marca autoral e nós procuramos manter conosco tudo aquilo que funciona para o nosso mercado”, avalia Maria Livia.

Atualmente, a equipe trabalha na divulgação da coleção inspirada no algodão colorido paraibano, desenvolvido no estado pela Embrapa-Algodão, semeado pela agricultura familiar assentada, orgânico e cultivado em sequeiro.

“O algodão colorido paraibano é uma joia rara, talvez mais valiosa que a própria turmalina, porque ele tem um caráter agroecológico absurdo. É uma matéria-prima rastreável da semente ao fio e nós quisemos dar visibilidade a essa origem. Criamos peças inspiradas no algodão, na flor, na pluma, nas cores das cultivares, no fio. Esse é um dos trabalhos mais completos e lindos da Soé”.

Sobre a próxima coleção, “entendemos que, para que uma narrativa seja absorvida, ela precisa de tempo, por isso trabalhamos com slow fashion, uma moda lenta, com histórias que geram vínculos, com riqueza de detalhes. Por enquanto, ainda vamos falar muito sobre o algodão colorido e, em 2024, traremos novas histórias”, promete.