BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em meio a uma série de declarações golpistas do presidente Jair Bolsonaro e na semana em que está prevista a votação do voto impresso na Câmara, o Ministério da Defesa realizará nesta terça-feira (10) um desfile de blindados que passará em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.
De acordo com um comunicado da Marinha, o desfile marcará a entrega a Bolsonaro e ao ministro Walter Braga Netto (Defesa) de um convite para que as autoridades acompanhem, na próxima segunda-feira (16), um tradicional exercício da Marinha que ocorre desde 1988.
Embora autoridades normalmente sejam chamadas a assistir à Operação Formosa, que ocorre na cidade de mesmo nome em Goiás, é a primeira vez que o convite ocorrerá com um desfile de blindados militares.
De acordo com a assessoria de comunicação da Defesa, trata-se de uma ação de divulgação do exercício. Segundo a Marinha, a Operação Formosa envolverá neste ano mais de 2.500 militares das três Forças —é a primeira edição que Exército e Aeronáutica participam.
No total, serão 150 diferentes equipamentos, entre carros de combate, blindados, aeronaves e lançadores de mísseis e foguetes. O objetivo é simular uma operação anfíbia.
“Nesta terça-feira, pela manhã, comboio com veículos blindados, armamentos e outros meios da Força de Fuzileiros da Esquadra, que partiu do Rio de Janeiro, passará por Brasília, a caminho do Campo de Instrução de Formosa”, afirma.
“Na oportunidade, às 8h30, no Palácio do Planalto, serão entregues ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e ao ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, os convites para comparecerem à demonstração operativa”, completa a Marinha, em nota.
O Ministério da Defesa foi questionado pela reportagem, mas não informou qual é o custo total do desfile de blindados nem quantos veículos e militares vão participar do evento. A pasta informou apenas que iria repassar o pedido para a assessoria de imprensa da Marinha, organizadora do evento, que também não se manifestou.
A presença de blindados em frente ao Planalto —um local em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao lado do Congresso Nacional— ocorre em meio ao agravamento de uma crise institucional entre Bolsonaro e o Judiciário.
O presidente tem feito uma série de ameaças contra a organização das eleições do ano que vem. Na sua defesa do voto impresso, ele chegou a colocar em dúvida a realização do pleito.
“Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição”, disse Bolsonaro em 1º de agosto. Dias depois, ao ser incluído pelo ministro Alexandre de Moraes (STF) como investigado no inquérito das fake news, o mandatário disse que poderia atuar fora dos limites constitucionais.
“Ainda mais um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico, não pode começar por ele [pelo Supremo Tribunal Federal]. Ele abre, apura e pune? Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”, declarou Bolsonaro.
Após reiterados ataques de Bolsonaro a integrantes do STF, principalmente contra Moraes e Luís Roberto Barroso, o presidente do tribunal, Luiz Fux, cancelou uma reunião prevista entre os chefes dos três Poderes.
A demonstração das Forças Armadas ocorrerá ainda na semana em que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do voto impresso pode ser derrotada no plenário da Câmara.
Pauta prioritária do bolsonarismo, a PEC foi rechaçada numa comissão especial na semana passada, mas o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), deve pautá-la em plenário. Lira diz que planeja pautá-la para esta terça ou quarta-feira (11). A tendência é que deputados rejeitem a PEC.
Lira disse nesta segunda que o desfile não é usual, mas considerou uma “trágica coincidência” que ocorra no mesmo dia de análise da PEC.
Às vésperas do desfile de blindados, Bolsonaro se reuniu fora da sua agenda oficial com o ministro Walter Braga Netto. O presidente se dirigiu na tarde desta segunda a um prédio do Ministério da Economia, para um compromisso na Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Após mais de uma hora que estava no prédio, Braga Netto chegou ao local e permaneceu cerca de 15 minutos. Saiu em seguida, sem falar com a imprensa. Bolsonaro ainda permaneceu no prédio do ministério, mas também saiu sem dar declarações.
A iniciativa do militares repercutiu entre congressistas e gerou reações.
Parlamentares de centro, centro-direita e esquerda pretendem, durante o desfile, se posicionar em silêncio na rampa do Congresso com cartazes em defesa da democracia.
“Em seu desespero de besta acuada, Bolsonaro tenta demonstrar força colocando tanques na rua. O Parlamento reagirá à altura mostrando a fraqueza do presidente, que faz um teatro para seus militantes para justificar a previsível derrota do voto impresso”, afirmou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que organizou a mobilização.
“Mostraremos, juntando parlamentares de direita, de centro e de esquerda, que a democracia brasileira é mais poderosa que Bolsonaro. O tiro sairá pela culatra.”
A deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC) avalia que a realização do desfile é uma tentativa de Bolsonaro de tentar pressionar os parlamentares e “passar a ideia de que tem força, quando, de fato, não tem.”
“Esse trabalho das Forças Armadas é corriqueiro, necessário. Agora, quando os blindados passam pela Esplanada dos Ministérios num dia importante como esse, é o Bolsonaro tentando usar as Forças Armadas para seu projeto pessoal”, disse. “Se a ideia é intimidar, é o inverso que vai acontecer, porque ninguém gosta disso. Os blindados do Bolsonaro podem passar por cima do pé dele.”
“Nossa resposta será a derrota do voto impresso”, diz o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS).
Vice-presidente da CPI da Covid no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) atacou, em uma rede social, a presença de blindados na Esplanada nesta terça.
“Alguns avisos ao sr. inquilino do Palácio do Planalto: 1) Colocar tanques na rua não é demonstração de força, e sim de COVARDIA; 2) Os tanques não são seus, pertencem à Nação; 3) Quer tentar golpe Sr. @jairbolsonaro? É o crime que falta para lhe colocarmos na cadeia”, escreveu.
Suplente do colegiado, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que pediu “à Justiça que impeça o gasto de recursos públicos em uma exibição vazia de poderio militar”.
“As Forças Armadas, instituições de Estado, não precisam disso. Os brasileiros, sofrendo com as consequências da pandemia, também não. O Brasil não é um brinquedo na mão de lunáticos”, escreveu, em uma rede social.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina do Senado, afirmou que se trata de uma intimidação real e inconstitucional.
“Tanques na rua, exatamente no dia da votação da PEC do voto impresso, passou do simbolismo à intimidação real, clara, indevida, inconstitucional. Se acontecer, só cabe à CD [Câmara dos Deputados] rejeitar a PEC, em resposta clara e objetiva de que vivemos numa democracia que assim permaneceremos”, escreveu em suas redes sociais.
Além da escalada de declarações golpistas de Bolsonaro, especialistas têm alertado para o risco de politização das Forças. No final de março, Bolsonaro demitiu o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo.
De acordo com interlocutores, Azevedo vinha resistindo a pressões do presidente por um maior apoio das Forças Armadas na defesa de medidas do governo, principalmente na oposição a políticas de distanciamento social adotadas por governadores e prefeitos.
No lugar, Bolsonaro nomeou o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto, visto como um militar mais alinhado às pautas bolsonaristas.
Como resultado da demissão de Azevedo, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica também anunciaram que deixariam seus postos.