O Ministério Público da Paraíba ajuizou uma ação civil pública solicitando o afastamento imediato de todos os membros da atual diretoria-geral da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), incluindo os cargos de diretor presidente (Viviane Machado), diretor executivo (Cassiano Gomes) e diretor administrativo (Camila Moraes), por várias irregularidades na gestão. Também foi feito um requerimento para a nomeação de um administrador judicial provisório para a entidade, pelo prazo de 12 meses.
O pedido do MPPB foi resultado de denúncias feitas por associados da Abrace. Depoimentos de ex-colaboradores e dirigentes apontaram uma administração marcada pela centralização, ausência de prestação de contas, gestão de fachada por parte da presidência e utilização de recursos da entidade para fins não vinculados à sua missão institucional.
A ação foi ajuizada pelo 40º promotor de Justiça de João Pessoa, Alexandre Jorge do Amaral Nóbrega, que atua na defesa do patrimônio público e das fundações e tramita na 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital.
Durante o procedimento do Ministério Público, foram encontradas inconsistências nos registros contábeis da Abrace, como a ausência de notas fiscais, uso de contas contábeis genéricas sem suporte, e a emissão de comprovantes em nome de pessoas físicas, inclusive do próprio diretor executivo. O relatório ainda apontou a ausência de documentos essenciais previstos no estatuto da entidade, cupons fiscais sem identificação do consumidor, boletos, recibos e notas de pedido em nome de terceiros, faturas de água, luz e internet também em nome de pessoas físicas, ausência de lançamentos contábeis de despesas significativas, bem como histórico dos lançamentos desprovidos de clareza.
Além disso, foi constatada a contratação de empresa de propriedade do próprio diretor executivo da entidade para prestar serviços à associação sem qualquer processo de cotação de preços ou deliberação formal colegiada.
A investigação também evidenciou o uso indevido de recursos da Abrace para fins particulares, incluindo saques em espécie sem justificativa documental, aquisição de equipamentos desviados para uso pessoal, e custeio de despesas privadas mediante cartões corporativos da associação. Algumas das estruturas contratadas permaneciam inacabadas ou sem utilização institucional definida, sendo a ausência de prestação de contas estruturada e a omissão do Conselho Fiscal fatos reiteradamente confirmados.
Além das irregularidades financeiras, também foram encontradas várias incompatibilidades estatuárias com os princípios legais e institucionais que regem as organizações do Terceiro Setor, especialmente aquelas que operam com receitas provenientes de doações públicas, privadas e repasses mediante parcerias com o Poder Público.
No estatuto, também foi constatado diversas que materializam concentração de poder, ausência de freios e contrapesos internos, permissividade na nomeação de dirigentes sem exigências mínimas de formação técnico-profissional e, sobretudo, a violação aos princípios da governança, da impessoalidade, da economicidade e da accountability.
A ação pede ainda que o administrador judicial nomeado apresente, em até 90 dias, relatório circunstanciado de auditoria operacional, organizacional e financeira da Abrace, com diagnóstico das principais impropriedades encontradas e proposta de metas de saneamento; corrija as irregularidades estatutárias, contábeis e administrativas identificadas na ação, promovendo medidas efetivas de transparência e eficiência na gestão; garanta o cumprimento da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) e da Lei nº 13.019/2014, no que couber; e mantenha a Promotoria de Justiça de Fundações informada sobre os principais atos de gestão, mediante relatórios mensais.
A Abrace divulgou uma nota relatando surpresa com a ação movida pelo MPPB que, segundo a entidade, “foi construída sem considerar dezenas de documentos já à própria Promotoria” e é controversa juridicamente por propor uma intervenção em uma entidade privada sem recursos públicos.
A entidade ainda afirmou que prestou todas as informações solicitadas ao Ministério Público e se colocou à disposição da Justiça.
Confira a nota na íntegra:
“A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança – ABRACE, grande entidade autorizada judicialmente no Brasil a cultivar e fornecer medicamentos à base de cannabis, vem a público esclarecer, com serenidade e confiança, os pontos que motivaram a ação civil pública recentemente ajuizada pelo Ministério Público do Estado da Paraíba, que solicita a substituição de sua atual diretoria.
A ABRACE reitera sua total transparência e respeito às instituições públicas, inclusive ao Ministério Público, com quem mantém diálogo constante. No entanto, entende que a ação foi construída sem considerar dezenas de documentos, relatórios técnicos, auditorias independentes e manifestações já apresentadas à própria Promotoria, que demonstram de forma inequívoca a lisura e a seriedade do trabalho desenvolvido pela atual gestão em benefício da coletividade.
É importante lembrar que a ABRACE nasceu de uma experiência pessoal e familiar. Seu fundador, Cassiano Teixeira, comanda a instituição há sete anos com dedicação, esforço e ética, mesmo nas artesanais e precárias condições iniciais, enfrentando desafios que não impediram o acolhimento de milhares de associados. A ABRACE foi fundada por pessoas que se doam com compaixão e não por interesses financeiros, políticos ou corporativos.
De uma estrutura informal e voluntária, a associação evoluiu para uma entidade com sede própria, laboratório, museu, dezenas de colaboradores e uma política de fornecimento a milhares de pacientes em todo o país. Todo esse avanço foi conquistado com recursos próprios, sem o recebimento de qualquer verba pública, subvenção estatal ou repasse de fundo público.
Por essa razão, a ABRACE manifesta sua surpresa com o ajuizamento de uma ação civil pública por parte do Ministério Público, cuja legitimidade ativa para propor intervenção em entidade privada sem recursos públicos é juridicamente controversa e será enfrentada nos autos com os fundamentos legais e constitucionais pertinentes.
Hoje, o que está em discussão é a tentativa de afastamento da diretoria que liderou esse processo histórico, justamente após a consolidação da autorização judicial definitiva e da implantação de um sistema de governança com auditoria externa, política de compliance e prestação de contas anual. Trata-se, portanto, de um momento que exige serenidade e respeito à verdade dos fatos.
A ABRACE reitera que:
Por fim, a ABRACE reafirma seu compromisso com seus associados, com a saúde pública e com o avanço da medicina canábica no Brasil, e confia que o Poder Judiciário atuará com equilíbrio, ouvindo todas as partes envolvidas, antes de qualquer decisão que possa comprometer a continuidade de um”.