
O Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) ingressou com uma ação civil pública contra o influenciador digital Hytalo Santos e o marido dele, Israel Nata Vicente (“Euro”), acusando o casal de comandar um esquema de tráfico de pessoas, exploração sexual e submissão de crianças e adolescentes a condições análogas à escravidão.
A atuação é conduzida por um Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF), de âmbito nacional, formado por procuradores especializados no tema.
O processo, que tramita em segredo de justiça, reúne provas colhidas no inquérito civil do MPT e aponta que, durante anos, Hytalo e Euro utilizaram um “arranjo familiar” irregular para aliciar adolescentes vulneráveis da região de Cajazeiras (PB), conhecidos como “crias do HS”. O casal teria oferecido promessa de fama, ajuda financeira e despesas básicas para convencer famílias de baixa renda a permitir que os jovens deixassem suas cidades e fossem morar com eles, em João Pessoa.
Segundo o MPT, os adolescentes eram expostos diariamente nas redes sociais em conteúdos com forte conotação sexual, aparecendo seminus, em danças sensualizadas e em contextos que geravam monetização para o influenciador.
Além disso, acompanhavam o casal em festas, viagens e ambientes considerados moralmente inadequados, incluindo locais ligados ao crime organizado, onde teriam sido ostentados como “troféus”.
A nota do órgão relata ainda que os jovens passaram por um processo de transformação estética para intensificar apelo sexual, com procedimentos sucessivos financiados pelos réus.
Testemunhas ouvidas pelo MPT — incluindo ex-assessores e profissionais de segurança do casal — descreveram um cenário de cárcere privado e exploração laboral, com características como isolamento familiar e social, controle de celulares e comunicação, cerceamento da liberdade de ir e vir, rotina exaustiva de gravações e privação de sono, ausência de remuneração, coação psicológica, supressão de autonomia pessoal e financeira, interferência na identidade de gênero e orientação sexual.
O conjunto dessas práticas enquadra o caso, segundo o MPT, como uma das piores formas de trabalho infantil, tipificadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Ministério Público do Trabalho pede:
• R$ 12 milhões em dano moral coletivo
• indenizações individuais entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões para cada vítima
• medidas de proteção, com assistência médica, social e psicológica
• que os valores destinados a vítimas menores de idade sejam depositados em poupança liberada apenas após os 18 anos
Para garantir o pagamento das reparações, a Justiça do Trabalho já havia determinado, desde agosto, o bloqueio de bens, empresas e veículos de luxo ligados ao casal, até o limite de R$ 20 milhões.
A nota aponta que pais e mães dos adolescentes também contribuíram para o cenário, ao permitirem a mudança dos filhos para longe da família, aceitarem vantagens financeiras e negligenciarem saúde, educação e supervisão.
Apesar disso, o MPT decidiu não pedir punições financeiras aos genitores, considerando a situação de vulnerabilidade das famílias.
Ainda assim, o órgão solicitou que a Justiça imponha proibições formais, sob pena de multa, como:
• impedir participação dos filhos em conteúdo digital com conotação sexual
• evitar qualquer forma de exploração sexual
• coibir submissão às piores formas de trabalho infantil
O órgão destaca que não importa se adolescentes ou pais afirmaram consentir com a participação nos vídeos. Para o MPT, as vítimas — algumas aliciadas ainda com menos de 10 anos — não teriam plena capacidade de reconhecer a violência, e estariam sujeitas a influência psicológica, dependência afetiva e efeitos semelhantes à chamada Síndrome de Estocolmo.
A pedido do Ministério Público, a Justiça determinou o envio de ofícios a unidades da assistência social, Defensorias Públicas e serviços de saúde mental para que as vítimas recebam acompanhamento psicológico, médico e social.