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Por que os jovens chineses estão trocando empregos qualificados e intelectuais por trabalhos manuais
21/04/2023 / 11:09
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A chinesa Loretta Liu se formou em 2018 em uma das melhores universidades da China, alugou um apartamento na charmosa cidade de Shenzhen e foi contratada como designer em uma empresa de alto nível. Seguia uma trajetória esperada até o ano passado, quando decidiu pedir demissão para trabalhar como tosadora em um petshop recebendo 20% do salário anterior. Ela passa horas em pé, veste uniforme em vez de suas próprias roupas e está encantada.

Sobre o trabalho anterior, Liu sentia que não tinha liberdade criativa, muitas vezes trabalhava horas extras e via a saúde física e mental se deteriorando. “Eu estava cansada de viver assim. Não sentia que estava recebendo nada no trabalho”, diz. “Então, pensei: não tem necessidade”.

A percepção da chinesa faz parte de um fenômeno que atrai uma atenção crescente na China: o de jovens que trocam empregos que exigem um trabalho criativo e intelectual, caraterizados pela pressão excessiva e prestígio, por trabalho manual.

O tamanho da tendência é difícil de medir, mas cada vez mais postagens em redes sociais registram a saída de jovens do mercado de tecnologia para se tornar caixa de supermercado; gerentes de conteúdo se tornando funcionários em restaurantes; e assim por diante. No aplicativo Xiaohongshu, semelhante ao Instagram, a hashtag “Minha primeira experiência com trabalho manual” tem mais de 28 milhões de visualizações.

Os chineses que seguiram essa tendência descrevem a satisfação de trabalharem horas mais previsíveis e uma atmosfera menos competitiva. Eles reconhecem que a mudança requer sacrifícios – Liu disse que economizou cerca de US$ 15 mil antes de desistir e precisou cortar drasticamente as despesas – mas dizem que vale a pena escapar da exaustão causada pelos antigos empregos.

Tendência mundial

Reavaliar o trabalho foi uma tendência mundial estimulada pelo coronavírus. Nos Estados Unidos, o movimento ganhou o nome de “Great Resignation” (Grande Renúncia, em português). Mas, na China, as condições que desiludem os jovens são particularmente intensas. Longas horas de trabalho e gestores autoritários são comuns. O crescimento econômico está desacelerando, diminuindo a perspectiva de mobilidade ascendente para uma geração que viveu um crescimento explosivo.

Os três anos de restrições causadas pela política de “covid zero”, que forçaram muitos chineses a suportar lockdowns prolongados, as demissões e a percepção de quão pouco controle o trabalho dava sobre seus futuros também contribuem para a tendência atual. “Emocionalmente, todo mundo provavelmente não aguenta mais, porque durante a pandemia vimos muitas coisas injustas e estranhas, como estar preso”, disse Liu.

A tendência reavivou um debate sobre a futilidade de uma vida competitiva. Dois anos atrás, um apelo semelhante para deixar o trabalho e aproveitar a vida, sintetizado em mandarim no termo “Tang Ping” (uma recusa ao trabalho em excesso), se espalhou amplamente online. Os críticos acusaram os adeptos de desperdiçar o investimento dos pais e abandonar a força de trabalho que ajudou a transformar a China em uma superpotência. Outros culparam um sistema de valores que priorizou um caminho consumista para o sucesso.

Desde então, a concorrência por trabalhos intelectuais em escritórios cresceu ferozmente. Espera-se que um número recorde de estudantes se forme nas universidades este ano, mas as empresas reduziram contratações. De acordo com as estatísticas oficiais, a taxa de desemprego entre pessoas de 16 a 24 anos foi de quase 20% no início do ano, sendo os graduados universitários mais afetados.

Em vez de se esforçar ainda mais para a competitividade do mercado de trabalho, parte dos chineses avaliam que o caminho tradicionalmente menos cobiçado é mais atraente. “O objetivo de estudar e acumular conhecimento não é conseguir um emprego impressionante, mas ter a coragem de aceitar mais possibilidades”, descreve um fórum chinês online, que questionou a mais de 39 mil membros o quão cansativo é cuidar de uma barraca de rua e convidou-os a descrever suas experiências como garçons.

Desafiando a noção de sucesso

Quando Eunice Wang, de 25 anos, recebeu uma oferta de emprego de consultoria em Pequim no ano passado depois de terminar o mestrado, ela imediatamente aceitou. Estava orgulhosa de ter se destacado entre tanta concorrência e queria ver até onde ela poderia ir.

