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Nobel de Física 2025 premia pesquisas sobre fenômenos quânticos em escala macroscópica
08/10/2025 / 11:02
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Da esquerda para a direita, John Clarke, Michel H. Devoret e John M. Martinis, que dividem a láurea de Física deste ano – Crédito: Christine Olsson/TT/via Reuters

No centenário da fundação da mecânica quântica, a base teórica que explica o comportamento da matéria em suas menores escalas, o comitê do Nobel decidiu premiar um trio de físicos por revelar a presença de efeitos aparentemente malucos e contraintuitivos da teoria mesmo em sistemas macroscópicos, explorando a turva divisa entre os mundos clássico e quântico.

Os três ganhadores têm laços com a Califórnia, nos Estados Unidos. O britânico John Clarke, 83, pertence à Universidade da Califórnia em Berkeley, e seus colegas, o francês Michel H. Devoret e o americano John Martinis, à Universidade da Califórnia em Santa Cruz, sendo que Devoret também tem laços com a Universidade de Yale.

Em anúncio realizado nesta terça-feira (7) na sede da Academia Real de Ciências da Suécia, em Estocolmo, os três dividiram o Prêmio Nobel em Física pela “descoberta de tunelamento quântico e quantização de energia macroscópicos em um circuito elétrico”.

A escolha vem bem a calhar, justamente no centenário da moderna teoria quântica, iniciada por Werner Heisenberg, em 1925. O físico alemão foi o primeiro a teorizar a natureza bizarramente probabilística de objetos quânticos. Átomos estão longe de ser réplicas em miniatura de sistemas solares, como até então se pensava, e partículas não podem ser comparadas a bolas de bilhar. Isso porque, quando falamos de planetas ou de quaisquer outros objetos macroscópicos, todos podemos concordar sobre o local em que estão e a velocidade com que se deslocam.

Na mecânica quântica, essa realidade que nos parece tão óbvia se desfaz: partículas elementares não têm posição ou velocidade definidas —elas existem numa sobreposição de todas as posições ou velocidades possíveis para elas, até que sejam observadas por algum aparato experimental. E mais: há limites estritos sobre o que essas medições podem revelar a respeito delas. Se o físico mede com precisão a velocidade de uma partícula, a ele é vedado saber com precisão a posição dela, e vice-versa.

É o chamado princípio da incerteza, formulado por Heisenberg em 1927 e base dos fenômenos quânticos, em que fenômenos podem se manifestar como ondas ou como partículas, dependendo de como os sondamos —a realidade quântica depende essencialmente do observador e de como ele a aborda.

NA FRONTEIRA

A natureza probabilística da mecânica quântica torna possíveis fenômenos que, do ponto de vista clássico, seriam impraticáveis. Se você atira uma bola numa parede, ela inevitavelmente vai ricochetear e voltar na sua direção. Mas o mesmo não necessariamente vai ocorrer com uma “bola” quântica. Como ela não respeita as leis do movimento clássicas, mas a mecânica quântica, que diz que ela estará em todos lugares possíveis ao mesmo tempo, baseada em sua função de onda (descrita por Erwin Schrödinger, na formulação mais usada da mecânica quântica, criada um ano depois da de Heisenberg), isso inclui algumas possíveis localizações além da parede. Com suficiente repetição do experimento, em algumas vezes, a “bola” quântica ignorará a presença do bloqueio e aparecerá do outro lado —fenômeno conhecido como tunelamento (é como se ela tivesse aberto um túnel quântico para o outro lado do muro).

Apesar de contraintuitivo, o tunelamento é real, e explica uma gama variada de fenômenos, desde o decaimento radioativo, em que parte de um núcleo atômico se separa dele, até a compreensão de como buracos negros podem perder energia e evaporar —determinação feita pelo famoso (mas jamais premiado com o Nobel) físico britânico Stephen Hawking.

Mas ninguém pode deixar de notar que, para a física do dia a dia, isso não acontece. Temos aí um aparente disparate: como partículas individuais, regidas pela mecânica quântica, podem ter esses comportamentos bizarros, mas objetos macroscópicos, que são em essência compostos por agregados de partículas, não?

