O julgamento de Jair Bolsonaro (PL) está na capa da “The Economist”. A revista britânica, cuja nova edição chega às bancas nesta quinta-feira, publicou uma foto do ex-presidente brasileiro com o rosto pintado em verde e amarelo e adereços semelhantes aos usados por Jacob Chansley, o “Viking do Capitólio”, um dos apoiadores de Donald Trump que invadiram a sede do poder legislativo americano, em 2021, após a derrota do republicano para o democrata Joe Biden.
Para a “Economist”, prestes a iniciar o julgamento de Bolsonaro e de outros acusados de tramarem uma tentativa de golpe, na próxima terça-feira, o Brasil “oferece uma lição de democracia para uma América que está se tornando mais corrupta, protecionista e autoritária”.
Bolsonaro está em prisão domiciliar desde 4 de agosto, foi considerado inelegível e pode ser condenado na trama golpista, cujo capítulo emblemático se deu em 8 de janeiro de 2023, quando seus apoiadores depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Enquanto isso, embora tenha incentivado apoiadores a marcharem até o Capitólio e hesitado em mandá-los recuar, quando já circulavam registros de violência em Washington, Trump não foi julgado por aqueles atos de 6 de janeiro — e se elegeu presidente novamente, em 2024.
Entre evidências de que os Estados Unidos vivem uma erosão democrática, a revista britânica listou a tentativa de interferência de Trump no Federal Reserve (o Banco Central dos EUA); as ameaças de intervenção federal em cidades geridas por adversários democratas; e as medidas tomadas pelo chefe da Casa Branca em defesa de Bolsonaro, como a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e a inclusão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes no rol dos sancionados pela Lei Magnitsky.
A Economist destacou que o julgamento de um presidente polarizado que perdeu sua tentativa de reeleição e se recusou a aceitar o resultado “soa como o sonho da esquerda americana”, mas é realidade “na outra grande democracia das Américas”. A revista destacou que as provas dos autos evocam o passado “turbulento” do Brasil.
“Um ex-general de quatro estrelas conspirou para anular o resultado da eleição; assassinos planejaram matar o verdadeiro vencedor. Mas o golpe acabou fracassando por incompetência”, diz trecho da publicação.
Para a revista, Bolsonaro e seus aliados “provavelmente” serão considerados culpados, o que faz do Brasil “um exemplo para a recuperação de países afetados pela febre populista”. A Economist disse que Brasil e Estados Unidos “parecem estar trocando de lugar”.
“Os Estados Unidos estão se tornando mais corruptos, protecionistas e autoritários — com Donald Trump esta semana mexendo com o Federal Reserve e ameaçando usar a Guarda Nacional em cidades controladas pelos democratas. Em contraste, mesmo com o governo Trump punindo o Brasil por processar Bolsonaro, o País está determinado a salvaguardar e fortalecer sua democracia”, ressaltou.
A revista britânica atribui essa reação “diferente” das autoridades brasileiras ao fato de a memória da ditadura militar “ainda estar fresca”. Com a democracia reinstaurada em 1988, o Supremo Tribunal Federal “ainda se considera um baluarte contra o autoritarismo”, escreveu a Economist.
A reportagem destaca que a maioria dos brasileiros “não tem dúvidas sobre o que Bolsonaro fez” e que até governadores conservadores “criticam seu estilo político”, embora precisem dos votos de apoiadores do ex-presidente para vencer Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2026.
A Economist citou a existência de um consenso “surpreendente”, “dos figurões empresariais de São Paulo aos políticos de Brasília”, da necessidade de mudança institucional. Ressaltou que, paradoxalmente, uma tarefa “fundamental” é “controlar” o STF e criticou indiretamente a condução de inquéritos pelo ministro Alexandre de Moraes.
“Como árbitro de uma Constituição com 65.000 palavras, o tribunal supervisiona uma gama estonteante de regras, direitos e obrigações, desde política tributária até cultura e esportes (…) Às vezes, os próprios juízes iniciam processos, incluindo um inquérito sobre ameaças online, alguns deles contra o próprio tribunal — tornando-o vítima, promotor e juiz”, diz trecho da reportagem. “Há amplo reconhecimento de que juízes não eleitos, com tanto poder, podem corroer a política, bem como salvá-la de golpes”.
Com jornal O Globo