De todos os elementos que fizeram de Pânico o que ele é, nada funciona mais ou exemplifica melhor o espírito da franquia do que sua mania de autorreferência. Sim, a sequência de filmes de Wes Craven e Kevin Williamson revitalizou o slasher, trouxe estrelas para o gênero, subverteu expectativas e serviu como comentário sobre o estado do terror desde sua primeira cena. Mas nada se manteve tão presente em cada uma de suas três sequências do que sua insistente autoconsciência. Não é nada surpreendente, portanto, que a nova versão confie nisso e leve a característica além – principalmente em uma época em que ser meta superou o status de cool e já virou mainstream.
Talvez não soe tão inovador hoje, 25 anos depois do primeiro Pânico, fazer um discurso sobre a categoria em que um filme se encaixa dentro do próprio filme. Há um mês, um dos maiores lançamentos recentes, Matrix: Resurrections, fez um grande comentário sobre sua própria existência. Mas não é exagero afirmar que se isso se tornou comum – e parte certamente veio do legado de Pânico. O novo filme, o primeiro sem as duas principais mentes por trás da franquia, está muito ciente disso, e traduz sua importância aproximando os fãs de si com celebração – e inclui muito mais referências a si mesmo do que seus antecessores.
Existe certa resistência, sim, de ver um novo Pânico dispensar um número sequencial, mas o quinto filme tem toda razão de não se colocar na mesma série que os longas de 1997, 2000 e 2011. A ausência de Craven e Williamson e a liderança dos diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett e dos roteiristas James Vanderbilt e Guy Busick (todos por trás do ótimo Casamento Sangrento) faz com que este Pânico adquira uma nova característica de destaque, uma que não existiria se criado por seus próprios fundadores: um profundo senso de orgulho, afirmado não apenas em discurso como estabelecido por diversos (e diversos) easter eggs, símbolo da autorreferência que vem atrelado com um tapinha nas costas – algo que, diga-se de passagem, nunca fez parte da alma da franquia.
Isso porque décadas depois, Pânico já se encontra no mesmo solo das mil produções que a franquia ama citar, e se Facada (ou Stab, o filme dentro do filme que faz parte de Pânico desde o segundo longa) se baseia em Sexta-Feira 13, Halloween e Massacre da Serra Elétrica, em sua oitava sequência, um de seus principais pilares é o próprio Pânico. A liderança de fãs da franquia para comandar esse novo universo faz perfeito sentido, e enquanto os espectadores se emocionam com seus personagens principais retornando ao mundo ameaçado por um novo assassino, Pânico também se deleita com isso, e talvez pela primeira vez se alie tão fortemente ao seu próprio fã.
Eficaz como Pânico 4, o novo filme introduz uma nova geração de personagens, jovens liderados por Sam Carpenter (Melissa Barrera), forçada a retornar a Woodsboro após um ataque de Ghostface à sua irmã, Tara (Jenna Ortega). Já subvertendo suas regras, o novo Pânico, pela primeira vez, permite que a vítima da cena de abertura sobreviva, e a insere em um grupo de amigos bem mais descolados do que em 1996, e portanto alvos mais difíceis. Não demora para que a relação de cada um dos personagens com nomes clássicos da franquia se revele, e torne o novo Pânico bem mais envolvente para fãs da franquia do que para o público em geral.
Claro, não será difícil para novatos seguirem o ritmo, até porque, como sempre, o longa faz questão de parar para entender o momento em que está e os próximos passos que um filme de terror tomaria. Nesse contexto, um dos melhores resultados é a possibilidade de reviver alguns dos mais queridos elementos da franquia, e é necessário tomar um tempo para apreciar e agradecer o marketing discreto de Pânico, que até hoje não revelou as relações dos personagens com os moradores clássicos de Woodsboro.
Dito isso, relembrar o tema de Dewey, que cresce com o seu retorno, honrar os discursos de Randy Meeks – personagem de Jamie Kennedy, morto precocemente no segundo filme – ou ouvir novamente os acordes de “Red Right Hand”, faixa clássica que ficou de fora do quarto filme, é um presente bem claro aos fãs, e por mais emocionante que seja, o rumo tem também seu lado negativo. Mesmo comovente, o novo Pânico confia muito, sim, no fan service, recurso que poderia soar como um truque barato se o filme não compensasse em carisma e personalidade.
E Pânico tem carisma e personalidade de sobra, não apenas na direção estilosa de Bettinelli-Olpin e Gillett como em um elenco perfeitamente bem escolhido, em que o destaque fica para Ortega e Jack Quaid. Tara e Richie, personagens que recebem um espaço maior para brilhar ao lado dos veteranos Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette, lideram novos nomes que arrasam cada um do seu jeito, caminhando lado a lado com os que retornam aos seus papéis com uma melancolia precisa. É de Ortega, no entanto, a oportunidade de comentar sobre o terror atual, e ela entrega o texto afiado que brinca com o domínio do “terror elevado” com ótimo senso de humor.
A ideia de alfinetar o novo terror não deveria ser surpreendente, mas Pânico o faz como poucos podem, e aproveita sua voz para se posicionar sobre a indústria atual, comentando também – e principalmente – sobre a cultura do fandom, completando um discurso sagaz. Existe certo paradoxo, sim, sobre um filme que critica a cultura de fã ao mesmo tempo em que a agrada, mas se há uma franquia que pode fazer isso é Pânico.
*Por Julia Sabbaga em Omelete