GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Os jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, ganharam o prêmio Nobel da Paz de 2021. O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira (8) pelo comitê norueguês do Nobel.
Ressa, repórter filipina-americana, é editora do site de jornalismo investigativo Rappler e foi presa pelo governo de Rodrigo Duterte, em 2019, acusada de violar uma controversa legislação contra “difamação cibernética” por causa de uma reportagem em que acusava um empresário filipino de atividades ilegais.
Já Muratov é cofundador e editor-chefe do “Novaia Gazeta” (novo jornal, em russo), um dos principais jornais de oposição ao governo de Vladimir Putin. O comitê norueguês descreveu o veículo como o mais independente da Rússia atualmente.
A escolha, justificou a porta-voz do comitê, Berit Reiss-Andersen, foi um aceno à defesa das liberdades de imprensa e de expressão, “pré-requisitos para sociedades democráticas e a paz duradoura”.
“Esse prêmio não vai resolver os problemas que os jornalistas e a liberdade de expressão vêm enfrentando, mas joga luz sobre o trabalho dos jornalistas e o quão difícil é exercer a liberdade de expressão não apenas em regiões de conflito armado, mas em todo o mundo”, disse.
Ressa e Muratov foram escolhidos entre um universo de 329 candidatos, que incluía 234 indivíduos e 95 organizações -o terceiro maior número de todos os tempos. Os demais nomes na lista só serão tornados públicos daqui a cinco décadas, seguindo as regras do prêmio.
A jornalista se tornou a 18ª mulher a ser escolhida para o Nobel da Paz desde que a distinção começou a ser entregue, em 1901. Em uma plataforma do jornal Rappler nas redes sociais, ela disse esperar que o prêmio seja “um reconhecimento de como é difícil ser jornalista hoje” e que “dê energia para continuar na batalha pelos fatos”.
Ainda que seja alvo de críticas de Dmitri Muratov, o Kremlin parabenizou o jornalista pela premiação. “Ele trabalha persistentemente de acordo com seus próprios ideais, é dedicado a eles, talentoso e corajoso”, disse o porta-voz Dmitri Peskov a repórteres pouco após o anúncio do comitê notureguês.
Ele é o primeiro russo a ganhar o prêmio Nobel da Paz desde o político Mikhail Gorbachov, laureado em 1990 pelo papel de liderança que desempenhou nas mudanças radicais nas relações Leste-Oeste. Gorbachov, aliás, ajudou a fundar o Novaia Gazeta, jornal para o qual trabalha Muratov, em 1993, com parte do dinheiro que recebeu ao ganhar o prêmio.
A liberdade de expressão rondava os nomes cotados para ganhar a edição de 2021 do Nobel da Paz. A organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras, fundada em 1985 e responsável por monitorar, em 130 países, as relações de chefes de governo com a imprensa local, era apontada como possível vencedora.
O prêmio é o primeiro para jornalistas desde que o alemão Carl von Ossietzky o ganhou, em 1935, por revelar o programa secreto de rearmamento de seu país no pós-guerra. Antes dele, dois jornalistas haviam sido laureados: o italiano Ernesto Teodoro Moneta, em 1907, por seu trabalho para um entendimento entre a França e a Itália, e o suíço Élie Ducommun, pela direção do Bureau da Paz.
O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literatura, química, física e medicina. Uma sexta -economia- foi adicionada décadas mais tarde, em 1969.
Até a metade do século 20, os vencedores da categoria paz eram “políticos ativos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais”. Desde o fim da Segunda Guerra, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco mudou para iniciativas que tentem limitar mudanças climáticas causadas pelo homem.
Há alguns anos, o Nobel da Paz vem recebendo críticas devido às suas escolhas. Em 2019, por exemplo, o laureado foi o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, contemplado por ter encerrado a guerra com a Eritreia -um ano depois, porém, ele liderou outro confronto no norte do país.
Durante a cerimônia de anúncio da premiação nesta sexta, a porta-voz do comitê norueguês, Berit Reiss-Andersen, foi questionada sobre a guerra travada pelo governo e por combates regionais da região do Tigré, mas disse que não comentaria premiações anteriores. Ainda assim, declarou que “a situação para a liberdade de expressão na Etiópia está muito longe do ideal e enfrentando severas restrições”.
Já em 2009, o ex-presidente dos EUA Barack Obama ainda estava em seu primeiro ano de mandato quando foi laureado. O próprio democrata disse não saber o motivo de ter sido agraciado. Mais recentemente, na quinta (7), Shimon Peres (1923-2016), um dos fundadores de Israel e Nobel da Paz em 1994, foi acusado de assédio sexual por uma ex-diplomata.
Entregue apenas a autores vivos, o prêmio nasceu para cumprir o testamento do químico Alfred Nobel. O curioso é que, em vida, o sueco ficou conhecido por ter inventado um artefato utilizado em guerras: a dinamite. Seu pai era dono de uma fábrica de explosivos em São Petersburgo, e foi lá que um jovem Nobel, com pouco mais de 15 anos, interessou-se pela nitroglicerina, elemento essencial do explosivo.
A descoberta não tinha o objetivo de ser usada em campos de batalha. A ideia inicial de Nobel era que o artefato lhe ajudasse em seu trabalho: como engenheiro, construía pontes e prédios em Estocolmo, e a dinamite poderia implodir pedras para tal fim. Ele patenteou a invenção nos EUA em 1867, quando tinha 34 anos. Nas décadas seguintes, fez disso um negócio lucrativo e no final da vida era dono de 355 patentes, boa parte delas relativas a novas descobertas feitas a partir da dinamite.
Pouco antes de morrer de hemorragia cerebral, aos 63, deixou em seu testamento que 94% de seus ativos deveriam ser destinados à criação de um fundo para premiar iniciativas que ajudassem a humanidade.