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Nobel de Física 2021 vai para pesquisa de sistemas complexos, com destaque para predição do aquecimento global
05/10/2021 / 14:24
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SALVADOR NOGUEIRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O prêmio Nobel em Física deste ano foi dedicado ao estudo de sistemas complexos, dentre eles os que permitem a compreensão das mudanças climáticas que afetam nosso planeta. A escolha coloca um carimbo definitivo de consenso sobre a ciência do clima.

Os pesquisadores Syukuro Manabe, dos Estados Unidos, e Klaus Hasselmann, da Alemanha, foram premiados especificamente por modelarem o clima terrestre e fazerem predições sobre o aquecimento global. A outra metade do prêmio foi para Giorgio Parisi, da Itália, que revelou padrões ocultos em materiais complexos desordenados, das escalas atômica à planetária, em uma contribuição essencial à teoria de sistemas complexos, com relevância também para o estudo do clima.

“Muitas pessoas pensam que a física lida com fenômenos simples, como a órbita perfeitamente elíptica da Terra ao redor do Sol ou átomos em estruturas cristalinas”, disse Thors Hans Hansson, membro do comitê de escolha do Nobel, na coletiva que apresentou a escolha. “Mas a física é muito mais que isso. Uma das tarefas básicas da física é usar teorias básicas da matéria para explicar fenômenos e processos complexos, como o comportamento de materiais e qual é o desenvolvimento no clima da Terra. Isso exige intuição profunda por quais estruturas e quais progressões são essenciais, e também engenhosidade matemática para desenvolver os modelos e as teorias que as descrevem, coisas em que os laureados deste ano são poderosos.”

Eles vão dividir a bolada de 10 milhões de coroas suecas (R$ 6,25 milhões), na badalada premiação concedida pela Academia Real de Ciências da Suécia. Isso sem falar no prestígio que um Nobel traz à carreira de um cientista.

Para além da ciência, a escolha deste ano vem como um recado político para as delegações do mundo inteiro que devem se reunir na Conferência do Clima (COP) 26 da ONU (Organização das Nações Unidas), em Glasgow, Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro.

“Eu acho que é urgente que tomemos decisões muito fortes e nos movamos em um passo forte, porque estamos numa situação em que podemos ter uma retroalimentação positiva e isso pode acelerar o aumento de temperatura”, disse Giorgio Parisi, um dos vencedores, na coletiva de apresentação do evento. “É claro que para as gerações futuras nós temos de agir agora de uma forma muito rápida.”

A escolha e o “recado” foram bem recebidos pela comunidade científica. “Sem dúvida são grandes cientistas sobre o sistema climático do planeta e isso, sem dúvida, é uma posição do prêmio Nobel sobre a importância, relevância, emergência e urgência das mudanças climáticas”, disse à Folha o climatologista Carlos Nobre, membro da Comissão de Ciências Ambientais do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

CIÊNCIA DO CLIMA

A ideia de que existia algo como o efeito estufa vinha do século 19. Em 1824, o francês Joseph Fourier investigou o que acontecia à radiação solar quando tocava o solo e era parcialmente refletida, na forma de “calor escuro”, o que hoje chamamos de radiação infravermelha.

Em 1901, o sueco Svante Arrhenius colocou a próxima peça no quebra-cabeça, ao descrever como o efeito estufa era gerado, com a absorção no infravermelho por certas moléculas da atmosfera, traduzindo esse processo matematicamente. Arrhenius tentava entender as eras glaciais, um fenômeno então recentemente descoberto. Ele calculou que, se a quantidade de dióxido de carbono (CO2) atmosférico caísse pela metade, a Terra poderia entrar em uma nova era glacial. Inversamente, dobrar a quantidade de dióxido de carbono elevaria a temperatura em 5 a 6° C. As glaciações, hoje sabemos, são causadas por outros processos (os chamados ciclos de Milankovitch, que têm a ver com variações orbitais e do eixo de rotação da Terra), embora haja correlação entre variação de dióxido de carbono atmosférico e glaciações (observada em registros naturais do último milhão de anos).

Egresso do Japão nos anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial, o físico Syukuro Manabe se instalou nos Estados Unidos, onde realizou pesquisas no que viria a ser o Laboratório Geofísico de Dinâmica de Fluidos da Noaa (Administração Nacional de Atmosfera e Oceanos dos EUA). Ao longo da década de 1960, ele se tornou o primeiro pesquisador a explorar a interação entre o balanço de radiação (energia que chega do Sol e é refletida pela Terra como infravermelho) e o transporte de massas de ar por conta do processo de convecção (ar quente sobe, ar frio desce), levando em conta a contribuição de calor do ciclo da água. Esse trabalho foi a base dos modernos modelos climáticos, que permitem a investigação dos efeitos do aumento do CO2 atmosférico, principal gás-estufa, ao longo do tempo.

Com efeito, o modelo computacional original de Manabe, apesar de ser uma simplificação radical da natureza, já mostrava esse impacto. Construído em apenas uma dimensão (uma coluna com 40 km de altura), ele ainda assim exigia centenas de horas para ser rodado com os computadores da época e mostrava que oxigênio e nitrogênio não tinham efeito na temperatura da superfície, diferentemente do dióxido de carbono, que, ao ser duplicado, provocava uma elevação de temperatura de mais de 2° C.

Uma década depois, Klaus Hasselmann, como diretor fundador do Instituto Max Planck para Meteorologia, em Hamburgo, na Alemanha, deu mais um passo adiante na ciência do clima, ao conseguir superar o desafio que envolve a complexidade da meteorologia.

