Após o susto com a paralisação do mercado nos primeiros meses da pandemia em 2020, a indústria do livro se reorganizou em busca de novos caminhos. E 2021 parece ter sido o ano em que o futuro pós-Covid começou a se desenhar mais claramente. Algumas mudanças significativas vieram para ficar. A principal delas foi o aumento de consumidores das livrarias virtuais. Por outro lado, o bom momento das livrarias físicas e os recordes de vendas das editoras na Bienal do Livro (primeiro evento de grande porte da cidade desde o início da pandemia) dão a entender que o público também quer contato presencial. Outro fato interessante do ano foi o sucesso dos livros de ficção, que representaram 40% da lista de títulos mais vendidos do ano.
— O fortalecimento da livraria física é prova de que precisamos nos encontrar. Precisamos das experiências sensoriais e emocionais que a livraria oferece — diz Bernardo Gurbanov, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL).
A sobrevida das livrarias desmentiu as piores previsões dos pessimistas. Mas, faça-se justiça, também contradiz os números. Segundo dados da pesquisa “Produção e vendas do setor editorial brasileiro”, realizada pela Nielsen Book, a participação das livrarias exclusivamente virtuais no faturamento das editoras aumentou 84% em 2020. As livrarias físicas, que, em 2019, detinham 41,6% do mercado, fecharam o primeiro ano da pandemia com 30,3%. Ainda assim, o setor vive o seu momento mais vibrante desde o início da recessão que derrubou a economia brasileira a partir de 2014, na avaliação de Gurbanov.
“Sangue novo” nas livrarias
Segundo ele, a retomada dos lançamentos, que diminuíram drasticamente no ano passado, tem ajudado as livrarias a superarem o “apocalipse” do primeiro semestre de 2020. O setor também tem se beneficiado de “sangue novo”: jovens livreiros que sabem fazer uso inteligente das redes sociais e dialogar com as pautas que mobilizam a sociedade atual, apostando em nichos de público. São Paulo, por exemplo, assistiu à inauguração de uma livraria dedicada à autoria feminina, a Gato Sem Rabo.
— A nova geração de livreiros traz entusiasmo, energia e compromisso. É uma gente que gosta de ler, que pode contribuir com a sociedade, mas não se esquece que o livro também é um negócio — afirma.
Uma das representantes do “sangue novo”, como diz Gurbanov, é Victória Mantoan, que, mês passado, inaugurou a Livraria do Brooklin, no bairro na Zona Sul de São Paulo. A meta de faturamento que ela estabeleceu para julho de 2022 talvez seja alcançada já em janeiro ou fevereiro.
— Ninguém vai parar de comprar na Amazon, mas a livraria não é só um comércio de livros. É um espaço de convivência — diz ela.
Inaugurada há nove anos como um sebo, a Lima Barreto vendia livros usados pela Estante Virtual antes de abrir um espaço no Catete e depois se mudar para a Tijuca. No final de 2019, a loja de Benjamim Magalhães e sua mulher Sandra Costa foi transferida para Ipanema e começou a apostar também em livros novos. Hoje, a venda de livros presencial e pela internet correspondem, respectivamente, a 60% e 40% do faturamento da loja. E há poucos meses eles inauguraram ao lado a Pequena Benjamim, dedicada ao público infantojuvenil. O objetivo de Magalhães para 2022 é consolidar a Lima Barreto em Ipanema e ampliar “os pontos de venda digitais”. Isso não quer dizer colocar livros em e-commerce, mas investir em outros canais de venda, como o WhatsApp. Dia e noite, os clientes mandam mensagens a Magalhães solicitando a reserva de livros.
— Se o lema do Caetano Veloso é “sem samba não dá”, o nosso é “sem livraria não dá”. Já imaginou o Rio sem botequins? O mesmo vale para as livrarias. Um Rio sem livrarias ficaria muito chato — diz.
