No filme Tropa de Elite, o capitão Nascimento ministra uma aula, altas horas na noite, sobre o conceito de estratégia. O objetivo é testar a resistência e fazer os alunos dormirem. Lembro-me que no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Belo Horizonte (CPOR-BH) tive uma aula semelhante a esta em alguma madrugada fria em um local chamado Jardim Canadá, nas montanhas próximas da capital mineira. Quem dormia, ia para dentro de um córrego de águas geladas. Por mais irônico que possa ser, desde então tenho um apreço pelo conceito de estratégia.
Há quase 30 anos atuo em campanhas eleitorais na posição de estrategista.
O termo estratégia é empregado nos dias de hoje tão livremente, de modo tão indiscriminado, que acaba por fazer com que perca seu verdadeiro sentido. No meu primeiro livro, que publiquei em 2002, dedico um capítulo inteiro a explicar o conceito de estratégia e a demonstrar seu uso nas campanhas eleitorais. Para confirmar o apreço que nutro pela estratégia trouxe-a para o título do livro: Marketing Político – o poder da estratégia nas campanhas eleitorais.
O conceito de estratégia está inicialmente relacionado com “a arte da guerra”. O grego antigo e o latim não tinham termos equivalentes; os derivados de strategos (general) – tais como strategikon e strategema – referiam-se ao aprendizado da arte da guerra e seus ardis e a tradução mais próxima seria: “a arte do generalato” ou “o ofício dos generais”.
Carl Von Clausewitz, no livro Da Guerra, sem dúvida uma das principais referências na teoria militar, define estratégia como:
“É a utilização do combate para atingir a finalidade da guerra. Ela tem, pois, de fixar uma finalidade para o conjunto do ato de guerra que corresponda ao objetivo da guerra. Quer dizer: estabelece o plano geral e determina em função do objetivo em questão uma série de ações que a ele conduzem”.
Este conceito é interessante porque associa a ideia de estratégia com a preparação de um plano geral focado em um objetivo e demarca o terreno da estratégia (planejamento e preparação), metodologicamente, o separado da tática (execução).
Já Liddell Hart, no livro Estratégia – Conceituação e Emprego em 25 séculos, sustenta que a estratégia “é definida como a arte de preparar e aplicar recursos, com a finalidade de promover a consecução de objetivos vitais, assegurando-os contra quaisquer inimigos reais, potenciais ou simplesmente presumíveis”.
Para este autor, no conceito de estratégia, a ofensiva não deve ser necessariamente identificada como agressão e nem mesmo como ataque, e mais como iniciativa e antecipação. Por isso Liddell Hart é o apologista da chamada aproximação indireta.
Como se pode ver, na origem do termo, estratégia está relacionada com a figura do general, ou a arte do generalato. A palavra latina – generalis – significa, grosso modo, chefe. A patente de general começou a surgir nos exércitos da Europa no século XVII, a partir da antiga patente de capitão-general. O posto de capitão-general, significava o capitão “geral”, ou seja, o capitão de todo o exército.
Feito este movimento conceitual, agora temos condições de responder qual é a função de um estrategista de marketing político em uma campanha eleitoral.
Por assim dizer, ele é o chefe da campanha. O “general” que comanda e coordena o emprego das forças e dos recursos disponíveis, especialmente aqueles associados ao marketing e à comunicação. O estrategista é o responsável por elaborar o plano geral de ação (planejamento estratégico) em função do objetivo definido para aquela campanha, que ordena todos os desdobramentos táticos e operacionais.
O estrategista de campanha não é, portanto, uma figura operacional, tática. Como o nome já diz, é o responsável pela estratégia da campanha. E para poder ter uma visão ampla e holística, não pode ficar circunscrito a uma função específica, como por exemplo, gerenciar as redes sociais ou cuidar da mobilização.
O estrategista necessariamente é um generalista. Precisa conhecer o conjunto, dominar todas as etapas e todos os processos envolvidos em uma campanha. Até porque nas campanhas, em geral, há um especialista responsável por sua área. O estrategista precisa entender de pesquisa, de planejamento, de estratégia, de marketing, de comunicação, de retórica, de mídia, de tática de mobilização e organização, etc, etc. É preciso ser alguém que domine a teoria, que tenha boa formação e estudo na área e, também, tenha vivência prática, com rodagem e experiência no front das batalhas eleitorais.
Além disso, cabe ao estrategista de marketing político:
Assim como não era fácil a vida no nosso herói tupiniquim capitão Nascimento, a vida de um estrategista de marketing político também não é. O estrategista além de dominar as competências técnicas e práticas, precisa a todo momento afirmar o seu lugar de chefe e, mais que isso, saber liderar o exército de profissionais que são mobilizados para se fazer uma campanha eleitoral. Sem contar o fato de o estrategista ser a ponte entre o candidato, as demais coordenações da campanha e todo o conjunto de profissionais responsáveis pelo marketing. Deve ser por tudo isto que não é trivial se encontrar verdadeiros estrategistas de marketing político no mercado.
*Rodrigo Mendes é estrategista de marketing político. Coordenou 60 campanhas eleitorais e prestou consultoria para diversos governos, instituições e lideranças. É publicitário, sociólogo, especialista em marketing e mestre em Ciência Política.