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MPF-PB pede condenação de Sikêra Júnior por misoginia e discurso de ódio
07/06/2021 / 16:28
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O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, na sexta-feira (4), uma ação civil pública em que pede a condenação do apresentador de televisão José Siqueira Barros Júnior, conhecido como ‘Sikêra Jr”. Ele é acusado de proferir falas discriminatórias, machistas e misóginas, além de humilhar com expressão racista, em transmissão ao vivo, uma mulher negra, que estava sob custódia do estado da Paraíba. O fato ocorreu em 5 de junho de 2018 e repercutiu em todo o estado.

À Justiça, o MPF pede que o apresentador indenize em R$ 200 mil a mulher que foi alvo dos comentários, além do pagamento de R$ 2 milhões a entidades representativas feministas ou de promoção de direitos humanos ou, alternativamente, ao Fundo Nacional de Direitos Difusos. O valor deve ter atualização monetária e juros.

O Ministério Público também pede que o apresentador seja condenado a se retratar publicamente, reconhecendo a ilicitude de suas falas, mediante discurso a ser publicado em todas as suas redes sociais e na TV Arapuan – emissora onde a conduta foi praticada.

A duração do discurso não deve ser menor que 2 minutos e 47 segundos, que foi o tempo em que Sikêra Jr proferiu as ofensas. A retratação deve ser feita no mesmo horário em que o apresentador verbalizou as agressões, entre 12h e 13h, durante o período de sete dias. Conforme o pedido ministerial, o início da retratação deve ocorrer em até 10 dias, após a intimação do trânsito em julgado desta ação.

O conteúdo da retratação deve ser previamente aprovado pelo MPF e por pessoas ou instituições que também participarem do processo como amicus curiae (que auxiliam o tribunal com esclarecimentos sobre questões essenciais ao processo).

O MPF ainda pede multa diária, não inferior a R$ 10 mil, em caso de descumprimento da sentença condenatória. Para tanto, também foi pedido à Justiça Federal que intime a Defensoria Pública da União e associações civis representativas de movimentos feministas e do direito à comunicação cidadã para integrarem o polo ativo ou participarem do processo, como amicus curiae, caso queiram.

“O que chama a atenção nesse caso é que, além de ter sido praticado numa emissora de televisão aberta, também foi publicado na plataforma de vídeos do YouTube e acessado milhares de vezes. Isso demonstra o potencial danoso desse tipo de crime, que vem assolando a sociedade brasileira, numa verdadeira epidemia de crimes de ódio contra grupos vulneráveis, no caso, as mulheres, especialmente, a mulher negra”, afirma o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza.

Protestos, denúncia e TAC

As ofensas do apresentador provocaram reações imediatas e diversas entidades feministas e organizações realizaram protestos e denunciaram o fato ao Ministério Público.

A partir de representação assinada pelo Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação do Estado da Paraíba (Findac/PB), o MPF instaurou procedimento administrativo, que resultou em assinatura de termo de ajustamento de conduta (TAC) com a TV Arapuan.

Além de diversas medidas de reparação, já cumpridas pela emissora, o TAC tinha uma cláusula de penalidades e responsabilidades que previa a possibilidade de responsabilização cível e penal do apresentador.

Nesse caso, a ação ajuizada na sexta-feira (4) tem como foco a tutela cível/constitucional dos direitos coletivos e individuais indisponíveis lesados, com vistas à reparação/compensação dos danos decorrentes da conduta ilícita.

Já as possíveis repercussões criminais da conduta do apresentador continuarão sendo investigadas, considerando-se a independência das instâncias judiciais.

Agressão a uma mulher negra

Em determinado momento das agressões, o apresentador zomba dos traços característicos da raça negra da mulher sob custódia do estado, cuja imagem aparece no telão do estúdio do programa, enquanto o apresentador a define como “venta de jumenta”, numa clara alusão ao formato das narinas da vítima.

“O discurso do apresentador não só associou a imagem da mulher à de um animal para fazer piada e indiretamente criticar de maneira leviana suas condições de vida e a não adoção de um padrão estético, mas a sua postura nos mostra também a falta de comprometimento com a profissão de jornalista, uma não assunção de responsabilidades que são inerentes a quem se coloca frente às câmeras com a missão de falar para milhares de pessoas”, aponta uma dissertação de mestrado, realizada na Universidade Federal da Paraíba, sobre violação de direitos humanos no telejornalismo policial no estado.

Na ação, o MPF demonstra que, num primeiro momento, o apresentador achincalhou a imagem da mulher negra detida pela polícia, ridicularizando a dignidade dela, ao compará-la com o refrão de música popular “pau que nasce torto, nunca se endireita” e disseminando entre os telespectadores o fato de que, na visão do apresentador, a vítima seria incapaz de ser reeducada e ressocializada.

“Nessa parte, então, o desígnio do réu é claramente escarnecer a personalidade de uma mulher em situação de vulnerabilidade social (pobre, vítima das drogas e com a liberdade cerceada) que sequer pôde exercer seu direito de resposta, por estar sob custódia do Estado”, aponta o Ministério Público.

Já no segundo momento das ofensas, o apresentador inicia ataques misóginos em atos de discriminação e preconceitos generalizados contra as mulheres.

Ele profere e estimula as pessoas que estão no estúdio a dizerem, “pelo menos, por 16 vezes, em apenas um minuto e sete segundos, o adjetivo ‘sebosa’ às mulheres que não pintam as unhas”, relata a ação ajuizada.

Ao praticar as agressões, o apresentador violou direitos fundamentais da mulher detida e de todas as mulheres, como também infringiu princípios e valores éticos e sociais previstos na Constituição Federal, deveres e obrigações previstos em tratados internacionais e normas do ordenamento jurídico brasileiro.

“A Constituição da República, em seu artigo 1.º, inciso III, atribuiu absoluta prioridade ao fundamento da dignidade da pessoa humana. No artigo 3.º, inciso IV, a Constituição também fincou como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, lembra o órgão fiscal da lei.

Liberdade de expressão x discurso de ódio

Na ação ajuizada, o MPF frisa a vedação ao uso do direito à liberdade religiosa, de pensamento e de expressão, como instrumento de opressão, “notadamente em face de minorias sociais, cujos integrantes são mais suscetíveis ao silenciamento pela parcela majoritária da população”.

O órgão ministerial demonstra que a conduta do apresentador “não se restringiu ao mero desferimento de ofensas à honra subjetiva de uma mulher vulnerável”. Ele também “incorreu em verdadeiro discurso de ódio porque a agressão realizada pelo réu constituiu-se de condutas nocivas ao equilíbrio psicológico da vítima e de uma coletividade de mulheres telespectadoras e internautas, que ao ouvirem o discurso proferido, sentiram-se segregadas da sociedade”, aponta o autor da ação.

“Deste modo, extrapolados os limites aceitáveis em um discurso democrático, cabe ao Poder Judiciário restabelecer a legalidade e integridade das pessoas eventualmente atingidas”, conclui.

Confira AQUI a íntegra da ação ajuizada