Sem acordo entre republicanos e democratas sobre o projeto de lei orçamentária do presidente americano, Donald Trump, o governo dos Estados Unidos entrou nesta quarta-feira (1º/10) em paralisação administrativa (ou fechamento, do “shutdown” em inglês).
É a primeira paralisação administrativa em quase sete anos e pode interromper temporariamente parte dos serviços públicos, embora não todos. Serviços como programas de assistência alimentar e educação pré-escolar financiados pelo governo federal devem ser restritos ou interrompidos. O pagamento de parte dos servidores também deve sofrer restrições.
Confrontos em torno do Orçamento são comuns na política dos Estados Unidos, mas a atual disputa ganha tensão porque Trump passou os últimos nove meses reduzindo de forma drástica o tamanho do governo federal.
“Podemos fazer coisas durante o fechamento que são irreversíveis, ruins e irreversíveis para eles [os democratas], como deixar um grande número de pessoas sem emprego, cortar programas de que eles gostam”, disse Trump ao ser questionado sobre a possibilidade de não haver acordo no Congresso.
Na manhã de terça-feira (30/09, data que marca o fim do ano fiscal), horas antes de o Senado iniciar a contagem regressiva para aprovar o projeto orçamentário, um repórter perguntou a Trump quantos funcionários federais ele pretendia demitir caso a paralisação do governo não fosse evitada.
“Bem, poderíamos fazer muita coisa”, respondeu Trump.
O presidente dos EUA culpou os democratas, dizendo que eles querem a entrada de mais imigrantes ilegais nos EUA.
O chefe do Orçamento da Casa Branca, Russ Vought, divulgou recentemente um memorando em que detalha como o governo Trump pretende usar a paralisação para ampliar os cortes de longo prazo nos gastos federais e no número de funcionários.
Cargos e programas considerados como “não essenciais” durante o fechamento serão encerrados de forma permanente, em continuidade aos cortes promovidos no início do ano pelo Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), então sob a administração de Elon Musk.
Líderes democratas, porém, avaliam que as ameaças funcionam como blefe ou tática de negociação.
O líder democrata do Senado, Chuck Schumer, chamou o memorando da Casa Branca de “tentativa de intimidação”.
“Donald Trump vem demitindo funcionários federais desde o primeiro dia, não para governar, mas para assustar as pessoas”, declarou Schumer. “Isso não é novidade e não tem relação com o orçamento do governo.”
A Casa Branca havia lançado em seu site uma contagem regressiva para o fechamento, que, após o prazo expirar, foi substituída por um cronômetro que agora registra por quanto tempo o governo permanecerá fechado.
“Os democratas fecharam o governo”, afirma o site da Casa Branca.
Em resposta, o congressista democrata Joe Morelle disse estar “profundamente frustrado” e afirmou que o fechamento é consequência direta de “uma administração brutal e incompetente”.
O colega democrata Bill Foster ressaltou em um comunicado que a responsabilidade (do fechamento) é dos republicanos, que controlam a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil), o Senado e a Casa Branca.
Foster acrescentou que as famílias em todo o país “continuarão pagando o preço” enquanto os republicanos não se sentarem para negociar.
A mesma linha foi defendida pelo lado republicano. “Os fechamentos de governo são estúpidos”, disse o congressista Dusty Johnson (Partido Republicano), acrescentando que “colocam em risco os salários dos americanos”.
Os republicanos controlam ambas as Casas do Congresso, mas no Senado são necessários 60 votos para aprovar o projeto de lei de financiamento. Em 2024, os republicanos consolidaram sua maioria no Senado, com 52 das 100 cadeiras.
Embora ninguém tenha clareza sobre as consequências de um fechamento temporário do governo federal, a dúvida é: quais efeitos terá para os funcionários públicos e quais serviços poderão ser afetados?
Anthony Zurcher e James FitzGerald, correspondentes da BBC, explicam que nem todo o governo será paralisado.
Espera-se que a patrulha de fronteira, o atendimento hospitalar, a aplicação da lei e o controle do tráfego aéreo continuem funcionando durante a paralisação.