Entretanto, a cultura corporativa da China é notoriamente exigente, e mortes de funcionários em empresas de internet provocam perguntas excesso de trabalho e saúde mental. Eunice logo caiu em um ciclo vicioso: desenvolveu ansiedade por causa da carga de trabalho pesada, mas estava ocupada demais para relaxar. Também ficou sem ver os país durante quase um ano, por causa de restrições de viagem causadas pela pandemia.

Há um ano, ela desistiu do emprego. Agora, trabalha em uma cafeteria em sua cidade natal, Shenyang, no nordeste da China, ganhando um quinto do salário anterior. Ela está morando com seus pais e ganhando dinheiro extra através de trabalhos temporários de ilustração, um hobby que ela havia desistido em Pequim.

Eunice, que descreveu a família como de classe média confortável, reconhece que teve sorte de poder arcar com essa escolha. Ela voltaria ao trabalho anterior se seus pais um dia precisassem de apoio financeiro, disse ela. Mas até então, ela valorizava a oportunidade de desafiar suas noções de sucesso de longa data.

“Todo mundo achava que conquistar um projeto ou garantir um cliente era uma coisa tão grande, e eu queria me forçar a acreditar no mesmo”, disse ela sobre seu antigo emprego. No novo emprego, ela descobriu que encontrou gratificação suficiente em fazer amizade com um cliente ou ser elogiada por um café com leite bem feito. “Eu não preciso que outras pessoas me digam o que meu futuro reservará.”

Aqueles que fizeram a mudança provavelmente ainda são uma pequena minoria. Muitos que postaram em fóruns on-line fazem perguntas em vez de fazer parte do movimento. Alguns que deixaram trabalhos de maior renda reconhecem que não sabem quanto tempo permanecerão em suas novas ocupações; outros dizem que agora estão gastando mais do que ganham.

Críticos chamam os que trocaram de emprego de ingênuos e sugerem que eles brincam com a pobreza ou tiram empregos manuais de pessoas menos instruídas que precisam deles. Entretanto, as críticas também fluíram na direção oposta: a emissora estatal da China recentemente culpou o problema do desemprego em parte aos jovens chineses educados que não estão dispostos a assumir trabalhos mais qualificados, sugerindo que eles eram mimados.

Usuários de redes sociais apontaram que a sociedade chinesa há muito tempo valorizava a educação acima de tudo e, especialmente desde o início da reforma econômica da China, recusavam o trabalho manual. Segundo o pesquisador do Instituto de Finanças e Direito de Xangai, Nie Riming, o problema não era que os jovens se achassem bons demais para o trabalho manual, mas que esses trabalhos não ofereciam chance de uma vida melhor por causa do salário e da discriminação. “Se a sociedade não é diversificada, é impossível esperar que os alunos façam escolhas diversas”, disse ele.

Mesmo alguns dos jovens chineses que elogiam os novos empregos menos prestigiados não planejavam inicialmente estar neles.

Quando Yolanda Jiang, de 24 anos, pediu demissão no início deste ano de seu trabalho de design arquitetônico em Shenzhen, depois de ser convidada a trabalhar 30 dias seguidos, ela esperava encontrar outro emprego semelhante. Entretanto, após três meses de busca malsucedida e economias diminuindo, ela conseguiu um emprego de vigia em um complexo residencial universitário.

No início, ela tinha vergonha de contar à família e aos amigos, mas ela aos poucos ela passou a apreciar o trabalho. Os turnos de 12 horas, embora longos, eram descontraídos. O emprego oferecia dormitório gratuito. O salário era cerca de US$ 870 por mês, cerca de 20% maior do que o salário anterior – um sintoma de como o excesso de graduados começou a achatar os salários para este grupo.

Entretanto, a chinesa disse que seu objetivo final ainda é retornar a um escritório, onde espera encontrar mais desafios intelectuais. Ela vinha aproveitando o ritmo lento no emprego atual para estudar inglês, o que ela espera que a ajude a conseguir o próximo emprego, talvez em uma empresa de comércio exterior. “Na verdade, não estou ociosa”, disse Jiang. “Trato isso como um momento para descansar, fazer a transição, aprender, carregar minhas baterias e pensar sobre a direção da minha vida.”

Do The New York Times, via Estadão*