CARLOS BOZZO JUNIOR
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Taurinos são teimosos, determinados, gostam de estabilidade e segurança, além de serem trabalhadores árduos e competentes. Nascido em 22 de abril de 1939, em Santos, no litoral paulista, o ator, diretor de teatro, autor, produtor e político Sérgio Duarte Mamberti, morto na madrugada desta sexta-feira (3) aos 82 anos, não foi diferente.
Além de ter sido dramaturgo durante mais de 50 anos -sabe-se que isso exige trabalho-, sua vivência política de esquerda, militando no porto da cidade, deu-lhe base para ser um dos fundadores do PT. “Minha militância política sempre foi totalmente ligada à questão cultural”, dizia.
Mamberti ocupou diversos cargos no Ministério da Cultura durante o governo Lula (2003-2011) e no primeiro mandato de Dilma Roussef (2011-2014). Em 12 anos, foi secretário de Música e Artes Cênicas, secretário da Identidade e da Diversidade Cultural, presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e secretário de Políticas Culturais, além de ter substituído interinamente três ministros da pasta. Contudo, o trabalho nos governos Lula e Dilma o mantiveram longe do teatro. Mamberti saiu do ministério em 2013.
O trabalho exercido nos governos Lula e Dilma foi responsável por manter Mamberti longe do teatro. “A militância cultural é uma das minhas paixões, mas voltar ao teatro é uma coisa… É a própria vida, é ali que eu respiro, vivo”, disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em 24 de abril de 2015, que traz a informação de que as reticências na frase correspondem a um momento de voz embargada e lágrimas.
Mesmo com as interrupções provocadas por sua atividade política, Mamberti construiu uma sólida carreira na cena cultural brasileira. Participou de 36 filmes, 36 novelas, cerca de 80 peças de teatro -sendo 20 como produtor- e recebeu vários prêmios por seus trabalhos.
O ator conviveu com Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, entre outros artistas.
Segundo o artista revelou em entrevista para a coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, em 5 de julho de 2015, sua casa, um sobrado de três quartos no bairro da Bela Vista, em São Paulo, vizinho ao Teatro Ruth Escobar, abrigou, em 1968, além desses astros da MPB, gente machucada pela polícia. “Minha casa acompanhou muito da história brasileira, da cultura”, disse sobre a ocasião em que o teatro foi invadido pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), organização de extrema direita que agia no regime militar. A casa serviu de abrigo ao elenco da peça “Roda Viva”, que foi espancado ao final de uma apresentação. “Aqui virou o hospital. Todo mundo que estava machucado veio para cá”, disse.
Mamberti reconhecia o oportunismo da solidão sobre pessoas que se relacionam pouco com as outras. “Essa coisa da solidão se aprofunda quando você não tem alguém para conviver. Mas na nossa profissão existe um elo de afetividade muito forte com as pessoas. E a minha casa estava sempre cheia de gente”, disse ele.
Pessoas nascidas sob o signo de touro, como o ator, são muito leais e sempre dispostas a dar uma mão para os amigos. O imóvel de Mamberti também abrigou os atores do grupo nova-iorquino Living Theatre, presos e expulsos do Brasil pela ditadura no início dos anos 1970. A casa era “uma espécie de antessala do teatro, todo mundo vinha para cá. A Gal [Costa], o [Gilberto] Gil, o Caetano [Veloso], o Zé Wilker, os Novos Baianos. A Baby [do Brasil] morou aqui um tempo”, disse. “Quando a Leila Diniz morreu tinha até algumas roupas dela aqui.”
Viúvo desde 1980 da atriz Vivian Mahr, que morreu aos 37 anos por complicações respiratórias, o ator afirmava que nunca considerou casar novamente. “A gente tem que namorar, né? Mas foram sempre casos eventuais. Se eu casasse estaria prejudicando a relação com meus filhos. Quando a Vivian [Mahr] morreu, o mais velho tinha 14 anos.” São três os filhos de Mamberti: o ator Eduardo (Duda) Mamberti, o produtor Carlos Mamberti e o diretor Fabrício Mamberti.