Embora os repasses da Previdência Social e do Medicare (como é chamado o sistema de saúde dos Estados Unidos) sejam mantidos, a verificação de benefícios e a emissão de cartões podem ser suspensas.
Em geral, trabalhadores essenciais continuam em atividade — alguns sem receber salário por um tempo —, enquanto funcionários considerados não essenciais recebem licença temporária sem remuneração.
Em fechamentos anteriores, esses trabalhadores receberam o pagamento de forma retroativa.
Serviços como programas de assistência alimentar, educação pré-escolar financiada pelo governo federal, concessão de empréstimos estudantis, inspeções de alimentos e operações em parques nacionais devem ser restritos ou interrompidos.
Nadine Yousif, repórter da BBC News, participou de uma conversa com especialistas do Centro de Política Bipartidária (Bipartisan Policy Center), em Washington D.C., centro voltado à análise da política dos EUA, para detalhar como as principais agências funcionarão durante a paralisação.
Segundo os especialistas, algumas agências, como o Departamento de Energia, a Nasa, o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano e a Fundação Nacional de Ciências, não apresentaram planos de contingência.
Eles afirmaram que haverá interrupção mínima nos programas de seguro saúde Medicare, para aposentados, e Medicaid, para pessoas de baixa renda, que dependem de financiamento próprio para pagar os benefícios.
Ainda assim, especialistas alertam que ambos os programas podem enfrentar dificuldades administrativas, assim como centros de saúde comunitários e serviços de atendimento domiciliar.
Os analistas também destacaram que os EUA entram em território inédito: com a força de trabalho federal já significativamente reduzida sob o governo Trump, a paralisação pode provocar novas interrupções e atrasos.
Em relação às demandas de cada lado, os republicanos (do partido de Trump) defendem uma extensão até novembro dos níveis atuais de gastos para manter negociações.
Nesse último ano, o governo conseguiu aumentar gastos com defesa e controle de imigração e fez cortes em programas de energia sustentável e do Medicaid —esses, dirigidos à população de baixa renda e pessoas com deficiência — sem a participação dos legisladores no Congresso (algo que, aliás, está sendo analisado pela Justiça americana).
Os democratas, porém, exigem o fim dessa prática e questionam o sentido de negociar acordos de gastos se Trump simplesmente os ignora.
O Partido Democrata também quer um acordo definitivo para renovar os subsídios do seguro saúde federal para pessoas de baixa renda, que expiram no final do ano, uma exigência que os republicanos relutam em aceitar.
Os créditos fiscais que tornam o seguro de saúde mais acessível para milhões de americanos estão prestes a expirar.
Além disso, os democratas pedem a reversão dos cortes do Medicaid promovidos por Trump e se opõem aos cortes de gastos nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).
Embora representem as posições de negociação de cada partido, as disputas sobre o fechamento do governo vão além de questões orçamentárias e se configuram como uma questão política.
Os republicanos afirmam ter vantagem e, junto com Trump, dizem ser a parte razoável na negociação, buscando apenas mais tempo para discutir sem enfrentar as consequências de um fechamento.
Os democratas, porém, não compartilham dessa visão.
A correspondente da BBC Ana Faguy relatou que, ao falar com autoridades do Congresso, suas equipes e outros jornalistas, ficou claro que democratas e republicanos não dialogam entre si, mas se confrontam diretamente.
A retórica permanece praticamente inalterada, com ambos os lados culpando o outro pelo impasse.
Desde 1980, o governo dos Estados Unidos registrou 15 fechamentos.
O presidente republicano Ronald Reagan (1911-2004) enfrentou oito paralisações durante a década de 1980, todas durando apenas alguns dias.
Com o tempo, os fechamentos se tornaram menos frequentes, mas mais prolongados, atingindo um recorde de 35 dias no final de 2018, a mais longa paralisação da história, ocorrida durante o primeiro mandato de Trump. Como resultado, 25% de todo o governo federal parou de funcionar e 800 mil servidores tiveram pagamentos atrasados.
Essa foi uma das três paralisações enfrentadas pelo presidente em seu primeiro mandato.
*Com informações da equipe de correspondentes da BBC News na América do Norte