Toda semana, cerca de 5 mil mulheres jovens com idade entre 15 e 24 anos são infectadas no mundo pelo HIV, vírus que causa a Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), de acordo com estatísticas da UNAIDS Brasil, programa conjunto das Nações Unidas sobre a doença. No entanto, Gabriel Breier, um influenciador que prega o fitness natural (isto é, sem uso de anabolizante), considera a camisinha uma “falta de respeito” com o homem, além de “antibiológico.”
“Tem maluco que namora e tal, e a menina começa a pedir para o cara usar camisinha. Eu acho que é incomum. Porque transar com camisinha é algo antibiológico, porque não é tu que está tocando a menina, é o plástico”, declarou ele. Disse ainda que “[se] tu está transando com camisinha, tu é besta”.
Especialistas ouvida pela Folha, porém, avaliam que a decisão de abandonar a camisinha deve ser feita em conjunto e acompanhada de exames regulares dos parceiros, além de o casal ter certeza que a relação é monogâmica para ambos.
Com 134 mil seguidores no Youtube, 234 mil no TikTok e 108 mil no Instagram , o influencer tem números pequenos perto do cenário que se dispôs a enfrentar, como o aumento das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) em mulheres e gestações precoces, problemas graves no Brasil e no mundo.
Nos últimos 15 anos, segundo a UNAIDS, agência da Nações Unidas, elas passaram a representar 53% dos casos mundiais de HIV e 30,6% das infectadas pelo vírus no Brasil (87,8% delas via relações heterossexuais).
Hoje, infectados pelo vírus que buscam tratamento logo após a infecção podem não desenvolver a doença, mas sem o diagnóstico, o risco de adoecer cresce.
Além disso, o país tem uma das mais altas taxas de gestação na adolescência, com 400 mil casos por ano, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
As críticas em torno da fala do influenciador ganharam corpo na voz de famosos e usuários do Twitter. Com 14,5 milhões de seguidores no Twitter, o youtuber Felipe Neto pediu para mulheres continuarem usando o preservativo, “principalmente se for pra prevenir o mundo de homens que nem esse”, escreveu.
A usuária Jacy Carvalho, que tem 80 mil seguidores na rede, tuitou indignada: “USEM CAMISINHA estando solteiras ou em relacionamento sério ou casadas.”
USEM CAMISINHA estando solteiras ou em relacionamento sério ou casadas https://t.co/rZmSuUG4jW
— ondejacyviu (@JacyCarvalho) May 23, 2022
Para Jamal Suleiman, médico infectologista do Instituto Emílio Ribas, a relação precisa ser de fato monogâmica e ambos precisam ter testes para ISTs negativos e vacinação em dia contra as doenças para as quais já existe prevenção, como HPV, Hepatite B e Hepatite A.
“Se um for positivo, e falando especificamente de HIV, a carga viral precisa ser baixa para não usar camisinha. Precisa ver se tem capacidade de infecção ou não. Também tem a opção de fazer a profilaxia pré-exposição”, afirmou o médico. O infectologista reforçou que em uma relação aberta o uso da camisinha é recomendado e, embora haja opções de profilaxias, não há porque questionar a eficácia ou necessidade do método.
A infectologista Karen Mirna Loro Morejón, responsável pelo Serviço de Infecção Hospitalar do Hospital da Unimed, faz coro à fala de Suleiman. Ela afirma que o preservativo faz parte da estratégia de prevenção de doenças infecto-contagiosas.
“Se há uma decisão, em conjunto, do casal em não usar [camisinha], que isso seja feito de forma consciente e com todos os riscos avaliados. Que se foque em outros métodos de prevenção combinada com testagem regular para ISTs.”
A professora defende o diálogo franco e respeitoso com um profissional de saúde, e o autocuidado feminino para que as demandas íntimas sejam acolhidas e as dúvidas sanadas antes de qualquer decisão.
“Temos muitas mulheres que foram infectadas pelos parceiros. A maioria, de fato, desconhecia seu diagnóstico, mas alguns sabiam e não haviam revelado às parceiras”, diz.
Jose Valdez Madruga, médico infectologista e coordenador do Comitê de AIDS da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), também acredita que a decisão deve ser tomada em conjunto pelo casal, e que é preciso estar claro se a relação é monogâmica para ambos.
Caso não tenham o mesmo status sorológico, o positivo deve estar tratamento com carga viral indetectável e o negativo com profilaxia pré-exposição em dia. “Há fatores que precisam ser considerados para tomar a decisão de usar ou não preservativo. Algumas vezes, apenas um é monogâmico e só descobre que o outro não é monogâmico quando aparece uma infecção de transmissão sexual”, apontou o médico.
Evalcilene Santos, 45, ativista e militante de direitos humanos, vive com HIV desde os 22 anos. Para ela, o preservativo precisa ser defendido como um dos insumos mais importantes na luta contra a transmissão de ISTs e e pela preservação da vida das mulheres.
“Nunca me falaram do preservativo. Quando me descobri, jovem, já tendo filha e amamentando com HIV, foi muito horrível. Será que hoje eu estaria infectada com HIV e tomando medicamento todos os dias, com sequelas no meu organismo? Eu não gostaria de estar com essa infecção e das pessoas ainda não falarem comigo por estigma e discriminação.”
A ativista afirma ainda que a educação popular continuada, acesso e autonomia feminina para usar camisinha e outras formas de prevenção são essenciais pois considera que falas machistas como essa do influencer podem matar mulheres. “Nós mulheres temos o direito ao nosso corpo, de [escolher] usar ou não o preservativo. Forçar uma mulher a não usar quando a mesma solicita o uso é uma violência sexual”, lembra Evalcilene.
Jenice Pizão, 63, do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas, chamou a fala do influencer de “sandice irresponsável” e afirma que ele deveria sofrer as penalidades legais devido à “tamanha falta de sensibilidade e conhecimento do tema.
“Uma fala preconceituosa, misógina. Como se considera um influencer? Vivo com HIV há 32 anos, me infectei por total falta de informação na época, achando que o vírus não existia no meu meio. Foi um erro e com isso me infectei”, lamenta.
Ela cita ainda tecnologias mais recentes, como as profilaxias pré e pós exposição oferecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
“Fazendo o tratamento correto, a carga viral fica indetectável e não infecta ninguém. A informação que ele transmite é uma informação que pode levar a danos seríssimos e incentiva comportamento de risco. Por isso ele deveria ser penalizado”, declara.
Folha