SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de um terço dos restaurantes e bares do Brasil fecharam as portas desde a chegada da Covid até fevereiro deste ano, segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). A maior parte do setor, 98%, é composta por micro, pequenas e médias empresas, de acordo com a entidade.
Quem sobreviveu passa agora pelo pior momento: mesmo com inovações e delivery, muitos acumularam dívidas, demissões de funcionários e ainda esperam novas medidas de apoio. “Quando há um retrocesso tão significativo, perde-se o fôlego. No começo da pandemia, as empresas ainda tinham uma gordura para queimar. Hoje acabou tudo”, diz Fernando Blower, diretor-executivo da ANR (Associação Nacional de Restaurantes).
Segundo ele, até houve uma retomada lenta e gradual até dezembro do ano passado. No entanto, com o avanço do coronavírus, muitos estados proibiram ou restringiram o atendimento de clientes no salão.
Diante desse cenário, muitos negócios que resistiram à pandemia por quase um ano começaram a fechar as portas. Entre eles, alguns históricos, como o Lá em Casa, em Belém do Pará (PA), comandado pela mesma família por 49 anos —incluindo o chef Paulo Martins (1946-2010), precursor na divulgação da cozinha da região amazônica.
Uma das casas mais tradicionais da cena carioca, o Cervantes, fechou por tempo indeterminado a unidade em Copacabana e, em São Paulo, a lista se avoluma com o Lá da Venda, o bar Genésio e a Casa de Francisca, misto de espaço de shows e restaurante.
Para empresários, entidades e analistas, a onda de fechamentos vai continuar caso não haja apoio dos governos municipal, estadual e federal. A medida mais esperada é a que permite suspender contratos ou reduzir jornada e salário de trabalhadores, com ajuda parcial em dinheiro do governo. De acordo com pesquisa da Abrasel, 78% do segmento diz não ter caixa para os salários de abril.
O delivery, única alternativa de operação para muitas casas neste momento, responde por apenas 30% do faturamento normal de um estabelecimento —e cerca de um terço das casas não têm nenhum nível de delivery, diz a ANR.
A chef Janaina Rueda, 46, buscou soluções de entrega para todas as casas que tem ao lado do marido, Jefferson, na região central de São Paulo —o restaurante A Casa do Porco, a lanchonete Hot Pork e o Bar da Dona Onça.
Em março, começou o delivery da Sorveteria do Centro.Mesmo assim, os negócios acumularam uma dívida, entre taxas e impostos, que chega a quase R$ 2 milhões, mesmo tendo recebido um aporte de R$ 1,8 milhão dos sócios para pagar salários.“Você fala que não está faturando e as pessoas perguntam: ‘E o delivery?’. É outro negócio, não tem nada a ver com a estrutura que se constrói para para atender pessoas e oferecer hospitalidade.”
O chef Ivan Ralston, 35, do Tujuína, na Vila Madalena, começou a operação de delivery em janeiro, mas diz que a margem é pequena. “Ele só seria a solução para um mundo que tivesse uma onda de Covid.” Há um ano, Ivan fez o último serviço do Tuju, restaurante com duas estrelas no “Guia Michelin” e que trabalhava só com menu-degustação.
No mesmo espaço, reabriu em setembro o Tujuína, com cardápio à la carte e serviço mais informal. “O Tuju estava no auge, mas entendi que seria difícil esse tipo de restaurante sobreviver à pandemia. A gente mudava o menu quatro vezes por ano, fazia pesquisas. E também dependia de estrangeiros e pessoas viajando. Então, resolvemos guardar esse projeto”, diz.
O chef também decidiu incorporar uma padaria ao espaço do negócio. “Gostaria de abrir uma vitrine, mas difícil imaginar isso agora. A gente está fazendo o máximo possível de coisas no espaço que a gente tem. Minha empresa está no modelo mínimo”, diz o chef, que teve de demitir 30 funcionários na crise.
A chef Telma Shiraishi, 51, à frente do restaurante japonês Aizomê, em São Paulo, nunca havia feito delivery. Com a pandemia, passou a entregar menus-degustação, criou uma loja virtual com produtos e insumos e lançou, em janeiro, uma marca de refeições em caixinha, a Bentô Box, que opera somente por delivery.
“A ideia é oferecer, para pessoas em home office, uma solução mais prática e saborosa”, diz Telma. Mesmo com boa aceitação, o faturamento não chega perto do pré-Covid.
Negócios voltados a entrega comandados por chefs ou marcas conhecidas também começaram surgir. Em janeiro, a Cia. Tradicional de Comércio lançou a Devoro, uma plataforma de delivery multimarcas acessada por aplicativos. O cliente pode escolher entre mais de 70 opções que vieram do menu de casas do grupo, como o bar Astor e a pizzaria Bráz. Os pedidos são preparados em uma cozinha à parte.
“Abrimos o olhar para momentos de consumo alternativo. Pode ser em casa, em viagens, piqueniques. Com a pandemia, as pessoas descobriram outras formas de trazer marcas de restaurante para casa”, diz Juliana Fava, 39, diretora de marketing.
O comportamento do consumidor mudou e, para adequar o empreendimento, muitos restaurantes diversificaram a produção com congelados, preparo de insumos e kits para finalizar em casa, diz Luiz Rebelatto, analista de competitividade do Sebrae. “Mas não é uma operação simples. Cada negócio precisa entender sua capacidade”, diz.
No caso do restaurante Dona Zefa, a transformação passou por adaptar o cardápio de bufê, que atendia funcionários de empresas nos arredores dos Campos Elíseos, na região central de São Paulo, para pê-efes no delivery. Com a mudança, as quantidades diminuíram: das antigas 150 refeições, agora são produzidas cerca de 20 por dia.
Mais adaptações foram necessárias: um funcionário foi dispensado, o aluguel foi renegociado e até móveis estão sendo vendidos, diz Sara da Cunha, 33, que agora toca sozinha o negócio, desde que a mãe, Zefa, voltou para o Ceará. “Estou conseguindo empatar. Acordo todo dia e penso: tenho que ser forte, mas não aguento mais. Vou testar esse modelo de PF até o fim do ano para ver se o movimento retorna.”
Depois da pandemia, casas vão operar de forma mais simplificada, e restaurantes voltados a almoço podem mudar radicalmente, diz Adriana Salay, historiadora e pesquisadora da alimentação e da fome.
Para ela, com o encerramento de restaurantes, parte da memória relacionada às cidades também vai se perdendo. “Essas casas nos permitem, inclusive, vivenciar outras culturas, incluindo algumas que não estão ancoradas em grupos fortes de imigração, como a de países africanos ou sul-americanos. Com o fechamento, isso se perde”, diz.