ATOR DE TEATRO, CINEMA E TV
Sérgio Mamberti estudou na Escola de Arte Dramática (EAD), onde se formou em 1961. A estreia profissional nos palcos aconteceu com “Antígone América”, em 1962. Antes disso, no entanto, o ator sofreu uma espécie de crise ao participar de uma montagem no teatro Aliança Francesa, em São Paulo. O ator se sentiu impossibilitado de entrar em cena por achar que havia uma lâmina de vidro que impedia seu acesso ao palco. O problema foi resolvido com um chute no traseiro do ator, dado pelo diretor do espetáculo. Mamberti não se lembrava da peça ou do nome do diretor, mas do chute nunca esqueceu.
Em 1969, na montagem de “O Balcão”, Mamberti interpretou brilhantemente o personagem Juiz, e assim recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo. “Conheci o dramaturgo Jean Genet [autor da peça] e recebi um elogio. Ele disse que, de todas as montagens de ‘O Balcão’ a que assistiu, o personagem do Juiz de que ele mais gostou foi o meu”, dizia o ator.
Mamberti também atuou em “Rancor”, peça de Otavio Frias Filho (1957-2018) , último trabalho dirigido no Brasil, em 1993, por Jayme Compri, diretor de teatro que morreu aos 33 anos em Londres. Depois, Mamberti brilhou em “Pérola”, o grande sucesso de Mauro Rasi (1949-2003), no qual contracenou com Vera Holtz durante cinco anos.
Como ator de televisão, Mamberti participou de muitas novelas de grande sucesso, como “As Pupilas do Senhor Reitor”, (1970); “Brilhante” (1981) e “O Clone”, (2001), além de “Sol Nascente” (2016), entre outras.
Quando gravou “As Pupilas do Senhor Reitor”, o ator lembrava que o elenco tinha em mãos os horários dos aviões que decolavam e aterrissavam no aeroporto de Congonhas para poderem gravar durante os espaços de silêncio. “O trabalho de TV é muito árduo, o glamour existe só para quem assiste”, dizia o ator que considerava Eugênio, seu personagem na novela “Vale Tudo” (1988), seu trabalho mais marcante no gênero.
No entanto, gostava de lembrar da fama conquistada pelo personagem Victor Astrobaldo Stradivarius Victorius II, o Dr. Victor da série infantil “Castelo Rá-Tim-Bum”, exibida na TV Cultura entre os anos de 1994 e 1997. “Visitei tribos indígenas e os indiozinhos me chamavam de tio Victor quando me avistavam. Nas ruas, sou reconhecido por muita gente, devido a este personagem”, dizia.
Na segunda metade da década de 1990, Sérgio Mamberti foi responsável pela programação e direção artística do pequeno teatro do hotel Crowne Plaza, em São Paulo, que difundiu talentos emergentes e novas experiências cênicas e musicais. Entre as atrações que despontavam para o mundo de amealhar os sons, estiveram lá Cassia Eller (1962-2001) e Zélia Duncan.
Cinéfilo assumido -dizia assistir uma média de 400 filmes por ano-, Mamberti afirmava haver qualidade no cinema nacional, mas não visibilidade, devido ao predomínio das produções norte-americanas. Segundo ele, o problema no Brasil não era produzir, e sim exibir, pois os filmes hollywoodianos tomam o lugar dos longas do país. Ponto de vista de quem também atuou em clássicos do cinema brasileiro, como “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), “Toda Nudez Será Castigada” (1973), “A Hora da Estrela” (1985), e “A Dama do Cine Shangai” (1987).
Com desenvoltura para atuar em gêneros tão distintos e no meio político e cultural, Mamberti não deixava de reconhecer a grande importância do público para o seu trabalho: “A gente [atores] faz tudo para vocês, porque são vocês o motivo de nossas vidas.”