LEONARDO VOLPATO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dia 15 de setembro de 2016 ficou marcado como uma data que chocou o país. Naquela ocasião, o corpo do ator Domingos Montagner, então com 54 anos, foi encontrado no rio São Francisco (SE) num intervalo das gravações da novela “Velho Chico”, que estava na reta final.
Em um momento de lazer, o nado despretensioso tornou-se o fim da carreira do artista conhecido principalmente por sua trajetória no circo Zanni desde 2004 e no grupo LaMínima de teatro desde 2000.
Naquele ano, seus filhos Leo, Antonio e Dante tinham 13, 9 e 5 anos, respectivamente. Segundo a produtora cultural, artista circense e mulher de Domingos, Luciana Lima de Freitas, 47, o momento da perda trouxe a todos eles uma dor imensurável.
“A gente não conseguia pensar como seria dali para frente. E começamos a viver um dia de cada vez para não ficar tão pesado quando fôssemos pensar no futuro. Os amigos, os familiares, a escola e a rotina tiveram um papel fundamental para retomarmos a vida e começar a ressignificar tudo à nossa volta”, afirma ela, que conheceu o marido em julho de 1999, em Natal (RN).
Com o passar dos anos, ela diz, “nós crescemos muito como núcleo familiar, ficamos ainda mais próximos e hoje é muito lindo vê-los [filhos] seguindo a vida”. Os garotos, inclusive, seguem os passos do pai no circo.
“Eles nasceram inseridos nesse universo lúdico, divertido, mágico e estimulante do circo e do teatro, era muito natural que eles se encantassem e quisessem fazer parte de tudo aquilo. Tiveram seus momentos de participações no circo Zanni. Cada um teve o seu momento de estrear o seu palhaço, a sua máscara e seu figurino”, celebra Luciana.
Depois da partida do pai, eles continuaram a frequentar e participar das apresentações do circo. Porém, com a pandemia e o distanciamento da rotina em picadeiro, o momento virou de incertezas. “Eles ainda não sabem se irão querer retornar. Com exceção do Leo, nosso mais velho que voltou no final de 2019 e hoje faz parte da Banda Musical do Circo, onde toca piano”, revela Luciana.
O Zanni, em 2020, teve de adaptar projetos para o online. Dessa forma, durante o ano, conseguiram algum subsídio para se manterem. Também foi feita uma campanha de financiamento coletivo para bancar parte dos gastos de uma sede recém-inaugurada.
Além de relembrar as histórias do marido no circo, Luciana diz que tem como rotina de tempos em tempos rememorar fotos e vídeos com Montagner para manter sua memória sempre viva em casa. “É algo que acontece espontaneamente e é leve, nunca com um tom de pesar. Isso tem muito a ver com a energia que o Domingos sempre imprimiu”, conta.
Nesses cinco anos sem Domingos Montagner, a produtora cultural afirma que o apoio de amigos e fãs foi imprescindível para seguir em frente. “Essa rede de pessoas teve e têm um papel fundamental, não só para amenizar a dor da ausência física, mas também para enaltecer sua memória e seu legado deixado”, completa.
COLEGAS DE TRABALHAM RELEMBRAM O ATOR
Amigos e colegas com os quais Domingos Montagner contracenou não se esquecem do ator. Hoje, cinco anos após sua morte, eles se recordam dos principais momentos que guardam de Montagner nos bastidores das tramas que fizeram juntos.
Bianca Bin, 31, que com ele fez “Cordel Encantado” (2011) e interpretou a irmã do ator em “Joia Rara” (2014), diz que uma das principais qualidades de Montagner era o carinho com que tratava as pessoas.
“Me lembro do dia que não estávamos mais trabalhando juntos e ele foi me fazer uma visita no estúdio para saber como eu estava me saindo com o desafio do novo trabalho. Foi me levar um abraço incentivador. Ele era muito amado, porque sempre soube da importância de espalhar esse amor”, diz.
No dia da morte, Bianca estava em Portugal de férias e em uma festa. Ela não acreditou quando começou a receber mensagens falando da perda. “Foi difícil de acreditar. A minha primeira reação foi negar. Não conseguia parar de pensar na sua luz e na saudade que eu já sentia e que só iria aumentar. Quando cheguei em casa, fui para o banho aos prantos. Silêncio. Dor profunda.”
Porém, o que ela mais quer lembrar é do último encontro. “Ambos correndo, ele no carrinho, eu a pé. Nos cruzamos e ele abriu os braços e gritou: ‘Bibi, te amo!’. Nunca mais vou esquecer essa imagem. Eu também te amo, meu amigo”, completa.
Para a atriz Tania Khalill, 44, “Domingos veio com muitas missões, mas a principal delas era encantar, ser gentil, amoroso e principalmente simples”. Como ambos eram de São Paulo, costumavam viajar juntos ao Rio para gravar “Salve Jorge” (2012), trama na qual viviam um par romântico.
Nessa novela, aliás, Tania e Montagner passaram por um susto, como recorda a atriz. “O cavalo que a gente gravava empinou e ele [Domingos] conseguiu dar um jeito de virar o animal e nosso tombo não foi tão grande. Mas ficamos dias andando parecendo velhinhos com mão no quadril”, diz.
Assim como Bianca, Tania exalta a amorosidade e simplicidade do colega. “Uma das coisas que mais me encantou foi como um artista que veio do circo e rodou o país se tornou uma estrela e isso nunca fez a menor diferença no sentido de estrelismo.”
Viver o filho do personagem de Montagner em “Velho Chico” (2016) foi “intenso e inesquecível” para o ator Gabriel Leone, 28. Ele estava presente na mesma região do rio São Francisco (SE) no dia em que o colega de cena se afogou. Eles gravavam cenas finais da trama que teve de se encerrar com homenagem a ele.
“Encho a boca e o peito para contar onde for e a quem for sobre a minha saudade e a honra que foi tê-lo como amigo e parceiro de cena. Com ele aprendi desde a tomar café sem açúcar até a me portar de forma gentil, sem deixar de ser firme”, diz Leone.
Ele relembra a força das das cenas com olhos nos olhos. “Me emociona sentir que carrego comigo um pedacinho dele. Domingos existirá para sempre em nossas memórias, nossos corações, nos sets, palcos e picadeiros do Brasil. Paizão.”
Na mesma novela, a atriz e cantora Lucy Alves, 35, teve o privilégio de viver Luzia, a mulher de Montagner, cujo personagem era Santo dos Anjos. Para ela, foi ainda mais especial por ser sua estreia na dramaturgia.
“Domingos era uma pessoa tão leve e despida de vaidades. Eu tive uma oportunidade única de tê-lo como meu primeiro parceiro de cena e isso me deixou confiante e leve para atuar. Ele emanava muita luz e amor. Deixou saudades, muitos fãs e uma linda obra. Um palhaço incrível. Um ser humano esplêndido.”
Já a amizade entre Leonardo Medeiros, 56, e Domingos se estreitou em 2015 quando ambos viveram os melhores amigos Lauro e Miguel em “Sete Vidas”. Foi o único trabalho de ambos juntos.
“Quando acabou a novela eu ligava para ele quando tinha dúvidas sobre trabalhos. Ele era sempre muito transparente e me ajudava. O Brasil perdeu um ator, mas o mais trágico é a falta que ele faz à família, sobre quem ele falava muito e com muito respeito e amor. Ele era um desses heróis guerreiros”, conclui.