No próximo domingo (27), eleitores de quatro capitais nordestinas retornam às urnas para decidir quem governará suas cidades nos próximos quatro anos.
Aracaju, Fortaleza, João Pessoa e Natal apresentam desafios comuns no que diz respeito à promoção e garantia de uma vida digna, afinal, essas cidades concentram parte significativa do fluxo de bens e serviços em suas regiões e são espaços vitais de tomada de decisão.
Entre os pontos colocados como fundamentais estão melhorias nas áreas da saúde, educação, saneamento e segurança pública. É o que aponta o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades, elaborado com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) realizado pelo Instituto Cidades Sustentáveis. A mobilidade urbana também é um fator que interfere na qualidade do dia a dia dos cidadãos.
Na capital potiguar, a educação é um dos principais desafios. Natal tem a nota mais baixa, dentre todas as capitais do país, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais do ensino fundamental: 4,5 pontos em 2023. O índice varia de 0 a 10 pontos, e a média nacional é 6 pontos. A meta do Brasil é atingir 6,7 pontos em 2030.
Para o doutor em Sociologia do Trabalho e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) César Sanson, o fraco desempenho do município é preocupante. Ele destaca como necessário que o município reduza o déficit de vagas nessa etapa da educação, especialmente na oferta de vagas em creches.
“É urgente suprir o déficit de oferta de vagas para crianças do ensino básico: a pré-escola e a creche. Há mais de mil crianças que estão fora das creches, impossibilitando as mães de terem autonomia para eventualmente irem ao trabalho, realizarem outras atividades’, disse o professor à Agência Brasil.
Outro problema relacionado à educação que o professor listou se refere ao ensino integral em Natal: “ainda em relação ao ensino básico, o município de Natal não tem a oferta de escolas integrais. É preciso também que o município avance na oferta do ensino integral.”
A disputa no segundo turno na capital potiguar será entre os candidatos Paulinho Freire (União Brasil) e Natália Bonavides (PT). Com mais de 750 mil habitantes, o município precisa avançar também na promoção de serviços para a população que vive na periferia. Sanson destacou a necessidade de políticas voltadas para a redução da extrema pobreza:
“Particularmente as condições de vida na periferia da cidade são dramáticas, com ausência ou serviços muito precários na área da saúde, do saneamento e da educação.”
O professor destacou ainda a necessidade de ações voltadas para aumentar a oferta de serviços na saúde primária. “Fundamentalmente a saúde primária; o aumento na oferta dos equipamentos que são também deficitários, alguns inclusive foram fechados, como atendimentos à saúde mental, postos de saúde com falta de equipamentos, profissionais desvalorizados. É urgente também que o município reequipe os postos de saúde, amplie a oferta dessa rede básica de atendimento primário. O não atendimento primário sobrecarrega as UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], o atendimento de saúde intermediário e os hospitais. Essa é uma outra urgência que o município precisa enfrentar”, frisou.
No que se refere à mobilidade urbana, César Sanson destacou medidas para a população que mora nas áreas periféricas. Segundo ele, ao longo dos últimos anos, principalmente no período pós pandemia de covid-19, várias linhas de ônibus foram retiradas.
“É uma situação perversa e dramática porque atinge os mais pobres e, sobretudo, a juventude, dificultando o deslocamento das pessoas para a escola, para o trabalho ou mesmo para atividades de lazer. Esse, creio, é um dos problemas centrais que a próxima administração precisa enfrentar: recolocar em serviço um transporte minimamente digno para a população”, avaliou.
“Em relação à juventude, particularmente à juventude periférica, é preciso investimentos em áreas de lazer, como praças públicas, quadras poliesportivas, piscinas públicas, investimentos relativamente baratos, que possibilitem à juventude ter espaços para sua sociabilidade, assim como também a oferta de atividades culturais, que praticamente na periferia inexistem”, finalizou o professor.
A qualidade da educação nas séries iniciais do ensino fundamental também se coloca como um desafio para as outras três capitais nordestinas que terão segundo turno. Aracaju e João Pessoa apresentam o mesmo Ideb: 5,20. Em Fortaleza, o Ideb é 5,90, índice mais próximo do esperado para 2030.
Ao debate da educação se soma o da violência sofrida pela população, especialmente pobre, negra e jovem. Nas quatro capitais, as chances de jovens negros serem mortos é muito superior à de jovens brancos na mesma faixa etária. Esse cenário chama a atenção para a necessidade de políticas voltadas para essa parcela da população e de combate ao racismo.
Em Aracaju, onde o segundo turno é disputado pelos candidatos Emília Corrêa (PL) e Luiz Roberto (PDT), a chance de um jovem pardo, preto ou indígena sofrer um homicídio é 26,2 maior que a de um jovem branco.
No município, que possui pouco mais de 602 mil habitantes, a taxa de homicídio juvenil masculino é de 1,81 a cada mil habitantes para jovens brancos e amarelos, e de 47,36 a cada mil, entre jovens pretos, pardos e indígenas.
