João Pessoa 30.13ºC
Campina Grande 26.9ºC
Patos 32.78ºC
IBOVESPA 127791.6
Euro 6.1026
Dólar 5.7947
Peso 0.0058
Yuan 0.8012
Padres da Igreja Católica na França abusaram de ao menos 200 mil crianças em 70 anos
05/10/2021 / 09:59
Compartilhe:

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Membros da Igreja Católica francesa abusaram sexualmente de mais de 200 mil crianças e adolescentes nos últimos 70 anos, afirma o relatório de uma abrangente investigação divulgado nesta terça-feira (5).

Segundo o chefe da comissão independente responsável pelo levantamento, Jean-Marc Sauvé, a igreja mostrou “indiferença profunda, total e até cruel durante anos”, escolhendo fechar os olhos para as denúncias e proteger a si própria em vez de defender as vítimas do abuso sistêmico.

No domingo (3), Sauvé, um católico praticante de 72 anos, havia revelado à imprensa francesa que, em um universo de 115 mil padres e oficiais religiosos, a igreja abrigou entre 2.900 e 3.200 pedófilos -uma “estimativa mínima”. A maioria das vítimas era formada por meninos com idade entre 10 e 13 anos.

Para Sauvé, a igreja não apenas deixou de tomar as medidas necessárias para impedir que os abusos acontecessem, mas também deixou de denunciá-los e, em alguns casos, conscientemente colocou crianças em contato com predadores sexuais.

O líder da conferência dos bispos da França, Eric de Moulins-Beaufort, disse que a igreja está envergonhada, pediu perdão às vítimas e à sociedade e prometeu agir.

A comissão de investigação foi estabelecida por bispos católicos no final de 2018 e começou os trabalhos no início de 2019 com o intuito de lançar luz sobre os casos de abuso sexual e pedofilia e tentar restaurar a confiança pública na igreja em um momento de diminuição das congregações católicas na França.

Segundo o líder da comissão, a Igreja Católica francesa demonstrava total indiferença às vítimas até a década de 2000. Só começou a haver uma mudança de conduta a partir de 2015, disse Sauvé, acrescentando, no entanto, que os casos de abusos ainda são uma realidade na instituição.

Para ele, a doutrina da Igreja Católica em assuntos como sexualidade, obediência e santidade do sacerdócio ajudou a criar pontos cegos que permitiram o abuso sexual por parte do clero.

Assim, para tentar reconstruir um ambiente de confiança entre clérigos e fiéis, a igreja precisaria reformar a abordagem dessas questões, além de assumir a responsabilidade pelo que aconteceu e garantir que as denúncias de abusos e pedofilia sejam reportadas às autoridades judiciais.

A comissão conclui que a Igreja Católica francesa deve indenizar as vítimas com uma compensação financeira adequada “que, apesar de não ser suficiente [para enfrentar o trauma da violência sexual], é indispensável para completar o processo de reconhecimento [de culpa].” A orientação é que os pagamentos sejam feitos com o patrimônio dos agressores ou da própria igreja, e não com as contribuições dos fiéis.

Os investigadores recomendam ainda que sejam criados métodos de formação adequada a novos padres e de verificação de antecedentes de qualquer membro designado para uma atividade clerical em que há contato com crianças ou com pessoas em situação de vulnerabilidade.

Segundo Sauvé, a comissão identificou cerca de 2.700 vítimas de abusos na Igreja Católica francesa por meio de chamados para depoimentos. Nos arquivos, foram encontrados outros milhares. Levantamentos mais abrangentes estimam que o número total de crianças e adolescentes submetidos a abusos varia entre 216 mil e 330 mil. A escala sem precedentes inclui abusos cometidos por membros da igreja que não necessariamente tinham alguma função sacerdotal.

Entre os escândalos sexuais ligados à igreja francesa e analisados pela comissão está o do padre Bernard Preynat, condenado em 2020 a cinco anos de prisão por abusos cometidos nas décadas de 1970 e 1980. O caso Preynat inspirou o filme “Graças a Deus”, do diretor François Ozon.

Para François Devaux, vítima de abuso na igreja e fundador da associação La Parole Libérée (a palavra liberada), que reúne outras pessoas com histórias semelhantes, o trabalho da comissão finalmente trouxe reconhecimento institucional da responsabilidade da igreja.

“Vocês são uma vergonha para a nossa humanidade”, disse Devaux aos representantes católicos durante o evento de apresentação do relatório. “Neste inferno, houve abomináveis crimes em massa, mas houve algo ainda pior: traição da confiança, traição da moral, traição das crianças.”

O relatório com mais de 2.000 páginas será analisado pelo Vaticano. O papa Francisco expressou, nesta terça, grande pesar pelas vítimas de abusos cometidos pelo clero francês. O líder da Igreja Católica já abordou o tema em conferências com bispos do país no mês passado e deve se reunir com o premiê Jean Castex em uma audiência privada em duas semanas.

Em junho, o pontífice disse que o escândalo dos abusos sexuais na igreja era uma “catástrofe” mundial. À época, o Vaticano divulgou a revisão mais abrangente das leis da instituição nos últimos 40 anos, endurecendo as regras contra violência sexual.

Segundo o novo regramento, o abuso sexual de menores, por exemplo, deve ser punido com a suspensão e/ou destituição do cargo clerical, uma vez que representa uma ofensa contra o sexto mandamento do Decálogo, que prega castidade nas palavras e nas obras, com um menor de idade ou com pessoa “habitualmente imperfeita no uso da razão”.

A mesma punição se aplica ao clérigo que aliciar menores e vulneráveis para induzi-los “a se exporem pornograficamente” e ao religioso que “adquirir, reter, exibir ou distribuir” imagens pornográficas por meio de qualquer tecnologia.

Desde que foi eleito, em 2013, Francisco tomou uma série de medidas para erradicar o abuso sexual de menores cometido por clérigos.

Em 2019, emitiu um decreto que tornou obrigatório que bispos e padres informem suspeitas de abusos sexuais e permitiu a qualquer pessoa enviar denúncias diretamente ao Vaticano. Caso os bispos não informem os casos de abuso, poderiam ser considerados corresponsáveis pelo crime que ocultaram.

Mas os críticos acusam o pontífice de responder muito lentamente aos escândalos de abuso sexual, de não ter empatia com as vítimas e de acreditar cegamente na palavra de seus colegas clérigos.