O Ministério Público Federal (MPF) emitiu duas recomendações visando à proteção dos direitos e do modo de vida da comunidade tradicional de pescadores de Barra de Mamanguape, localizada no município de Rio Tinto, litoral norte da Paraíba.
Os documentos foram enviados à Prefeitura de Rio Tinto (PB), ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), à Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ao cartório de registro de imóveis do município.
Uma das recomendações orienta a Prefeitura de Rio Tinto e os órgãos ambientais que não autorizem licenças, alvarás de construção, nem licenças ambientais para a supressão de vegetação ou outros atos administrativos que possam interferir na área, sem consulta prévia ao MPF. A outra recomendação é para que a prefeitura e o cartório local se abstenham de realizar qualquer ato administrativo ou registral que envolva a venda, licenciamento, parcelamento, regularização fundiária ou emissão de documentos relacionados a imóveis situados no território tradicional da comunidade. A recomendação inclui a suspensão de alvarás, autorizações urbanísticas, certidões de localização, guias de ITBI e registros de propriedade ou georreferenciamento, além da revisão de registros e transmissões já efetivadas.
A medida foi tomada em resposta a denúncias apresentadas pela própria comunidade, que relatou o crescimento desordenado do turismo, invasões de empreendedores que não fazem parte da comunidade, especulação imobiliária, dentre outros fatores que ameaçam seu território e seu modo de vida tradicional.
Segundo apurou-se, a comunidade tradicional de pescadores artesanais de Barra de Mamanguape enfrenta pressões decorrentes não só da ausência de políticas públicas adequadas, mas também de ações governamentais e de empreendimentos que têm gerado impactos negativos na região. Entre os problemas relatados estão o comprometimento do abastecimento de água, o bloqueio de acesso ao mangue e à praia e o aumento de conflitos no território.
A tradicionalidade da comunidade foi reconhecida pelo Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (CNPCT). Além disso, como explica o procurador da República José Godoy, conforme o Enunciado nº 47 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, a autodeclaração de territórios tradicionais é legítima e gera repercussões jurídicas, que devem ser consideradas em políticas públicas, especialmente em questões fundiárias e ambientais.
“O direito ao território tradicional é anterior à demarcação e precisa ser protegido de forma efetiva, inclusive nos casos em que o Estado ainda não formalizou esse reconhecimento. A recente assinatura do Decreto nº 46.455/25 pelo governo da Paraíba, que reconhece a existência, os direitos e a contribuição das comunidades tradicionais para a formação da sociedade paraibana, reforça esse compromisso. Cabe aos poderes públicos agir com urgência para impedir que esses territórios desapareçam diante do avanço da especulação e da ausência de políticas públicas concretas”, afirmou Godoy.
A comunidade possui um vínculo histórico com o território que remonta a pelo menos um século, conforme descrito na ata de autorreconhecimento encaminhada ao MPF. Formada a partir da convivência entre descendentes de indígenas Potiguara e outros povos que chegaram à região, a comunidade consolidou modos de vida próprios, baseados na pesca artesanal e no uso sustentável dos recursos naturais do estuário do rio Mamanguape. O documento relata que, até a década de 1990, os moradores viviam em casas de palha, com acesso limitado à vila por trilhas ou pelo rio, e sem infraestrutura urbana básica.
Parecer técnico de perícia antropológica do MPF, por sua vez, alerta para o desaparecimento progressivo das áreas de uso tradicional da comunidade, em razão da especulação imobiliária, do avanço desordenado do turismo e de empreendimentos privados como a carcinicultura, ressaltando a urgência da regularização do território para garantir a continuidade do modo de vida tradicional e a preservação da identidade cultural local.
Barra de Mamanguape, onde o rio de mesmo nome encontra o mar, é conhecida por sua beleza natural e pela presença do peixe-boi-marinho, espécie ameaçada de extinção e protegida na Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio Mamanguape, criada em 1993. Contudo, o crescimento desordenado do turismo e a especulação imobiliária representam uma séria ameaça tanto para o ecossistema quanto para o modo de vida da comunidade tradicional de pescadores.
As recomendações foram emitidas em 22 de abril e concedem prazo de 20 dias para que os órgãos informem se acataram e se cumprirão as medidas recomendadas.