O medo e a incerteza cercam a vida de três brasileiros que desembarcaram na Tailândia há pouco mais de uma semana e foram flagrados pelas autoridades locais com 15,5 quilos de cocaína no aeroporto. No país asiático, o tráfico internacional de drogas é passível de punições como prisão perpétua ou a pena de morte. O caso ganhou repercussão graças a Mary Helen Coelho da Silva, de 21 anos, que pediu ajuda à família para que pudesse responder pelo crime no Brasil. A situação deles, no entanto, não inspira otimismo, conforme advogados ouvidos pelo GLOBO. A solicitação é vista como impossível até pela defesa.
Na melhor das hipóteses, Mary Helen teria de esperar o processo ser concluído para que fosse tentado algum recurso diplomático de repatriamento, o que também é visto como muito complexo por criminalistas especializados no assunto.
Autodefinida nas redes sociais como “a dona da razão” e de um temperamento forte, Mary Helen sempre procurou, em suas publicações, exaltar a força da mulher e a independência em relação aos homens. Nos posts, há registros em festas raves e brincadeiras sobre o uso de drogas, como um em que pede um caminhão de MDMA (variante do ecstasy) ao Papai Noel no Natal. Em outros, ela aparece fumando maconha.
— Ela estava triste — lamentou a irmã, Mariana, com quem morava.
Criada pela mãe, Thelma Coelho, de 45 anos, Mary Helen nunca conheceu o pai, que deixou a família e mudou-se para o Rio de Janeiro. Recentemente, a mãe descobriu que está com um câncer avançado.
— Ela trabalhava, fazia autoescola, estava com planos de comprar uma moto — lembra a irmã.
Numa publicação de 13 de outubro, Mary Helen chegou a fazer uma reflexão contrária à atuação no tráfico de drogas: “Quando você trafica e mete assaltos, o dinheiro vem rápido, a adrenalina domina seu coração, seus parceiros se dizem ser a ‘mesma fita’, mas quando a casa cai, o dinheiro vira jumbo, a adrenalina vira lágrimas, e os parceiros viram as costas”, diz o post, com a ilustração de três presos.
O advogado catarinense Telêmaco Marrace de Oliveira será o representante da defesa de Mary Helen no Brasil. Ele pretende auxiliar os advogados tailandeses. Telêmaco, que possui experiência em casos envolvendo brasileiros no exterior, foi procurado por advogadas de Pouso Alegre (MG), cidade da jovem detida na Tailândia.
— A expectativa da defesa, a priori, porque ainda não me contactei com o advogado tailandês, é de provar a inocência. Ela não sabia que essa droga estava na mala, e essa história precisará ser contada minuciosamente. Eu acredito que Mary Helen é uma vítima, uma mula, como os traficantes chamam, que carregava algo que não sabia — afirma o advogado.
O defensor acredita que, se a jovem mineira for condenada, não será às penas mais graves:
— A chance de pena de morte é quase zero. De uma prisão perpétua, depende do magistrado, mas acho também muito difícil. A chance de pegar cinco anos e multa não está descartada.
Para Telêmaco, Mary Helen foi vítima de “angel fishing”, em que jovens são atraídas e cooptadas o tráfico internacional mesmo sem saber:
— O cara que cria todo um esquema, coopta essas meninas para levar para fora do país através de Tinder, Instagram… é a velha história da namoradinha e do príncipe encantado. Até a mala da menina, muitas vezes, eles preparam. Prometem levar para conhecer outro país.
Mary Helen embarcou há 10 dias para Curitiba, onde iria encontrar um rapaz que havia conhecido nas redes sociais, segundo contou à família. Sem qualquer aviso, foi com ele rumo à Tailândia. Boa parte da droga estava na bolsa da jovem.
A advogada Plabinie Costa, com três colegas, foi quem procurou Telêmaco. Ela diz que as chances de trazê-la de volta são pequenas, mas não irá desistir:
— Ela foi para um presídio onde estaria em más condições — conta.
A presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB de Minas Gerais, Lorena Bastianetto, diz que pretende auxiliar nos contatos junto à embaixada tailandesa. Ela explica que a Lei da Migração, de 2017, prevê que brasileiros condenados no exterior podem cumprir a pena no Brasil, caso haja acordo diplomático. Mas se houver uma condenação a penas altas ou à morte, a diferença nas leis dos dois países — no Brasil a punição máxima é de 40 anos de reclusão — provavelmente brecaria qualquer aceno positivo pelos tailandeses:
— Seria necessário ou um tratado entre Brasil e Tailândia, o que não temos, ou uma promessa de reciprocidade de que um tailandês teria o mesmo direito quando condenado aqui.
Lorena afirma que, por conta da superlotação carcerária e da pressão humanitária, a Tailândia abrandou algumas leis contra o tráfico de drogas. Mas o trio pode não ser beneficiado.
— Na lei tailandesa, há categorizações das substâncias. A categoria 1, a mais grave, inclui heroína e metanfetamina. Nela, você tem somente as penas gravíssimas: de morte, prisão perpétua. A categoria em que Mary Helen se enquadra é uma abaixo. Mas ela pode ser condenada por outros crimes, como conspiração, e ser prejudicada pela quantidade da droga, que evidencia que não era para consumo próprio — explica.
A advogada diz que há outra possibilidade, mais remota. O rei da Tailândia, Maha Vajiralongkon, em todo aniversário, anistia a alguns estrangeiros condenados a penas máximas.
— No ano passado, ele perdoou três pessoas por tráfico internacional de pessoas — lembra.
O advogado e professor de Direito Penal da UFF, Daniel Raizman, diz que já houve um precedente de extradição entre os dois países, mas que não se aplica a este caso:
— A Tailândia já extraditou um cidadão estrangeiro para ser submetido à Justiça brasileira por crime cometido contra cidadão brasileiro. Nesse precedente, o país só entregou a pessoa sem abrir mão da sua soberania porque o crime não tinha sido no seu território.
Agência O Globo