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Lei criada na Paraíba ganha destaque na imprensa nacional
08/07/2022 / 10:39
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“Estou procurando, estou tentando entender o que é que tem em mim que tanto incomoda você”, diz Linn da Quebrada na letra de ‘Submissa do 7º dia’.

A cantora, atriz e apresentadora de 31 anos que ganhou projeção nacional no BBB 22 possui uma trajetória reconhecida no meio artístico muito antes do reality, com destaque em séries, filmes, documentários premiados internacionalmente e dois discos lançados – uma realidade de exceção no país que pelo 13º ano seguido continua sendo o que mais mata a população trans e travesti no mundo, segundo levantamento da ONG Transgender Europe (TGEU).

Somente em 2021, o Brasil registrou o assassinato de ao menos 140 pessoas trans, sendo 135 travestis e mulheres transexuais e 5 homens trans e pessoas transmasculinas – crimes esses com requintes de crueldade: apedrejamentos, corpos incendiados, espancamentos, estrangulamentos, facadas, pauladas e atropelamentos intencionais, só para citar alguns exemplos. Os dados constam em dossiê elaborado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

O dossiê coloca a Paraíba em 10º lugar entre os estados que mais assassinaram pessoas trans entre 2017 e 2021. Levando em consideração números absolutos, são 27 casos registrados.

Vale lembrar que não existem dados oficiais sobre a população trans no país, tampouco sobre as violências sofridas, o que pode significar, na prática, um número muito maior. O levantamento da Antra é constituído a partir de relatos obtidos com órgãos de segurança pública, entidades LGBTQIA+/direitos humanos, reportagens jornalísticas e redes sociais.

Deputada estadual Estela Bezerra (PT-PB) durante encontro com representações da comunidade LGBTQIAP+ em João Pessoa – Foto: Reprodução/redes sociais

Segunda morte

Além de sofrerem diversas violências em vida, pessoas trans e travestis continuam sendo desrespeitadas mesmo após a morte, quando não têm seus nomes sociais e identidades de gênero respeitadas em cerimônias de velório, sepultamento e durante todo processo post mortem. Isso porque muitas vítimas vêm de famílias intolerantes ou que, por qualquer outro motivo, acabam vilipendiando e promovendo o apagamento daquelas identidades.

Na Paraíba, uma lei sancionada no fim de junho dispõe sobre o respeito ao uso do nome social nas lápides e atestados de óbito de travestis, mulheres, homens e demais pessoas trans.

Com autoria da deputada Estela Bezerra (PT), a Lei 12.352/2022 assegura o reconhecimento do nome social em consonância com a identidade de gênero nas lápides de túmulos e jazigos, bem como nas certidões de óbito e demais documentos relacionados.

A lei também garante que a família da pessoa transexual pode requerer, a qualquer momento, a inclusão do nome social nas lápides, certidões de óbitos e nos registros dos sistemas de informação dos locais responsáveis pelo sepultamento, cremação e tanatopraxia.

Durante as cerimônias de velório, sepultamento ou cremação, também deve ficar assegurado o respeito à identidade de gênero nas vestimentas postas sobre a pessoa falecida. Isso para evitar casos em que a família, por intolerância, enterra o ente com roupas distintas ao que a pessoa preferia usar em vida.

Reprodução/Diário Oficial do Estado da Paraíba (DOE)

Nesta semana, a lei de Estela Bezerra ganhou destaque nacional no portal Terra. Além da Paraíba, apenas São Paulo, Brasília e Palmas têm legislações específicas sobre o tema, aponta levantamento da Revista Piauí feito com as prefeituras das 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal.

“As vitórias até aqui foram grandiosas, mas ainda se tem muito a desobstruir, começando pela mente do ser humano”

Yasmim Moura, advogada e mestranda em Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), observa com entusiasmo os avanços conquistados no Brasil, nos últimos anos, pela comunidade LGBTQIAP+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queer, intersexo, assexual e pansexual).

Apesar disso, reconhece que “o retrocesso infelizmente anda junto”.

“Desde 2006, mulheres bissexuais e lésbicas já são protegidas contra violência doméstica e familiar. Esse ano tivemos uma feliz decisão do STJ considerando a extensão da Lei Maria da Penha para mulheres trans. Há o direito de adoção por casais homoafetivos, casamento, união estável, mudança de nome e alteração nos documentos para transgêneros, direito à cirurgia de redesignação sexual de graça através do SUS (demora, mas acontece), acompanhamento de terapia no processo de conversão para as pessoas trans também”, explica.

Outras leis na Paraíba

Na Paraíba, se encontram em vigor as leis estaduais 7.309/2003 e 10.895/2017 que, respectivamente, proíbe a discriminação ou preconceito em virtude de orientação sexual e da identidade de gênero e dispõe sobre a obrigatoriedade de afixação de cartaz em estabelecimentos comerciais e órgãos públicos, informando sobre a punição aos atos de preconceito.

O art. 2º da Lei º 7.309/2003 traz um rol de condutas classificadas como discriminatórias, lembra o advogado especialista em Direito previdenciário, Luiz Henrique Araújo, entre elas: negar emprego, demitir sem justa causa, impedir ou dificultar a ascensão profissional na iniciativa pública ou privada; fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que incite ou induza a discriminação, o preconceito, o ódio e a violência com base na orientação sexual ou na identidade de gênero; negar ou dificultar o aluguel ou aquisição de imóveis; inibir, proibir ou dificultar a manifestação pública de carinho, afeto, emoção, sentimento ou pensamento.

As condutas tipificadas como discriminatórias no art. 2º, diz o advogado, podem ser punidas com advertência, multa, além de suspensão e cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS do Estado.

“Em que pese os avanços em relação à punição de práticas discriminatórias e garantia de direitos civis, é necessário que ocorram mudanças culturais e educacionais profundas, pertinente ao respeito às diferenças, através do diálogo e debate dentro de estabelecimentos de ensino, com equipes multiprofissionais (professores, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, juristas etc.), pais e alunos, além de políticas públicas, voltadas ao combate à violência e discriminação. É necessário que seja assegurado o respeito à diversidade desde a infância, com uma educação pautada na tolerância”, afirma Luiz Henrique.