Aos 102 anos, Margot Friedländer, uma sobrevivente do Holocausto, foi modelo de capa da edição de julho/agosto da revista Vogue da Alemanha. Nascida em Berlim, ela permaneceu os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) escondida com a mãe, Auguste, e o irmão, Ralph, ambos depois assassinados em Auschwitz, principal campo de concentração da Alemanha Nazista.
Ralph foi preso pela Gestapo, a polícia secreta nazista, em 1943. Indignada com a detenção do filho, Auguste confrontou os agentes, o que culminou no seu envio a Auschwitz. Seus pais haviam se divorciado antes do conflito, e as crianças permaneceram sob a guarda da mãe. Tratava-se de uma família judia.
Aos 21 anos, Margot continuou em fuga até ser traída por “capturadores” no ano seguinte, tendo sido transportada para o campo de Theresienstadt, na então Tchecoslováquia, que foi ocupada pelos soldados alemães durante a guerra.
No período em que ficou no campo, Margot teve sempre em mente a última mensagem dita por sua mãe antes de desaparecer: “Tente melhorar a sua vida”. No campo, conheceu Adolf, com quem casou-se depois da libertação. Eles nunca tiveram filhos.
O casal migrou para Nova York, nos Estados Unidos, em 1946. Ela morou na cidade até a morte do marido, em 2010, quando decidiu retornar a Berlim.
“Meu marido, que também era de Berlim, de Charlottenburg, não queria voltar. Ele ficou tão chateado com o que aconteceu”, explicou à revista. “Passamos pela mesma coisa. Ele também perdeu a mãe em Auschwitz. E ainda assim voltei novamente. É triste não poder ir ao túmulo dele. Mas uma vez perguntei a ele o que ele achava de voltar. Ele me disse que eu tinha que fazer o que meu coração me mandasse”.
Hoje centenária, Margot coleciona uma série de condecorações, como a Cruz Federal do Mérito 1ª Classe e o Coração de Ouro, concedido recentemente pelo chanceler Olaf Scholz, e o German Dream Award 2023. Em depoimento à Vogue alemã, ela disse que estava “grata por ter conseguido [sobreviver], por poder realizar o desejo” de Auguste, de quem herdou apenas um cordão.
A ativista, ao longo da entrevista, tratou sobre temas espinhosos do cenário político internacional contemporâneo. Questionada sobre o partido de extrema direita alemão AfD e neonazistas, Margot disse que sabe “exatamente como tudo começou” na Segunda Guerra e que estava “horrorizada por ter que experimentar isso hoje”, apelando para que todos “sejam humanos”. Ela também afirmou que nunca imaginou “que algo como o antissemitismo se desenvolveria novamente com tanta força, tão rápido e tão alto” e questionou: “o que aconteceu?”.
Sobre a guerra entre Israel e o grupo palestino radical Hamas, a alemã disse que “não há sangue cristão, muçulmano ou judeu. Existe apenas sangue humano”. “O antissemitismo sempre existiu. Depende apenas de como ele se mostra. E como as pessoas reagem a outras pessoas que lhes dizem algo que não é verdade, mas que parece bom”, acrescentou ela. Mesmo “decepcionada” com o violento panorama mundial, Margot disse manter a esperança.
“Estou muito decepcionado com a história. Nós não esperávamos isso”, desabafou. “Mas não perdemos a esperança, é importante. Se não tivéssemos nenhuma esperança, isso não funcionaria. De alguma forma, uma porta se abrirá.”
Com Veja