Os estragos causados pela crise econômica, no entanto, ainda assustam. Segundo levantamento da ANL, o Brasil tinha 3.029 livrarias em 2013. Estima-se que hoje o país conte com cerca de 2.350. Para ajudar na recuperação do setor, afirma Gurbanov, é imprescindível o avanço do debate sobre a lei do preço fixo, que limitaria os descontos a 10% no primeiro ano após o lançamento, tornando mais justa a competição dos livreiros com os e-commerce. Ele também aponta as pré-vendas de títulos realizadas pelas editoras a um preço menor como uma distorção a ser corrigida.
A vez da ficção
Uma consequência inesperada da pandemia de Covid-19 e do isolamento social foi o aumento do interesse pela ficção, que, nos últimos anos, andava escanteada pela explosão da não ficção e por plataformas de streaming que oferecem entretenimento rápido e barato.
— Quando veio a pandemia, num primeiro momento achávamos que a autoajuda e o desenvolvimento pessoal seguiriam em alta, mas notamos crescente interesse pelos clássicos e pelos livros de fantasia e romances young adult (literatura para jovens adultos) — conta Sônia Machado Jardim, presidente do Grupo Editorial Record.
Segundo levantamento do PublishNews, dos 10 livros mais vendidos no Brasil este ano, quatro são de ficção: “Torto arado”, o romance-fenômeno de Itamar Vieira Junior, “A garota do lago”, thriller de Charlie Donlea, e os juvenis “Vermelho, branco e sangue azul”, de Casey McQuiston, e “Mentirosos”, de E. Lockhart. No ano passado, a mesma lista indicava apenas dois livros de ficção: o box comemorativo de “Harry Potter” e “O sol da meia-noite”, de Stephenie Meyer, autora da saga “Crepúsculo”. Trata-se de uma mudança surpreendente, já que em 2019 e 2018 nenhuma ficção havia chegado à lista dos 10 mais vendidos. Carla Madeira, a mulher que mais vendeu na ficção adulta nacional em 2021, é outro fenômeno do segmento.
— Certamente as editoras, ao observar esse movimento do mercado, acabam concentrando esforços em publicar mais livros de ficção — diz Rebeca Bolite, editora-executiva da Intrínseca. — A Intrínseca acompanhou esse movimento do mercado: em 2019, entre os 15 livros mais vendidos da Intrínseca, 66% eram livros de ficção, já em 2021 esse percentual subiu para 80%.
Tiktokers alavancam vendas
O young adult foi um dos maiores responsáveis por puxar o bonde. O gênero representa hoje quase metade do total das vendas dos livros de ficção. Bolite tem uma hipótese para explicar este número. Afastados da rotina da escola e dos amigos por causa do isolamento social, os jovens teriam buscado uma forma de escapismo nos livros de ficção juvenis e infantojuvenis. Como previsto, eles encheram os pavilhões da Bienal do Livro, no Riocentro, o que certamente pesou para os 2 milhões de livros vendidos no evento (com editoras tendo um aumento de 90% nas vendas registradas).
Para Mauro Palermo, diretor da Globo Livros, a literatura para jovens foi mesmo o grande destaque do ano. Muitos novos leitores surgiram através dos booktokers, os influenciadores que falam de literatura na rede social preferida da Geração Z, o TikTok.
— O último biênio mostrou a resiliência do livro, que ajudou e continua ajudando as pessoas a enfrentar este período difícil — diz Palermo. — A ficção é um escapismo. Ela nos permite viajar para um mundo onde não tem Covid, onde ninguém precisa usar máscara.
Especializada em livros para este público, a Galera Record atualmente responde por 35% do faturamento do Grupo Record. O selo emplacou oito títulos do ranking interno dos dez mais vendidos da editora.
— Se a gente comparar 2020, que já tinha sido um ano bom em vendas, com 2021, o volume dos nossos dez mais vendidos dobrou — diz Sônia Machado Jardim.
Informações: O GLOBO