Ninguém entende exatamente como se dá a separação entre o clássico e o quântico. Especula-se que, em certas circunstâncias e a partir de uma determinada escala, há um “colapso da função de onda”, e a natureza deixa de agir de forma probabilística e se torna determinística, como parece ser o mundo à nossa volta.

É justamente nessa interface entre dois mundos incongruentes que entra o trabalho de Clarke, Devoret e Martinis: em seus experimentos, começando em 1985 em Berkeley, eles revelaram que, dadas as circunstâncias corretas, fenômenos quânticos, como o tunelamento, podem se apresentar mesmo em sistemas macroscópicos, como um circuito elétrico.

No mesmo ano, eles fizeram outra demonstração incrível: que a própria quantização de energia poderia surgir no contexto macroscópico. É algo que está na base de toda a teoria quântica: a noção de que energia só pode ser trocada em pacotes, mínimos, discretos, chamados de quanta, o que torna qualquer quantidade necessariamente um múltiplo dessas unidades —formando uma escadinha sem valores intermediários entre os degraus. Em seu experimento, o trio demonstrou que esse fenômeno pode ganhar escala macroscópica.

A transposição de fenômenos quânticos para o mundo clássico é um preceito fundamental para o desenvolvimento de tecnologias que façam uso deles, como as muito badaladas hoje computação e criptografia quânticas. Daí a importância dos trabalhos hoje premiados —além de oferecer uma janela de estudo para compreender a própria natureza do Universo, eles dão luz a potenciais revoluções tecnológicas ora em curso.

EM PERSPECTIVA

Com o anúncio desta terça-feira, já são 119 concessões de Prêmio Nobel em Física, realizadas entre 1901 e 2025 (em seis anos não houve premiados), para 229 pessoas (as regras impõem no máximo três por ano).

A premiação de 11 milhões de coroas suecas (equivalente a aproximadamente R$ 6,3 milhões), a ser dividida entre os ganhadores, foi estabelecida como desejo deixado em testamento por Alfred Nobel (1833-1896), químico e empresário sueco famoso pela invenção da dinamite no século 19.

A cerimônia de entrega das láureas em Estocolmo está agendada para 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred.

Os vencedores do ano passado foram o americano John Hopfield e o britânico Geoffrey Hinton, numa premiação voltada à inteligência artificial. Eles foram premiados especificamente por descobertas fundacionais e invenções que permitem o aprendizado com redes neurais artificiais.

Ainda na categoria de Física, somente uma pessoa foi agraciada duas vezes: o americano John Bardeen (1908-1991), que recebeu o prêmio de Física em 1956 e em 1972.

Marie Curie (1867-1934) também é uma das pouquíssimas pessoas a ganhar o Nobel duas vezes, porém isso se deu em duas categorias: primeiro em Física em 1903 e em Química mais tarde, em 1911.

O detentor mais jovem de um Nobel de Física é o australiano William Lawrence Bragg (1890-1971). Ele tinha 25 anos em 1915 quando dividiu a láurea com o seu pai, sir William Henry Bragg (1862-1942), por pesquisas voltadas à análise da estrutura de cristais por meio de raios X.

O mais velho, por sua vez, é Arthur Ashkin (1922-2020). Ele recebeu sua láurea em 2018 aos 96 anos por pesquisas com laser. O americano inventou as chamadas pinças ópticas, que usam a força do raio laser focalizada para manipular objetos microscópicos, incluindo organismos vivos, como vírus e bactérias.

No Nobel de Física, a maioria dos laureados é de homens. Além de Curie, apenas outras quatro mulheres foram premiadas: a alemã Maria Goeppert Mayer (1906-1972) em 1963; a canadense Donna Strickland, 66, em 2018; a americana Andrea Ghez, 60, em 2020; e a francesa Anne L’Huillier, 67, em 2023.

Com informações da Folha de São Paulo