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Lil Nas X pesa na rebeldia, mas faz de ‘Montero’ um álbum instigante e colorido
17/09/2021 / 15:12
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PEDRO ANTUNES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lá pela metade final de “Montero”, o que era extravagância sonora se contrai. Surge uma batida minimalista e a voz de Lil Nas X se desnuda dos efeitos, ecos e autotune -da forma mais crua que um artista do pop se permite atualmente, pelo menos. E diz, em inglês: “Olá, velho amigo da estrada, gostaria de deixar um recado”.

A música em questão, “Void”, é a 12ª das 15 canções do primeiro álbum cheio de Lil Nas X, mas funcionaria melhor como a primeira ou última, pelo significado que tem. O tal “amigo da estrada” seria uma versão do artista, mais jovem, da época em que despontou com o rap country “Old Town Road”, faixa recordista de tempo em primeiro lugar na parada da Billboard, nos Estados Unidos.

No recado do Lil Nas X do futuro para a sua contraparte do passado -que causaria um colapso no espaço-tempo de acordo com Dr. Emmett Brown (interpretado por Christopher Loyd), da saga cinematográfica “De Volta para o Futuro”-, ele admite ter chegado ao fundo do poço e avisa que nem tudo é o que parece.

O recado é, sobretudo, para nós. Embora estejamos diante do “pacote de álbum” mais exuberante de 2021 até aqui -e isso inclui clipes, vídeos promocionais, capas e postagens polêmicas nas redes sociais-, “Montero” esconde segredos sombrios e uma melancolia que a essa altura já é seguro afirmar ser inerente ao nosso tempo. Se estiver disposto a ouvi-los, os sinais contarão uma jornada complexa e instigante, mas nada disso é obrigatório para se curtir grande parte de um álbum tão florescente.

 O primeiro single e música de abertura do disco, “Montero (Call My By Your Name)”, é um exemplo disso -a jornada do personagem começa no convite de um interesse amoroso para um encontro em “um dia ruim”, como ele diz no verso de abertura, referindo-se à carência e solidão causadas pelo lockdown durante a pandemia do coronavírus.

São tantas referências visuais e sonoras na faixa que é fácil se deixar levar pelas cores e os “easter eggs” -referências escondidas no trabalho- espalhados pelo caminho, como quando o personagem do clipe manda imagens bíblicas de céu e inferno para as cucuias ao descer de um para o outro dançando pole dance até o colo de uma versão dele mesmo como diabo.

Às vezes, como se ouve ao longo de “Montero”, Lil Nas X exagera para se mostrar mirabolantemente corajoso ou ao emendar suas rebeldias contra uma indústria fonográfica historicamente misógina, machista, patriarcal e racista. Mas é genial testemunhar este homem gay e negro se inserir em um mercado que tenta expeli-lo como uma espinha indesejada na ponta do nariz de um adolescente.

Lil Nas X é o melhor artista da música pop a entender até onde é possível tencionar o policiamento da web sem arrebentá-lo e ser cancelado pelo tribunal da internet. Mas nem mesmo ele passa completamente ileso, é claro. Aqui, ele irritou a turma da direita religiosa com o clipe de “Montero (Call My By Your Name)” e de esquerda, ao ser acusado de transfobia por surgir “grávido” do próprio álbum em fotos e “parir” a criança em um vídeo promocional.

Como era de se esperar na obra de um artista de 22 anos, cria de uma geração acostumada à hipervelocidade das redes sociais, “Montero” é inconstante. O álbum desperdiça duas ótimas participações, de Doja Cat -cantora sucesso no TikTok e queridinha das premiações pop- e sir Elton John, nas desinspiradas “Scoop” e “One of Me”, por exemplo, mas acerta com Miley Cyrus -em “Am I Dreaming”.

O melhor de Lil Nas X está nos momentos em que o artista desiste de impressionar o mundo ao redor ou chocar quem puder e olha para si. Sem firulas, ele rima furiosamente sobre como a ascensão ao estrelato o obrigou a encarar os fantasmas do seu passado em “Dead Right Now” -cuja estrofe com coral gospel dará inveja à Kanye West. E “That’s What I Want”, igualmente íntima, apresenta o artista em busca de amor, cantando sobre uma base simples de violão e uma levada bastante pop.

Com mais momentos altos do que baixos, “Montero” é, a princípio, instigante, colorido e dançante, e melhora quando o ouvinte se aprofunda em dramas e questionamentos de Lil Nas X.

Se no futuro alguém quiser saber como foi viver este 2021, estes 41 minutos de música mostram um ano com euforia, carência, insegurança e fantasmas passados que surgem vez ou outra. Parece certo para mim.


MONTERO
Onde: Nas plataformas digitais
Autor: Lil Nas X
Gravadora Columbia Records
Avaliação: Bom