O padre Júlio Lancellotti, reconhecido em todo o país pelo trabalho que desenvolve com os moradores de rua da cidade de São Paulo, se dispôs, em meio a uma agenda atribulada, a dialogar com a Defensoria Pública da Paraíba (DPE-PB) sobre um assunto pouco discutido, mas muito manifestado pela sociedade brasileira: a aporofobia. Durante uma live organizada pela Escola Superior da DPE-PB na última sexta-feira (20), o religioso também transcorreu sobre o papel da Defensoria Pública na defesa dos hipervulneráveis.
A live fez parte da programação da DPE em comemoração ao Dia da Defensoria Pública, celebrado em todo o país no dia 19 de maio. A defensora pública Fernanda Peres conduziu o debate, que também contou com a presença da diretora da Escola, Monaliza Montinegro. A conversa durou aproximadamente 40 minutos e discutiu temas como a aversão aos pobres, o uso hostil da arquitetura em logradouros públicos e a atuação da Defensoria na proteção à população em situação de rua.
“A Defensoria Pública terá um papel muito importante na questão da aporofobia, de superá-la, de coibir, de vetar o uso de intervenções hostis na arquitetura e de comportamentos aporofóbicos”, ressaltou o religioso na transmissão.
O termo aparofobia é usado para indicar aversão, medo e desprezo aos pobres e desfavorecidos financeiramente. “O defensor público é aquele que em primeiro lugar vai ao encontro de quem sofre e diz pra ele: vamos juntos, meu irmão, vamos lutar pela vida, vamos lutar contra toda forma de injustiça”, continuou.
O Pe. Júlio Lancellotti vê na Defensoria Pública uma importante aliada nesse amparo. Por isso, valoriza uma ação de proximidade entre os defensores e seus assistidos. “É um atendimento muito importante, onde a pessoa em situação de rua percebe que está sendo atendida, que está sendo vista, que o seu pleito está sendo ouvido, que a sua necessidade está sendo atendida, que ele não é invisível diante do defensor ou da defensora, que as pessoas levam a sério o que eles estão falando, que tem uma saída, que pode ter providências ou ele pode receber orientações. Tudo isso é importante”, disse o pároco da paróquia São Miguel Arcanjo (SP).
O religioso destacou, ainda, que o papel da Defensoria Pública é pedagógico, jurídico, social, libertário e de defesa da dignidade da vida. Os defensores – acrescenta – têm por vocação a defesa dos pobres. “E entre os mais pobres estão as pessoas em situação de rua. São homens, mulheres, grupos LGBT, negros, indígenas, são esses grupos que acabam estando nesse cenário de desamparo”, pontuou.
“A aporofobia é o rechaço, o ódio ao pobre, e a população em situação de rua é aquela que mais sofre essa rejeição aos mais pobres, desde as intervenções na arquitetura até a discriminação, o preconceito e perpassam todos os níveis do relacionamento humano. A população de rua é extremamente rejeitada”, ressaltou o padre, que mantém um compromisso constante com a população em situação de vulnerabilidade, atuando na defesa dos moradores de rua desassistidos e no combate ao uso hostil da arquitetura contra essas pessoas.
“É importante lembrarmos que quando nós não queríamos pedras e obstáculos arquitetônicos, nós não estamos querendo que as pessoas fiquem ao relento ou fiquem embaixo de viadutos, em marquise, mas uma cidade que é marcada pela hostilidade, é uma cidade que não tem sinais de hospitalidade. As nossas cidades têm que ser hospitaleiras e não hostis”, acrescentou.
A utilização de pedras, grades e espetos de ferro em diversos aparelhos públicos ou estabelecimentos comerciais são algumas das práticas vistas em diversas cidades do país que visam impedir que alguém possa utilizar aquela estrutura como um abrigo temporário, como proteção para uma noite de sono. Mais um instrumento de hostilidade contra essa população.
“O projeto de lei do senador Fabiano Contarato que veta o uso hostil da arquitetura já está no Congresso Nacional, vai passar pela Comissão de Constituição e Justiça para ir a plenário. Já aqui em São Paulo passou por todas as comissões e vai para ser votado em plenário. É muito importante que nós acompanhemos esse projeto que está no Congresso Nacional, que a própria Defensoria Pública possa ir tomando conhecimento de tudo isso e tenha caminhos para responder e para vivenciar essa construção de um caminho que não seja de hostilizar”, ressaltou.
Seu trabalho no amparo aos mais vulneráveis ganhou maior projeção nacional durante o período pandêmico, quando, entre outras ações, propôs o uso da rede hoteleira ociosa pelo poder público para abrigar habitantes das ruas. Crítico da política de abrigos, defende a ampliação do sistema de locação social para oferecer mais uma alternativa de proteção a quem mais sofre com o período do inverno.
“É uma crueldade morar na rua. Aqui em São Paulo começou a se usar, como em vários lugares do Brasil, a rede hoteleira, muito bom. Temos que usar a rede hoteleira e temos que usar essa figura que já existe, uma figura jurídica, que é a locação social. A locação social é um caminho de humanização. Ninguém acha que é melhor ficar na rua. É que a gente usa um raciocínio binário, muito pobre, ou abrigo, ou rua. Não é, tem que ter locação social, tem que ter rede hoteleira, tem que ter outras possibilidades que não sejam abrigos, eles podem ser emergenciais como nesse momento, o frio é cruel e mata aqui em São Paulo e em grande parte do Brasil”, lamentou.