Com certeza, um dos sonhos de uma editora é ter um leitor tão interessado, a ponto de sugerir novas indicações para o catálogo. Aconteceu com a Janela Amarela, uma editora nativa digital criada por mãe e filha, durante a pandemia de covid-19.
O trabalho da editora, de resgate da literatura de importantes autoras brasileiras do final do século XIX que foram esquecidas, incentivou uma leitora a recomendar nas redes sociais da marca, uma obra e uma escritora: “A Divorciada”, da cearense Francisca Clotilde.
“Como a nossa família tem origem no Ceará, de onde veio meu avô, fiquei com uma curiosidade pelo livro e título”, conta Carol Engel, editora e ilustradora.
Depois de uma longa pesquisa a editora teve acesso a uma versão digitalizada do original da obra publicada em 1902, mas faltavam algumas páginas que quebravam toda a narrativa do texto. Carolina e Ana Maria levantaram informações por diferentes cidades, entrando em contato com pesquisadores e acadêmicos e com a ajuda de Anamelia Mota, da Academia Tauaense de Letras conseguiram as páginas que faltavam. Além da história da obra, também ficava a pergunta: Como mulheres de outras regiões do país levavam suas vidas?
“O romance A Divorciada lembra muito o estilo de obras da autora inglesa Jane Austin. Conta a história de um amor puro, mas torturado pelo destino e pelas convenções sociais, e ressalta a ideia de que dignidade e caráter não estão relacionados à classe social,” afirma Carol.
A escritora Francisca Clotilde também tem uma história de vida muito interessante. Atuou como educadora, escritora, poeta, teatróloga e jornalista. Foi a primeira mulher a lecionar na Escola Nacional do Ceará, em 1882. Participou do movimento pioneiro de libertação dos escravos do Ceará, integrando a Sociedade Abolicionista Cearenses Libertadoras, composta somente por mulheres. Vale lembrar que o Ceará foi o primeiro estado a abolir a escravidão, em 25 de março de 1884.
Clotilde criou uma escola mista, algo incomum na época. Colaborou em diversos jornais nacionais e estrangeiros, e no periódico “A Estrella”, fundado em 1906 por sua filha Antonietta Clotilde e sua sobrinha Carmem Thaumaturgo.
Francisca Clotilde, com seu talento, escreveu este romance, que se não briga diretamente com as convenções da época, levanta questões importantes sobre a atuação da mulher na sociedade e sobre a emancipação feminina. Sua protagonista, ainda que enredada por relações conservadoras, leva o leitor a questionar a validade dos conceitos sociais impostos e a possibilidade de fugir deles.