Tempo e clima, como todo mundo menos o Alexandre Garcia sabe, são coisas bem diferentes. O tempo envolve processos caóticos na atmosfera, com imensa variabilidade e sensibilidade, que vão tornando a predição cada vez mais insegura, conforme o tempo passa. Ninguém consegue fazer uma boa previsão meteorológica com mais de dez dias, e depois de cinco ela já fica bem menos precisa.

Já o clima, grosso modo, representa a média do tempo, ao longo de períodos que vão de anos a décadas. O grande avanço de Hasselmann, por volta de 1980, foi criar um modelo que conectava tempo e clima, tratando fenômenos meteorológicos de curto prazo como “ruído variável” em um sistema climático mais amplo. Foi a sacada que permitiu desenvolver predições climáticas confiáveis e tornou as atuais projeções sobre o aquecimento global possíveis. Hasselmann também contribuiu no desenvolvimento de métodos para identificar o impacto humano na temperatura global observada.

COMPLEXIDADE

A outra metade do prêmio foi para contribuições apenas aparentemente desconexas feitas pelo italiano Giorgio Parisi. Ele fez descobertas de como eventos aparentemente aleatórios na verdade são regidos por regras ocultas, com trabalhos que foram essenciais para a formação da teoria de sistemas complexos (o clima, naturalmente, é um deles).

É o terreno da mecânica estatística, que envolve o estudo do comportamento coletivo de sistemas compostos por muitas partículas que têm ação individual aleatória. Suas bases foram lançadas no fim do século 19, por James Clerk Maxwell, Ludwig Boltzmann e J. Willard Gibbs, e permitem o estudo do comportamento de gases e líquidos.

Parisi, contudo, se concentrou originalmente em um sistema diferente, algo que os físicos chamam de um vidro de spin. É um padrão que pode ser encontrado, por exemplo, em uma liga metálica em que átomos de ferro são misturados aleatoriamente em uma grade de átomos de cobre. É extremamente complicado prever para onde apontará o spin (algo como o eixo de rotação) dos átomos de ferro em um arranjo como esse, em que a proximidade com os vizinhos pode alterar seu comportamento.

Coube ao pesquisador italiano achar uma forma de descrever matematicamente esse sistema e oferecer uma forma de predizer seu comportamento, a despeito de sua aparente intratabilidade inicial.

A descrição é um tanto quanto abstrata, mas seu impacto foi colossal para a descrição dos chamados sistemas frustrados. O nome engraçado tem a ver com o que acontece neles: seus vários componentes acabam se organizando de uma forma que conjuga diferentes forças opostas agindo ao mesmo tempo, frustrando umas as outras.

Para além da ciência de materiais, os trabalhos de Parisi têm implicações as mais diversas, como a recorrência de glaciações (algo que ele pessoalmente estudou) ou mesmo o padrão coletivo do arrulho de milhares de pássaros. É basicamente a busca da ligação entre comportamentos coletivos complexos a partir de ações simples individuais, algo que se aplica a todas as escalas, dos átomos ao Universo.

COMO É ESCOLHIDO O GANHADOR DO NOBEL

A tradicional premiação do Nobel teve início com a morte do químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite. Em 1895, em seu último testamento, Nobel registrou que sua fortuna deveria ser destinada para a construção de um prêmio —o que foi recebido por sua família com contestação. O primeiro prêmio só foi dado em 1901.

O processo de escolha do vencedor do prêmio da área de física começa no ano anterior à premiação. Em setembro, o Comitê do Nobel de Física envia convites (cerca de 3.000) para a indicação de nomes que merecem a homenagem. As respostas são enviadas até o dia 31 de janeiro.

Podem indicar nomes os membros da Academia Real Sueca de Ciências; membros do Comitê do Nobel de Física; ganhadores do Nobel de Física; professores física em universidades e institutos de tecnologia da Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia e Noruega, e do Instituto Karolinska, em Estocolmo; professores em cargos semelhantes em pelo menos outras seis (mas normalmente em centenas de) universidades escolhidas pela Academia de Ciências, com o objetivo de assegurar a distribuição adequada pelos continentes e áreas de conhecimento; e outros cientistas que a Academia entenda adequados para receber os convites.

Autoindicações não são aceitas.

Começa então um processo de análise das centenas de nomes apontados, com consulta a especialistas e o desenvolvimento de relatórios, a fim de afunilar a seleção. Finalmente, em outubro, a Academia, por votação majoritária, decide quem receberá o reconhecimento.

HISTÓRICO RECENTE DO NOBEL DE FÍSICA

A descoberta de buracos negros e o impacto disso na compreensão do Universo levaram o Nobel de Física de 2020. A láurea foi dividida entre Roger Penrose, Reihard Genzel e Andrea Ghez.

Ghez é somente a quarta mulher premiada com o Nobel de Física, entre 216 homenageados.

Já em 2019, o prêmio ficou James Peebles, Michel Mayor e Didier Queloz, mais uma vez, por pesquisas cósmicas, que ajudaram a explicar melhor o funcionamento do Universo.

Peebles ajudou a entender como o Universo evoluiu após o Big Bang, e Mayor e Queloz descobriram um exoplaneta (planeta fora do Sistema Solar) que orbitava uma estrela do tipo solar.

Pesquisas com laser foram premiadas em 2018, com láureas para Arthur Ashkin, Donna Strickland e Gérard Mourou.

Indo um pouco mais longe, o prêmio já esteve nas mãos de Max Planck (1918), por ter lançado as bases da física quântica e de Albert Einstein (1921), pela descoberta do efeito fotoelétrico. Niels Bohr (1922), por suas contribuições para o entendimento da estrutura atômica, e Paul Dirac e Erwin Schrödinger (1933), pelo desenvolvimento de novas versões da teoria quântica, também foram premiados.