Por que parte da indústria é favorável ao desenvolvimento de carros híbridos movidos a etanol se nada garante que o consumidor vai optar pelo derivado da cana na hora de abastecer o veículo? Ele pode preferir a gasolina, como já faz no caso dos chamados carros flex, que aceitam etanol ou gasolina e que representam a maior parte dos veículos que circulam no país.
Ou é possível pensar na produção de híbridos movidos apenas a etanol? O presidente da Stellantis na América do Sul, Antonio Filosa, defende um “caminho fiscal”. Ou seja, para ele, chegou a hora de o Brasil privilegiar quem escolhe o combustível que reduz em mais de 60% a pegada de carbono em comparação com a gasolina.
Existe, assim, a possibilidade da volta do carro a álcool, modelo lançado na década de 1970 a partir do Próalcool, um programa governamental criado durante a crise mundial do petróleo? O tema é polêmico e exige cautela, já que o programa deixou traumas no brasileiro. O carro a álcool se tornou um “mico” quando os preços da gasolina voltaram a cair. O flex surgiu para acabar com o problema.
O assunto volta à tona diante da necessidade de o Brasil definir políticas para a descarbonização no transporte. “A tecnologia existe”, diz Filosa. O problema é que por mais forte que seja o apelo ambiental, na hora de abastecer, para muitos, o que mais pesa é o bolso, já que nem em todos os Estados o derivado da cana é competitivo. Para Filosa, porém, cabe à indústria esclarecer melhor ao consumidor as vantagens do etanol e ao governo, definir políticas de estímulo ao seu consumo.
Na sexta-feira (31), a Stellantis apresentou o resultado de testes com carros comparando a emissão de CO2 a partir de quatro fontes de energia: gasolina, etanol, elétrico simulando energia gerada na Europa e elétrico com energia gerada no Brasil. A ideia foi juntar elementos para basear a defesa da produção de híbridos movidos a etanol no Brasil, um projeto que o grupo pretende lançar em breve. Segundo Filosa, a Stellantis prepara um grande investimento no Brasil. “Será maior do que a soma de todos das nossas concorrentes”, diz.
Os testes foram realizados em parceria com a Bosch e consideraram as emissões em todo o ciclo, da geração da energia ao uso no veículo. A medição do CO2 foi feita depois de um percurso de 240,49 quilômetros.
O veículo a gasolina emitiu, em todo o processo, a maior quantidade de CO2: 60,64 quilos. O segundo mais poluente foi o elétrico com simulação de uso de energia gerada na Europa, com 30,41 quilos. O que foi abastecido com etanol somou 25,79 quilos e o 100% elétrico com baterias carregadas a partir de energia gerada no Brasil, 21,45 quilos.
“O etanol alcançou quase empate técnico com o carro elétrico abastecido com a energia elétrica do Brasil, gerada, majoritariamente, de fonte renovável, e levou vantagem em relação ao elétrico que circula na Europa”, diz Filosa.
O executivo prevê que, por volta de 2026 ou 2027, o Brasil terá um mercado com maior predominância de veículos eletrificados do que hoje, incluindo híbridos e 100% elétricos. O grupo decidiu produzir híbridos no país, tendo o etanol como principal fonte de energia. Mas ainda não revela datas. No chamado híbrido leve, um dos projetos em discussão na Stellantis, o motor elétrico funciona com a ajuda de outro, a combustão.
Filosa é hoje um dos principais porta-vozes do grupo de empresas que defende a preservação do etanol como combustível e em seu uso em híbridos produzidos localmente. “Isso é mais do que uma questão ambiental; é uma necessidade de eficiência industrial”, diz. Ele acredita no potencial de a Índia, que tem intensificado o uso do etanol, se tornar parceira do Brasil. “O mundo produz hoje 90 milhões de veículos. Em breve, serão 100 milhões. Não podemos imaginar o futuro numa única direção”, destaca.
O executivo italiano visitará esta semana uma grande usina de São Paulo. Ele diz que também tem conversado com fornecedores para juntar esforços em torno de seus argumentos para preservar o polo automotivo brasileiro.
Filosa defende, ainda, a ampliação de estímulos fiscais para pesquisa e desenvolvimento de veículos voltados aos projetos de descarbonização no Brasil. “Temos que premiar a engenharia daqui e não a de Detroit ou Turim”. Segundo ele, o governo já sabe de todas essas suas intenções. “Mas não custa repetir”, diz.
Assim como sabe também da divisão das montadoras em relação a desenvolver ou não híbridos a etanol no Brasil. “O governo sabe que nós gostamos do etanol e sabe que muitos não gostam. Nós conseguimos responder por quê. Será que os outros também conseguem?”
Do Valor Econômico