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Série ‘Colônia’ mostra como gays, negros e pobres foram internados em manicômio
25/06/2021 / 13:33
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LEONARDO SANCHEZ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Distante cerca de 150 quilômetros de Belo Horizonte, a cidade mineira de Barbacena foi palco de momentos importantes da história brasileira. Foi lá, por exemplo, que nasceram alguns dos inconfidentes que se rebelaram ao lado de Tiradentes. Ela também teve papel no Dia do Fico, quando dom Pedro 1º se recusou a voltar a Portugal, pavimentando o caminho para a independência. Mas um capítulo mais recente mostra que o lugar não inspirou só atos de nobreza.

Na verdade, a Barbacena pertence uma das partes mais macabras da nossa história. Conhecida no século passado como Cidade dos Loucos, ela abrigou um conjunto de instituições psiquiátricas que promoveram o que se condicionou chamar de holocausto, graças a um livro sobre o assunto escrito pela jornalista Daniela Arbex.

Foi nele, aliás, que o cineasta André Ristum encontrou parte da inspiração para a série que lança agora no Canal Brasil, “Colônia”. Nela, o público vai entender um pouco sobre como funcionavam as engrenagens da instituição, que aprisionou, torturou e exterminou milhares de pacientes psiquiátricos e também pessoas saudáveis, mas indesejadas pela sociedade, durante décadas.

Ambientado entre as paredes do principal desses hospitais, o Colônia, o título é uma ficção, mas lança um alerta no início de cada episódio. “As personagens desta série são fictícias. Os fatos aconteceram realmente.”

Na trama, vemos uma moça jovem, que se recusou a casar com o homem que seu pai, um poderoso fazendeiro, arranjou para ela, sendo colocada à força num vagão de trem lotado e sujo. Era assim que as vítimas de vários estados do país chegavam a Barbacena.

Ela só percebe que foi mandada para uma espécie ainda mais desumana de prisão quando chega ao Colônia e descobre que um laudo médico falso foi encomendado para justificar sua estada. À sua volta estão pacientes com diversos transtornos mentais, mas também homossexuais, amantes, negros, mães solteiras, pobres e presos políticos perfeitamente saudáveis.

“Esses são os arquétipos dos indesejáveis da sociedade naquele tempo. As estruturas do Colônia foram sendo tomadas por qualquer tipo de indesejável social, vítimas de uma sociedade patriarcal, racista, desigual”, diz Ristum sobre o leque de personagens que criou. O hospital foi fundado em 1903, mas é nos anos 1970, durante a ditadura militar, que a série se passa.

Para chegar a esses personagens, Ristum desenvolveu um intenso trabalho de pesquisa. Os livros “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex, e “Nos Porões da Loucura”, de Hiram Firmino, com testemunhos do massacre que se promovia no Colônia, serviram de guia, bem como depoimentos dos poucos sobreviventes que ainda restam.

Como essa é uma instituição que pouco seguia a lei, muitos de seus documentos e registros já não existem mais. A série, bem como outros estudos sobre Barbacena, se apoia em estimativas, que dizem que cerca de 60 mil pessoas podem ter perdido a vida ali. Dessas, uma grande maioria seria de negros, e 70% não teriam apresentado qualquer transtorno mental.

O hospital tinha capacidade para 200 pessoas, mas em alguns períodos chegou a abrigar 5.000 internos, que estavam sujeitos ao frio, à falta de higiene, ao abandono e a castigos físicos, incluindo tratamentos de choque. Foi só na década de 1980, com a luta antimanicomial no Brasil, que a situação mudou.

“O caso do Colônia mexeu muito comigo. Essas pessoas foram vítimas de uma profunda desumanização. Como o ser humano chega a um ponto como esse?”, questiona Ristum. “Era uma forma de exclusão social institucionalizada, mas isso continua de certa forma. As feridas estão abertas e ainda existe uma diferença de tratamento na saúde quando observamos os contextos sociais, de raça e de gênero.”

Ristum e sua equipe tentaram gravar algumas das cenas no próprio hospital, que ainda está aberto e segue abrigando alguns dos pacientes internados antes da reforma. Os responsáveis pela instituição, no entanto, barraram a ideia, já que o visual de época de cenários e figurinos, se visto pelos internos, poderia trazer à tona memórias duras. Um antigo convento no bairro do Ipiranga, em São Paulo, acabou sendo transformado no hospital.

“Colônia” é dividida em dez episódios e tem como protagonista a atriz Fernanda Marques. Também estão enclausurados na ficcionalização dessa parte macabra da história Andréia Horta, Eduardo Moscovis, Augusto Madeira, Naruna Costa, Christian Malheiros e Marat Descartes.

COLÔNIA

Quando: Estreia nesta sexta (25), às 21h30, no Canal Brasil e no Globoplay