SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio à crise de imagem dos EUA após o fracasso da retirada das tropas do Afeganistão, que levou de volta o Talibã ao poder no país, a vice-presidente americana, Kamala Harris, chegou à Ásia com o desafio de diminuir a desconfiança entre países aliados.
A viagem à Singapura e ao Vietnã já estava marcada desde o fim de julho, antes de os Estados Unidos suspeitarem que o grupo fundamentalista islâmico chegaria tão rápido ao poder. O motivo principal da missão é reforçar a presença dos americanos na região do Mar do Sul da China, área estratégica de grande importância econômica sobre a qual os chineses reivindicam controle, o que é contestado por outras nações.
Mas, no primeiro dia de viagem, o Afeganistão foi o tema obrigatório, e Kamala teve que dar explicações nesta segunda (23), com o governo Biden pressionado pelo que foi considerado mundo afora uma operação desastrosa.
A vice-presidente se esquivou das perguntas sobre a perda de credibilidade do país, respondendo que “haverá tempo suficiente para analisar o que aconteceu no contexto da retirada das tropas do Afeganistão”, em entrevista à imprensa ao lado do primeiro-ministro de Singapura. “Mas, agora, estamos focados somente em evacuar os cidadãos americanos, os afegãos que trabalharam conosco e os afegãos que estão vulneráveis, incluindo as mulheres e crianças”, afirmou.
“Estou aqui porque os Estados Unidos são um líder mundial e levamos isso a sério.”
A afirmação vem em um momento em que nações rivais dos EUA, como a China e a Rússia, usam o exemplo do Afeganistão para sinalizar a países em suas órbitas o que pode acontecer se confiarem demais nos americanos. Foi o que a China fez com Taiwan logo após a queda do governo em Cabul, e o que a Rússia disse à Ucrânia, por exemplo.
“Hoje, estamos em Singapura para enfatizar e reafirmar nosso compromisso duradouro com este país e nesta região, e reforçar nossa visão compartilhada por uma região do Indo-Pacífico livre e aberta”, disse Kamala nesta segunda (23).
O primeiro-ministro de Singapura, Lee Hsien Loong, agradeceu as “garantias sobre as intenções dos Estados Unidos na região e no mundo”, mas disse que a visão que ficará dos americanos será determinada pelo que o país “fará daqui para frente, como vai se reposicionar na região, como vai se relacionar com uma ampla gama de amigos, parceiros e aliados”, disse.
Ainda que seja um forte parceiro comercial e estratégico dos Estados Unidos, Singapura busca não tomar partido no conflito do país com a China, superpotência que domina a região e que empresta até o idioma à cidade-estado. Mas o país, o mais importante porto do Sudeste Asiático, apoia a livre navegação na região.
“Eu reafirmei em nosso encontro o compromisso dos Estados Unidos em trabalhar com nossos aliados e parceiros ao retor do Indo-Pacífico para defender as regras baseadas na ordem internacional e a liberdade de navegação, incluindo no Mar do Sul da China”, disse a vice-presidente dos EUA.
O Mar do Sul da China, que banha as costas das Filipinas, Vietnã, Malásia e Indonésia, é uma rota estratégica de navegação, com potencial de exploração de petróleo e de gás, cujo controle é reivindicado pela China, mas questionado por outros países, inclusive os Estados Unidos.
A Casa Branca anunciou nesta segunda que, entre os acordos feitos com Singapura durante a visita oficial, estão a presença de navios de combate e aeronaves militares P-8, o que deve aumentar as tensões com a China.
Além dos acordos militares, os dois países fecharam tratados de segurança cibernética e cooperação contra as mudanças climáticas e por mais assistência no combate à pandemia da Covid-19.
De Singapura, Kamala Harris vai na terça-feira (24) para o Vietnã, país que voltou ao debate nos Estados Unidos pela semelhança entre as cenas da retirada americana de Cabul com o que se viu em 1975 em Saigon, outra derrota militar histórica do país.