LUCAS BRÊDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Meu sangue está queimando há muitos verões. É hora de dar uma acalmada, independentemente de onde isso leve”, Lorde canta em “Stoned at the Nail Salon”, faixa de seu aguardado terceiro disco, “Solar Power”. Sobre uma guitarra dedilhada, ela continua dizendo que “as garotas bonitas vão se dissipar como as rosas”, ou que talvez “só esteja chapada no salão de beleza”.
Aos 24 anos, a cantora neozelandesa que despontou ainda adolescente, em 2013, cantando sobre a rotina entediante de uma garota numa cidade pequena, agora deixa o clima soturno e a ansiedade da ascensão precoce à fama de lado para relaxar e abraçar natureza. A inspiração, ela diz, é o verão da Nova Zelândia.
“É um verão muito ligado à água. Um monte de gente vai à praia. Me sinto bem quando estou na praia, com o sol brilhando, a água brilhando, e aquela sensação poderosa. Era exatamente isso que queria capturar [no novo disco].”
Lorde conta que sentiu uma conexão mais profunda com as praias de sua terra natal. “Essa coisa de deitar na água traz um sentimento ancestral para mim, sabe? Tipo, meu passado e meu futuro e tudo isso misturado. E eu realmente sinto tudo isso quando estou nessa parte da Nova Zelândia.”
Pela boa condução da pandemia na Nova Zelândia, o último ano de Lorde não foi de isolamento completo. “Não foi muito diferente para mim. Passei muito tempo em casa, e com os amigos e família, mas muito tempo fora e muito mais ligada à natureza do que antes. E isso é o que me fez querer escrever outro álbum.”
A morbidez no jeito de cantar que a fez ser comparada a Lana Del Rey e James Blake não foi completamente embora, mas “Solar Power” é uma virada em sua carreira. “Pure Heroine”, disco com o qual ela ficou mundialmente conhecida, especialmente pelo hit “Royals”, era essencialmente pop, com influência de batidas eletrônicas e de hip-hop -ela chegou a gravar um cover de Kanye West na época.
“Melodrama”, o trabalho seguinte, de 2017, mantinha certa estranheza do antecessor, agora com letras mais bem resolvidas e um pé na pista de dança. O jeito sussurrado de cantar e as produções pouco convencionais abriram caminho na indústria para uma série de cantoras jovens, como Billie Eilish e Olivia Rodrigo.
Em “Solar Power”, as bases são praticamente todas de violões ou guitarras de sabor psicodélico -algo impensável anos atrás. Ao Guardian, Lorde disse que “preferia morrer a botar um violão” no seu primeiro disco. “Violões eram coisas de fogueiras e caras com bonés idiotas, uma coisa meio ‘anos 2000’.”
Agora, ela tem ouvido muita música com violão, especialmente o folk de Los Angeles dos ano 1960 e 1970. Elenca, a este repórter, nomes como Mamas and the Papas, Joni Mitchell, Eagles. “Comecei a perceber que na verdade é uma ferramenta muito interessante para comunicar sentimentos sobre a natureza.”
A entrada do violão na obra da Lorde também remete à música pop do rádio e da MTV dos anos 2000. “Me inspirei na maneira com que pessoas como Natasha Bedingfield, Nelly Furtado ou TLC usavam violões. Essas músicas me deixam feliz. Então a combinação desses dois estilos de música não me de deixou sem escolha a não ser usar o violão.”
A garota que se achava complicada demais para encontrar um amor em “Liability”, single de “Melodrama”, agora descreve um romance singelo em “The Man with the Axe”.
“Achava que eu era um gênio, mas agora tenho 22 anos, e está começando a parecer que tudo o que eu sei fazer é botar uma roupa para depois tirá-la. Com meu punhado de músicas que são dolorosas de cantar”, ela canta na faixa.
O novo disco é um marco de maturidade na carreira de Lorde, que foi alçada muito cedo ao posto de estrela do pop e agora saiu das redes sociais e foi à praia em busca de conforto e anonimato. Ela canta que, se antes amava as festas, hoje quer chegar em casa cedo. Em “The Path”, diz que “se você está procurando um salvador, essa pessoa não sou eu”.
“Li um livro ótimo chamado ‘How to do Nothing’, que me fez pensar mais sobre o tempo que eu passava online. É uma coisa viciante, acho importante se perguntar se isso é certo pra você. E então eu meio que experimentei ficar offline. Mas meio que ainda fico um pouco online, ainda dou uma checada nas redes.”
Para manter o contato com os fãs, ela enviou cartas -ou emails- contando o que estava vivendo nos últimos anos. E se esta é a fase hippie de Lorde, ela tem raízes nos hippies originais. Sua bio no Instagram é uma frase de Joan Didion em “Rastejando até Belém”, livro em que ela examina a cena paz e amor de Los Angeles do fim dos anos 1960.
“Li esse livro quando tinha 22 anos. Acho que se relaciona com este álbum porque ela vai a San Francisco observar aquele movimento hippie e das drogas. É cheio de LSD e ela está procurando algo. E, sim, aquela frase sempre significou algo para mim. Mas, em particular, acho que ela pode, sim, ser lida no contexto de ‘Solar Power’.”
De certa forma, assim como o livro de Didion, Lorde desde seu primeiro álbum é apontada como a voz de uma geração. Diferente dos hippies de Didion, a cantora não tem tomado LSD -no TikTok, ela disse que este estava mais para seu “disco de maconha”-, mas a faixa-título tem uma ligação direta com outra cena libertina de música -a inglesa do início dos anos 1990.
Isso porque “Solar Power” tem uma sequência de acordes e um sentimento que remetem diretamente a “Loaded”, hit de 1991 do Primal Scream. O vocalista da banda de rock, Bobby Gillespie, deu permissão a Lorde -que diz que não conhecia “Loaded” quando fez “Solar Power”- para seguir com a sua música.
“Isso foi bem doido. Acho que às vezes só acontece. Nunca tinha acontecido comigo. Mas por alguma razão, fui escolhida para carregar essa tocha para uma nova geração. E sou muito feliz que Bobby e o Primal Scream foram compreensivos. É uma conexão espiritual. Amei. O universo é estranho. Existem conexões estranhas e eu estou fechada com elas.”
SOLAR POWER
Quando: A partir de sexta (20)
Onde: Nas plataformas digitais
Autor: Lorde
Produção: Jack Antonoff
Gravadora: Universal