Por que uma crítica permanece por anos na memória enquanto um elogio desaparece em poucos dias? A resposta está na forma como nosso cérebro processa informações, algo que envolve fatores biológicos, sociais e evolutivos.
Segundo o médico e terapeuta João Borzino, essa diferença tem explicação científica e pode ajudar a compreender melhor as reações emocionais do dia a dia.
“Estudos recentes apontam que elogios tendem a permanecer ativos na nossa memória por até um mês. Já uma ofensa pode nos acompanhar por décadas. Isso não é só psicológico, é biológico, antropológico e social. O nome disso é viés da negatividade”, explica.
Essa inclinação do cérebro a dar maior atenção ao negativo tem raízes profundas na evolução humana. “Do ponto de vista evolutivo, essa tendência faz sentido. Nossos antepassados precisavam estar atentos a qualquer sinal de perigo: um predador, um inimigo, um som estranho na floresta. Quem ignorava ameaças, morria. Quem prestava atenção a tudo de ruim, sobrevivia”, diz Borzino.
O especialista ressalta que as reações emocionais a críticas ou ofensas são mais intensas justamente porque “imagens negativas ativam regiões cerebrais mais profundas e intensas do que imagens positivas. Uma crítica gera mais impacto emocional do que um elogio, mesmo que ambos venham da mesma pessoa.”
Na psicologia, esse fenômeno é conhecido como negativity bias, ou viés da negatividade, que aponta que eventos negativos têm um peso emocional maior do que os positivos. “Um único comentário cruel pode causar mais impacto do que dez elogios sinceros”, afirma o terapeuta.
Além disso, Borzino destaca que essa tendência tem reflexos sociais evidentes: “Estudos mostram que, socialmente, uma atitude ruim se espalha até 9 vezes mais do que uma boa. Seja nas redes sociais, em rodas de conversa ou no noticiário, o que é ruim sempre chama mais atenção.”
Um fenômeno curioso que acompanha esse comportamento é o fascínio humano pelo caos. Por exemplo, no trânsito, um acidente chama a atenção e para os carros, enquanto um animal pequeno tentando atravessar a rua é ignorado.
“A explicação é simples: fofocas, escândalos, brigas, acidentes e tragédias geram mais interesse do que boas notícias. Essa tendência está ligada ao nosso instinto de sobrevivência: aprender com o erro dos outros, identificar inimigos, se proteger. Hoje, isso se traduz em curtidas, comentários e compartilhamentos”, analisa o médico.
Entender o funcionamento do cérebro é o primeiro passo para evitar que ofensas dominem nossos pensamentos e emoções. João Borzino sugere algumas estratégias práticas:
“Lembrar mais da ofensa do que do elogio não significa que você é sensível demais. Significa que você é humano. Nosso cérebro foi moldado para reagir ao que machuca, e não ao que conforta. Entender isso é o primeiro passo para não se deixar dominar por aquilo que nos fere”, conclui.
Com informações do jornal O Globo