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“Ômicron vai se espalhar entre as crianças não vacinadas”, alerta virologista e assessora da OMS
30/12/2021 / 11:07
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Os não vacinados impedem que a pandemia termine e permitem que o coronavírus produza novas variantes, tornando a Covid-19 um tormento sem fim para a toda a sociedade, alerta a virologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Clarissa Damaso.

Especialista internacional nos vírus da família da varíola, a única doença já erradicada pela humanidade, graças à vacinação, Damaso destaca que o atraso na imunização das crianças provocado pela relutância do Ministério da Saúde dá ao Sars-CoV-2 a chance de se espalhar mais depressa e ameaça prejudicar a volta às aulas.

Quais são exatamente os riscos de as crianças ainda não terem sido vacinadas?

Elas são depósitos de vírus e vão sacrificar a todos nós. A conta do prolongamento da pandemia, do sofrimento das crianças, dos danos à economia é de quem não se vacina e de quem tenta prejudicar a vacinação. É dos não vacinados e dos que se opõem à imunização a responsabilidade pela continuidade da pandemia. Existe uma parcela da população que ainda não pode ser imunizada, como as crianças menores de 5 anos, e precisamos também proteger essas pessoas com a vacinação de todas as demais. Quantas crianças precisarão sofrer e morrer para que o ministro da Saúde ache necessário protegê-las? É preciso que a população saiba que a Ômicron vai encontrar e se espalhar nas crianças não vacinadas. E muitas delas poderão adoecer e ter sequelas.

Quais são as sequelas da Covid-19 nessa faixa etária?

Já se sabe que em crianças, mesmo quadros leves de Covid-19 podem causar, por exemplo, sequelas neurológicas. São problemas cognitivos, como dificuldade de concentração, que podem impedir que uma criança chute uma bola ou consiga aprender direito. Ter Covid-19 pode prejudicar o futuro escolar de uma criança.

O quão urgente precisa ser a vacinação das crianças?

Era para ontem. Já está atrasada. São principalmente as crianças que a Ômicron vai encontrar desprotegidas. Elas estão sendo expostas à Ômicron em consequência de decisões políticas e não científicas.

Como os não vacinados prolongam a pandemia?

Eles permitem que o vírus continue a circular com intensidade, o levam a toda parte. As vacinas contra a Covid-19 não são esterilizantes, ou seja, não impedem a infecção, e o mesmo ocorre para a maioria das vacinas, porém, por diminuírem a carga viral significativamente reduzem muito o risco de uma pessoa transmitir o coronavírus. Assim, os vacinados reduzem a transmissão e quanto maior a população vacinada, menor a oportunidade para o vírus, que acabará sem chance de se expandir, pondo fim à pandemia. Ele será contido em pequenos surtos.

Também precisamos ter cuidado com os semi-vacinados, com o esquema de doses incompleto. Eles também são um perigo, pois podem ser fábricas de novas variantes. Têm defesas incompletas contra o vírus e se tornam campo livre para selecionar vírus com potencial de escape à resposta imune. Já defesas robustas, proporcionadas pelo esquema vacinal completo, reduzem drasticamente essa chance. E é por isso também que a dose de reforço é fundamental: a pessoa amplia e prolonga a durabilidade da resposta contra o vírus.

Por que ainda existem grupos antivacina?

No Brasil, a população gosta de se vacinar. Quem é antivacina é o governo federal e uma pequena parte das classes mais ricas. É só lembrarmos que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reluta inexplicavelmente em vacinar as crianças, contra o que dizem todas as sociedades médicas e científicas. O negacionismo do governo semeia insegurança e tem consequências graves, como a falta de esclarecimento necessário para a população, campanhas nacionais fracas, inexistência de um programa de busca ativa para não vacinados, recusa em determinar a obrigatoriedade do passaporte vacinal. Existem pessoas que não são antivacina, mas não tomaram a segunda dose ou dose alguma por falta de acesso ou esclarecimento. Há também falhas educacionais e dos médicos. Há muita ignorância e egoísmo.

Quais falhas?

Justamente devido ao sucesso das vacinas muitas doenças terríveis, como o sarampo e a poliomielite, foram esquecidas. Quem nasceu depois que a vacinação as controlou não aprendeu a ter medo dessas inimigas letais. E, infelizmente, ainda existem médicos que não orientam como deveriam os adultos a se vacinarem, ainda não existe uma cultura de vacinação do adulto.

Temos também outros grupos. Por exemplo, supostos adeptos de uma vida natural. Existe quem imagine que a vacina “colocará muita carga de antígenos” em seu corpo. A eles digo que respirar coloca mais antígenos ainda. Cada inspirada que damos nos faz inalar pólen, poeira, pedaços de ácaros, substâncias químicas e centenas de outros antígenos. E isso é bom porque é dessa forma que nosso sistema imune é treinado e produz defesas. Pergunto ao pessoal com medo de antígenos se eles planejam parar de respirar.

Há uma série de motivações sem sentido lógico. Gente que fuma e é contra vacina com medo de substâncias tóxicas. Gente que come embutidos e outros ultraprocessados e teme a “química da vacina”. Gente que é “antissistema”. Há também pessoas que dizem que as vacinas foram desenvolvidas rápido demais. Não foram. Elas são resultado de um investimento maciço de dinheiro, nunca visto, e de um empenho humano sem precedentes, com laboratórios de pesquisa trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana. As plataformas usadas agora contra a Covid-19 já existiam e são fruto de anos de estudos.

E o que mais a espanta?

Algumas pessoas terem mais medo de um hipotético risco de uma vacina do que de uma doença real. E esse é um medo alimentado por grupos políticos e fake news.

Por que a vacinação precisa ser em massa e rápida?

Porque os vírus se espalham muito depressa e estão sempre à espera de uma oportunidade para se espalhar. A Ômicron é o melhor exemplo disso. E é preciso também melhorar a vacinação no mundo. É indigno que países ricos deixem estoques de vacina perderem a validade e irem para o lixo enquanto países pobres têm menos de 10% de sua população vacinada. A ajuda aos países mais pobres é um dever moral e humanitário. Mas também é questão de autopreservação e de política inteligente de saúde pública porque enquanto o vírus circular no mundo, ninguém estará seguro.

Há quem pregue que a imunidade de rebanho natural poderia controlar a Covid-19. O quanto há de verdade nisso?

Há apenas ignorância. Nunca uma doença foi eliminada por imunidade coletiva obtida de forma natural pela doença. Só as vacinas podem oferecer imunidade de rebanho. Além do mais, imunidade natural pressupõe ser exposto à doença. Quem em seu pleno juízo pode considerar razoável que a população seja exposta a um vírus letal?

E por quê?

Porque as vacinas promovem uma resposta de defesa muito mais robusta e fazem isso de muitas formas. Elas têm, por exemplo, adjuvantes que estimulam o sistema imunológico.

A senhora é especialista e assessora da Organização Mundial da Saúde (OMS) na única doença já erradicada, a varíola. Que lição tiramos disso?

A mais fundamental é que só com vacinação em massa é possível controlar doenças infecciosas. A varíola foi erradicada num trabalho mundial de dez anos e com intensa vacinação, acompanhada de medidas como passaporte vacinal, essencial na época e agora.

O Globo