A diferença na qualidade de vida das pessoas brancas e amarelas, e das pessoas pardas, pretas e indígenas também se reflete na saúde e na expectativa de vida. Em Aracaju, as pessoas pretas, pardas e indígenas vivem quase 12 anos a menos que as pessoas brancas.
Para o professor do departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ilzver Matos, os dados refletem a ausência de políticas públicas com recorte para este segmento da população, com destaque para mecanismos de participação social.
“Aracaju tem 75% de população negra. Desse modo, fazer política pública sem recorte racial em Sergipe e em Aracaju é negar direitos da maioria da população. E é isso que vivemos por aqui” afirmou Matos à Agência Brasil.
O professor destacou que somente em 2020 Aracaju aderiu ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), voltado para a implementação do conjunto de políticas e de serviços direcionados para superação do racismo em todo território nacional.
“Estamos no estado mais letal para a juventude e na quinta cidade que mais mata jovens, ou seja, cidadãos entre 15 e 29 anos. Entretanto, o Sistema Nacional de Juventude ainda não conseguiu sensibilizar suficientemente os gestores para adesão e promoção das políticas necessárias a essa parcela da população”, criticou.
“Quando adentramos em outras áreas, tais como cultura, saúde, justiça, o quadro de ausências se amplifica. Há, apesar de regulamentação nacional em vários desses temas, um vácuo local na compreensão da importância de criação das estruturas de execução das políticas de saúde para a juventude e de saúde integral da população negra, políticas de cultura e políticas de valorização da história e cultura da África e dos afrodescendentes, dentre outras”, finalizou.
Em João Pessoa, onde a disputa no segundo turno está entre Cícero Lucena (PP) e Marcelo Queiroga (PL), a taxa de homicídio juvenil masculino é de 22,11 a cada mil habitantes para jovens pretos, pardos e indígenas, caindo para 1,8 quando são jovens brancos e amarelos. Isso significa que possibilidade de homicídio da juventude negra entre 15 e 29 anos é 12,3 vezes maior que de um jovem branco e amarelo na mesma faixa etária.
O cenário também aponta para a necessidade de o município, de 833 mil habitantes avançar na implementação de promoção da igualdade étnico-racial. A cidade não conta com um plano municipal voltado para essa parcela da população, nem com um fundo voltado para captar, gerenciar e destinar recursos para a promoção da igualdade racial, com foco em ações afirmativas.
Fortaleza também enfrenta desafios relacionados à violência, especialmente a sofrida pela população negra, pobre e periférica. Dados do Instituto Cidades Sustentáveis mostram que, na capital cearense, a chance de um jovem negro morrer é 32,4 vezes maior que a de um jovem branco.
Com pouco mais de 2,42 milhões de habitantes, Fortaleza é o município com a maior população entre as quatro capitais nordestinas que vão definir seus prefeitos no próximo domingo. Na capital do Ceará, onde a disputa está entre os candidatos Evandro Leitão (PT) e André Fernandes (PL), a taxa de homicídio juvenil masculino é de 1,24 a cada mil habitantes para jovens brancos e amarelos, passando para 40,29 quando são jovens pretos, pardos e indígenas.
Na avaliação da professora do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC) Helena Martins, o cenário de desigualdade e a ausência do poder público municipal levou a um quadro de aumento da violência na cidade.
“Você tem uma piora dos serviços públicos no geral e um afastamento mesmo da prefeitura do cotidiano, de uma certa visão de que a política vai resolver, ou está atuando para resolver esses problemas mais estruturais e conjunturais”, disse.
Helena destacou que a dinâmica da violência da cidade tem se intensificado, resultando inclusive na expulsão de pessoas dos seus lares por parte de integrantes de facções criminosas que atuam no estado.
“Fortaleza é uma cidade brutalmente desigual e que tem sofrido muito pelo processo de precarização mesmo do trabalho. É uma cidade muito de [empregos de] serviços e, por outro lado, também tem sofrido com a expansão dos grupos, das facções criminosas para o estado do Ceará e para Fortaleza especialmente. Tanto é que hoje é uma das capitais mais violentas do Brasil”, disse.
“Em muitos lugares da cidade, você sabe que tem pessoas que foram expulsas das suas casas pelas facções, lugares onde você não pode andar se você for de um outro bairro. E aí você é associada a outra facção apenas por estar em outro bairro. É uma dinâmica que vai reorganizando a própria sensibilidade na cidade”, finalizou.
A diferença na qualidade de vida das pessoas brancas e amarelas, e das pessoas pardas, pretas e indígenas também se reflete na saúde e na expectativa de vida. Em Fortaleza, pessoas pretas, pardas e indígenas vivem 10,7 anos a menos que as pessoas brancas. Enquanto a expectativa de vida das pessoas brancas e amarelas é de 74,9 anos, a das pessoas pretas, pardas e indígenas é de 64,2 anos.
Agência Brasil