FERNANDA EZABELLA
LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – Cem anos atrás, o diretor de cinema Cecil B. DeMille construía um campo de pouso em Los Angeles para sua companhia aérea, no local onde hoje fica a badalada esquina da Fairfax com a Wilshire. Na falta de antigos aviões e dirigíveis, agora é um outro tipo de veículo que aterrissou na região, mas não ouse comparar esses novos equipamentos às aeronaves de “Star Wars”.
“Podem chamar de zepelim, pronto para levar você para um outro mundo”, disse o arquiteto italiano Renzo Piano, de 84 anos, responsável pela gigantesca esfera de cimento e vidro que abriga o cinema do recém-inaugurado Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas -que abre ao público nesta quinta-feira.
“Mas, por favor, não o chame de Death Star. Não tem nada a ver”, pediu, em referência à nave redonda do Império Galáctico. “E por que não o chamar de bolha de sabão? Essa aqui não vai estourar, foi muito bem feita.”
O cinema é todo forrado de vermelho, com mil poltronas da mesma cor, e está conectado ao Saban Building, um edifício dos anos 1930 com sete andares, reformado também por Piano para receber exposições temporárias e parte do acervo valioso da Academia.
Com mais de 10 milhões de artefatos cinematográficos colecionados desde os anos 1920, a Academia sempre teve seu sonho de museu próprio. O projeto atual, que levou 20 anos de preparação e tinha data de abertura em 2017, tem orçamento de US$ 482 milhões, dos quais US$ 388 milhões foram levantados pela iniciativa privada entre 2012 e 2020.
O museu intercala uma narrativa educativa e um apelo saudosista, dando ainda espaço para nomes pouco celebrados do cinema.
Há câmeras antigas de madeira e lanternas mágicas do século 19 para dar conta dos primórdios do cinema, com exibição dos curtas pioneiros dos irmãos Lumiére. Uma mesa antiga de edição apresenta o trabalho de Thelma Schoonmaker e a arte da montagem, enquanto um roteiro de “Veludo Azul”, de 1986, repleto de anotações de Laura Dern aborda o processo de atuação e casting.
A nostalgia cinéfila bate quando o visitante se depara com o tubarão do filme de Steven Spielberg pendurado em cima da escada rolante, ou com o trenó Rosebud de “Cidadão Kane”, de 1941.
Há ainda o boneco de “E.T. – O Extraterrestre”, de 1982, os sapatinhos vermelhos de Dorothy do “Mágico de Oz”, de 1939, e figurinos sem fim, como a camisa havaiana de Brad Pitt em “Era uma Vez em… Hollywood”, de 2019, e o vestido de flores de “Midsommar”, de 2019.
Criticada pela falta de diversidade na sua premiação anual do Oscar, a Academia caprichou em seleções pouco óbvias.
Ao lado de clássicos “Cidadão Kane”, está o filme “Mulheres de Verdade Têm Curvas”, de 2002, um marco do cinema latino da diretora Patricia Cardoso. Outros destaques são Emmanuel “Chivo” Lubezki, diretor de fotografia mexicano indicado ao Oscar oito vezes, e Oscar Micheaux, considerado o primeiro grande cineasta afro-americano.
Entre as exposições temporárias, a principal é de Hayao Miyazaki e seu estúdio Studio Ghibli, com 400 objetos que mergulham no universo das animações do diretor japonês. Há também uma galeria dedicada a artistas internacionais, inaugurada com Pedro Almodóvar e 12 telas que exibem trechos de seus longas.
A programação do cinema, liderada pelo pesquisador Bernardo Rondeau, brasileiro radicado nos Estados Unidos desde os anos 1980, segue a mesma ideia de celebrar clássicos e também momentos e figuras normalmente não tão apreciados na história do cinema.
Ao lado de uma programação popular de filmes de Halloween e todos os trabalhos de Miyazaki, estão uma retrospectiva do diretor etíope Haile Gerima, cujos trabalhos nos Estados Unidos trouxeram uma nova perspectiva social e política das comunidades negras, e uma seleção de longas cujas trilhas sonoras foram assinadas por mulheres.
O Oscar tem sua própria galeria e apresenta 20 discursos históricos, como o de Kathryn Bigelow, primeira mulher a ganhar o prêmio de melhor direção, em 2009. E, como não poderia faltar um leve toque de breguice, o visitante pode ser filmado recebendo o prêmio e dando seu próprio agradecimento. A experiência custa US$ 15 além do ingresso de US$ 25.
“Se você quiser ler cada pedaço de informação, ver cada clipe em todos esses corredores e galerias, e olhar cada um desses artefatos e exposições, você vai levar três dias e meio”, avisou Tom Hanks, um dos responsáveis pela campanha de arrecadação de fundos do museu.
“Há outras cidades pelo mundo com museus de cinema, mas, com todo o respeito, este museu aqui realmente vai ser o Partenon dos museus de cinema”, continuou o ator. “Precisamos de um museu do cinema em Los Angeles? Sim, precisamos! Porque precisamos celebrar tudo o que esta cidade trouxe para o mundo.”